Seminários Temáticos para o triênio 2020-2022

Montagem Audiovisual: Reflexões e Experiências

Resumo

    A obra audiovisual tem nos procedimentos de montagem sua essência. Buscamos reunir professores, pesquisadores e/ou realizadores (cineastas, videomakers, animadores, designers etc) interessados em debater técnica, tecnologia e criatividade empregadas na montagem: seu processo e resultado estético, ético e político nas diferentes expressões audiovisuais.
    Da substituição por parada de ação à articulação espaço-temporal adicionam-se artifícios que estão além da horizontalidade do corte seco e das justaposições, como a verticalidade proposta pela fusão e sobreposição, pelas divisões de tela e grafismos, entre outros recursos de construção imagética e sonora.
    Na complexidade da techné audiovisual, a edição/montagem encontra-se cada dia mais presente na arte, na comunicação ou no audiovisual. Ou seja, para além dos determinismos tecnológicos, interessa-nos as potencialidades estéticas geradas por distintas gestualidades de montagem – videográfica, cinematográfica etc – das origens até hoje.

Introdução

    Ao longo da história do pensamento sobre as imagens e sons, muitos autores empreenderam reflexões sobre a montagem, não apenas no cinema, mas em diversos campos da arte e da comunicação. Walter Benjamin (2010), ao tratar das novas mídias, já havia formulado que tais obras de arte só existem através de intenções na montagem. Farocki (1995) pergunta-nos: O que se passa na mesa de edição? É comparável isso a um experimento científico? (Blümlinger, 2004). Ou seja, a montagem tem um duplo vínculo no audiovisual, ela diz respeito à prática e também à teoria. Não à toa o seu conceito é seminal para qualquer pesquisador que trate do tema. Em permanência, a pergunta gira em torno do que é a montagem. Trabalhos recentes retomam essa inquietação. Chateau (2013) reconhece em Koulechov uma verve teórico-metodológica que eleva a montagem do mero cutting a um conceito. Albera (2010) busca traçar limites à montagem ancorados na epistemé do final do século XIX e início do XX, definindo aplicações do conceito, regras, variações e transformações, enquanto Pearlman (2013) defende uma aproximação entre o ritmo audiovisual e o coreográfico. Nos aspectos formais da montagem, bastante conhecidos das teorias do cinema e largamente aplicados em obras audiovisuais, encontramos desde o ritmo basilar na montagem (Eisenstein) às questões de construção espacial (Pudovkin) e temporal, com a possibilidade de esculpir o tempo” (Tarkovski). Das experimentações e observações de autores e teóricos, certos mecanismos são reconhecidos até hoje como bases da montagem: de atrações a conceitual (Eisenstein), paralela (Griffith), intervalo (Vertov), montagem proibida (Bazin) ou à distância (Pelechian). Quais os impactos destas combinações, dessas formas fílmicas? Conceituação, história e elementos da montagem, eis o princípio estético nas composições da imagem e som (Faucon,2013; Braha,2011; Amiel,2010; Nova,2009; Barbosa,2005; Manovich,2001; Sánchez-Biosca,1996; Wees,1993). Associações que instauram ora uma relação mimética ora ensaística, provocada pela cognição e memória, ou ainda sensível ou sensorial. A montagem extrapola o dispositivo cinematográfico. Na TV, podemos citar a contribuição de Machado (1988), para compreendermos que a origem da edição videográfica vem das práticas de transmissões ao vivo e que a organização errática das imagens passa pela sobreposição de efeitos eletrônicos, originando um ritmo associado ao videoclipe. Nas artes visuais e digitais entre soft cinema, found footage, i-doc, vídeo-remix, live cinema, cinema de banco-de-dados e de exposição, podemos citar autores (Michaud,2014; Manovich,2013; Treske,2013; Bellour,2012; Dubois,2012; Seaman, 2009; Makela,2006; Basilico,2004; Youngblood,1970) que apontam as gestualidades da montagem nas searas do cinema expandido, do filme-ensaio ou do vídeo interativo. Com a chegada do digital, se acentuou a importância da montagem que passa também a se ocupar do tratamento de cor, efeitos visuais e do motion graphics.

Objetivo

    Almejamos que o seminário temático continue sendo um espaço de compartilhamento e debate entre pesquisadores que têm como foco as potencialidades e a importância da montagem no(s) cinema(s) e que estimule a pesquisa da montagem audiovisual seja nos aspectos históricos, teóricos, práticos, conceituais, metodológicos ou de ensino. E que possamos, juntos, mergulhar nas complexas technés da edição/ montagem de imagens e sons entre o ontem, o hoje e o amanhã.

Aspecto

    Para além da questão estética e tecnológica, cada ação da montagem determina uma posição política e revela uma postura ética. A montagem é, nas palavras de Godard, uma forma que pensa. Envolve uma série de reflexões, dilemas, escolhas e tem o poder e a responsabilidade de mediar uma série de forças heterogêneas, seja em relação às etapas criativas que lhe antecedem (roteiro, filmagem), como aos diversos colaboradores que contribuem com o cineasta para a criação de sentido do filme (aqueles que são filmados e aqueles para os quais se dirige: o espectador). Como lidar com o corpo e o olhar do outro, como tornar mais democrático o espaço da montagem? Para Marie Jose Mondzain (2009), quando a montagem não é autoritária na construção dos significados, quando não os totaliza, nem busca unificá-los, ela permite que o espectador se aproprie do filme, o reelabore e participe fazendo ele também suas próprias conexões.
    Ao ser a última instância de realização do filme, a montagem costura e desenvolve as etapas anteriores, acrescentando ao material que lhe chega algo adormecido nas imagens e que só pelas mãos do montador, num jogo de associações, lhe fará despertar. Para Didi Huberman, a criação na montagem é como a poesia, é preciso inventar novos procedimentos para dispor e elaborar o que se tem, “essa nova disposição é o ato de montagem: redisposição das coisas que nos as faz ver como se fosse pela primera vez” (Didi-Huberman, 2008).
    Esta proposta de seminário tem como objetivo central incentivar a reflexão sobre a montagem audiovisual a partir de abordagens conceituais e metodológicas múltiplas. Interessam ao seminário trabalhos de natureza teórica e prática que tratem de questões acerca da montagem no cinema, no audiovisual de maneira geral, tais como: epistemologia da montagem; relações entre imagem e som; tecnologias da montagem audiovisual; questões éticas acerca da montagem; pedagogias da montagem; montadoras e montadores; montagem na ficção e não-ficção; as relações da montagem com outras etapas da realização audiovisual; a montagem para os gêneros; o processo criativo na montagem; a (des) importância da montagem. Busca-se, por um lado, reavivar a discussão sobre a montagem a luz de textos clássicos, mas introduzir autores contemporâneos que trazem novas olhares e conexões ao tema. A ideia é também estimular o desenvolvimento de um pensamento próprio que dialogue com as produções audiovisuais brasileiras e latino-americanas.

Bibliografia

    ALBERA, F; TORTAJADA, M. (org) Cinema Beyond Film. Amsterdam: AUP, 2010
    AMIEL, V. Estética da Montagem. Lisboa: Texto&Grafia, 2010
    BELLOUR, R. La querelle des dispositifs. Paris: POL, 2012
    BLÜMLINGER, C. Incisive Divides and Revolving Images. In: Elsaesser, T. (org) Harun Farocki. Amsterdam: AUP, 2004
    CHATEAU, D. L’invention du concept de montage. Paris: Amandier/Archimbaud, 2013
    FAUCON, T. Théorie du montage. Paris: Armand Colin, 2013
    _. Penser et experimenter le montage. Paris: PSN, 2009
    HUBERMAN, G.D. Cuando las imágenes toman posición. Madri: A. Machado Libros, 2008.
    MAKELA, M. Live Cinema. 2006. 70f. (Dissertação). University of Art and Design, Helsinki
    MANOVICH, L. Software takes Command. NY: Bloomsbury, 2013
    MCCLEAN, T. Digital Storytelling. Cambridge: MIT, 2008
    MONDZAIN, Marie-José. Temps et montage. 2009. Disponível em http://leblogdocumentaire.fr/temps-et-montage-14-par-marie-jose-mondzain/.
    PEARLMAN, K. Cutting Rhythms. Melbourne: Taylor&Francis, 2009
    RØSSAAK, E. (org) Between Stillness and Motion: Film, Photography and Algorithms. Amsterdam: AUP, 2011
    TRESKE, A. The inner life of video spheres. Amsterdam: INC, 2013

Coordenadores

    Elianne Ivo Barroso
    ana rosa marques
    Silvia Okumura Hayashi