Seminários Temáticos para o triênio 2020-2022

Estilo e som no audiovisual

Resumo

    Transversal e multidisciplinar, a noção de estilo pode ser catalisadora de pesquisas que unam teoria e prática, documentário e ficção, dissonância e harmonia, ruído e silêncio, escuta e tecnologia. O estilo pode dar corpo a discussões sobre processos e abordagens diversos, incluindo sound design e composição musical, edição e mixagem, realismo e melodrama, processos criativos, técnicas de gravação e reprodução. A reproposição do seminário tem como objetivo estimular o amadurecimento das pesquisas sobre os usos do som no cinema a partir de múltiplas abordagens, teóricas e/ou práticas, que versem sobre questões de estilo e som no audiovisual, como: análise estilística do som, propósito e funções do estilo no som, expressividade sonora via contexto cultural e histórico da obra fílmica, resultados históricos da utilização e replicação de estilos sonoros, bem como pesquisas temáticas sobre estilo sonoro, propondo diálogos em interface com outras áreas.

Introdução

    A Estilística ocupa lugar privilegiado nas Letras e nas Belas Artes há tempos, mas nas últimas duas décadas tem ganho espaço nos estudos do audiovisual, graças aos esforços de teóricos como David Bordwell, Barry Salt e Adrian Martin. 
    Em parte, a amplificação do emprego deste conceito vem do caráter escorregadio do termo. Para Antoine Compagnon (2010, p. 166), por exemplo, o termo “estilo” pode significar a norma (modelo a ser imitado) ou um desvio da norma (variação formal que distingue um texto sofisticado de outro sem preocupações formais); pode significar ornamento (enfeite retórico) ou sintoma (grupo de características que permitem identificar o período histórico em que uma obra foi produzida). Dependendo do contexto em que for utilizado, “estilo” pode significar coisas distintas, até mesmo opostas. Essa ambivalência conceitual, no entanto, pode ser estruturadora, pois estimula a multiplicidade de abordagens possíveis para um mesmo tema.
    No cinema, os estudos de estilo têm estado vinculados tradicionalmente a pesquisas sobre ciclos de produção historicamente circunscritos, cineastas autorais e relações entre tecnologias e processos criativos. Na área dos estudos de som, a noção de estilo tem aparecido na obra de teóricos como Charles O’Brien e James Wierzbicki, com forte proeminência na análise da música para cinema. Esta abordagem, embora consistente, nos parece explorar apenas uma fração do rico potencial do conceito para estruturar pesquisas a partir de múltiplos referenciais teóricos e variadas abordagens metodológicas. 
    Acreditamos que a noção de estilo pode, por seu caráter transversal e multidisciplinar, aproximar pólos aparentemente distantes, ampliando seus pontos de contato. Tal aproximação pode ser observada nos trabalhos dos atuais proponentes do ST. Eduardo Santos Mendes pesquisa o estilo desenvolvido por sound designers. Geórgia Cynara pesquisa a dimensão estilística das músicas compostas para livrarias digitais e disponíveis para licenciamento musical em plataformas online, bem como suas implicações para as narrativas audiovisuais. Leonardo Vidigal desenvolve pesquisas sobre a interação entre imagem e som com ênfase na música popular. 
    Esta reproposição do seminário tem como objetivo central seguir estimulando pesquisas sobre estilo sonoro no audiovisual, acentuando sua dimensão diacrônica tanto em sua face histórica quanto em sua abrangência teórica, a partir de um referencial estável que incentive múltiplas abordagens conceituais e metodológicas. Para tanto, interessam-nos trabalhos com abordagens teóricas e/ou práticas, tais como análise estilística do som, propósito e funções do estilo no som cinematográfico, expressividade e estilo do som via contexto cultural e histórico da obra cinematográfica, resultados históricos da utilização e replicação de estilos sonoros, expressividade dos diferentes elementos sonoros, em interface com outras áreas de estudo.

Objetivo

    Visamos estimular pesquisas sobre som no audiovisual, com ênfase no estilo, a partir da busca por múltiplas abordagens conceituais e metodológicas. Buscamos consolidar as redes entre os pesquisadores e profissionais brasileiros de som, criando novas oportunidades de intercâmbio para além do Encontro Socine e marcando presença em eventos como a Jornada Interdisciplinar de Som e Música no Audiovisual (UFRJ), a Conferência Internacional de Pesquisa em Sonoridades (UFSC), o Encontro de Profissionais do Som no Cinema Brasileiro e a Semana da Associação Brasileira de Cinematografia (ABC). Pretendemos lançar novas publicações, conforme a disponibilidade de recursos, bem como convidar profissionais relevantes na área para o Seminário Temático, com o propósito de diluir as fronteiras entre o pensar e o fazer sonoro cinematográfico e partilhar diferentes processos criativos e procedimentos estilísticos na captação e manipulação de diferentes camadas da trilha sonora audiovisual.

Aspecto

    O que pode o som em uma obra audiovisual? Como diferentes escolas de trabalho e autores construíram estilos diversificados para o tratamento sonoro? Como os variados temas, técnicas e abordagens condicionaram a formação estilística? Várias questões mais específicas podem advir de tais indagações, partindo da inseparável relação entre imagem e som no audiovisual e da sua estratificação em camadas de voz, efeitos sonoros e música, sem esquecer o silêncio. Por exemplo, uma diferenciação clara entre a maioria dos filmes de ficção e os documentários passa pelo trabalho exaustivo com tais camadas na seara ficcional ou pelo privilégio dado ao som direto na seara documental. Hibridações, gradações e quebras da abordagem convencional nesses casos e também entre outras modalidades de obras audiovisuais se encaminham necessariamente pela constituição e organização de sonoridades.
    Em termos metodológicos, sentidos explícitos e implícitos, planejados e executados de forma intencional pelos profissionais envolvidos com o som, são estudados em sua dimensão prática e teórica, ao serem abordados problemas e soluções relacionados ao sound design, produção musical, apropriação tecnológica, montagem e mixagem sonora, com ênfase na metodologia de trabalho, nos processos criativos, entre outras questões. Estes também são abordados ao se analisar as diversas dimensões do som no audiovisual a posteriori na análise fílmica, com a adição dos sentidos sintomáticos e não-intencionais, buscados, no nível micro, nas relações verticais de simultaneidade entre som e imagem, além das relações horizontais entre as diversas peças musicais e outros elementos sonoros em uma mesma obra. No nível macro, há também análises comparativas entre obras audiovisuais, estudos do contexto de produção, investigações mais amplas sobre gêneros cinematográficos ou uma audição mais abrangente pela obra de determinados autores e autoras. Não podemos esquecer também das dimensões físicas do som, como determinadas configurações de amplificação fazem vibrar o ambiente e as mentes, produzem sensações e induzem estados emocionais. Tudo isso reverbera à medida em que cada pessoa articula as memórias auditivas individuais e coletivas, dependendo das circunstâncias socioculturais de recepção e das mudanças na interpretação das obras ao longo dos anos, também por causa de novas pesquisas, abrindo espaço para estudos de espectatorialidade. Todas essas abordagens também podem ser e frequentemente são combinadas nas pesquisas e trabalhos apresentados neste Seminário. 
    Em 2018, o Seminário Temático abrigou discussões estilísticas a partir de análises musicais de produtos audiovisuais, versando sobre inserções de voz over e colagens musicais, processos criativos e marcas de autoria de compositores no cinema brasileiro, além da contribuição de músicas pré-existentes às narrativas fílmicas. Também houve apresentações acerca do som na história do cinema; o trânsito e a fluidez narrativos da canção brasileira em diferentes momentos do cinema nacional; e aspectos estilísticos do acompanhamento musical de filmes não ficcionais no início do século XX. A cultura pop e a tecnologia também foram discutidas sob o prisma do estilo, em trabalhos sobre a criação musical para audiovisual a partir de novas ferramentas digitais; a construção das emoções a partir de códigos musicais de diferentes culturas e épocas. O uso do silêncio como elemento dramático de estilo em filmes específicos e/ou cinematografias, ou em situações de composição de outros códigos (língua de sinais) na construção de personagens, bem como diferentes formas de presença da voz que narra, da voz enquanto gesto sonoro, que encontraram no Seminário um lugar de fértil reflexão. O pensamento sobre estilo, naquele ano, também reverberou os experimentos relacionados aos modos de produzir os diferentes componentes sonoros, como foley, montagem sonora em tempo real (live cinema), e construção reflexiva da unidade imagem-som em produções próprias dos pesquisadores presentes ao Seminário.
    Em 2019, houve uma nítida tendência em abordar áreas ainda pouco contempladas, como as experimentações sonoras na arte audiovisual no Brasil; os estilos sonoros em curtas-metragens e séries televisivas; sons que evocam o passado e filmes sobre sound systems, buscando compreender a construção de padrões na relação entre processos e resultados. Também foram abordadas questões como articulações do som em filmes musicais e como estas sugerem um estado onírico na diegese; a voz como elemento de estranhamento, além do estudo de filmes específicos e sua participação na constituição do estilo sonoro de diretores como Adirley Queirós, Lucrecia Martel, Andrei Tarkovski, Pedro Costa, Tomás Gutierrez Alea, Kléber Mendonça Filho, Guto Parente, João Dumans e Affonso Uchôa.

Bibliografia

    ALTMAN, Rick. Sound Theory, Sound Practice. Londres: Routledge, 1992
    BROWN, Royal. Overtones and undertones: reading film music. Berkeley: University of California Press, 1994.
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    CARREIRO, Rodrigo; ALVIM, Luíza. “Uma questão de método: notas sobre a análise de som e música no cinema”. Matrizes (USP), v. 10, n. 2, São Paulo, p. 175-193, 2016.
    CARREIRO, Rodrigo, OPOLSKI, Débora, SOUZA, João (orgs.). O som do filme: uma introdução. Curitiba/Recife: Editora UFPR/Editora UFPE, 2018.
    CHION, Michel. A audiovisão: som e imagem no cinema. Lisboa: Texto & Grafia, 2011.
    COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010.
    COSTA, Fernando Morais da. O som no cinema brasileiro. Rio de Janeiro: 7letras, 2008.
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    O’BRIEN, Charles. Cinema’s Conversion To Sound: Technology And Film Style In France And The US. Bloomington: Indiana University Press, 2005.
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    OPOLSKI, Débora, BELTRÃO, Filipe Barros e CARREIRO, Rodrigo (orgs.). Estilo e Som no Audiovisual. São Paulo: Socine, 2019.
    WIERZBICKI, James. Music, Sound and Filmmakers: Sonic Style in Cinema. London: Routledge, 2012.

Coordenadores

    Eduardo Simões dos Santos Mendes
    GEÓRGIA CYNARA COELHO DE SOUZA
    Leonardo Alvares Vidigal