Cinema e educação
Resumo
- Entre os aspectos mais instigantes do cinema contemporâneo está o fato de diferentes grupos sociais até então mantidos de fora do campo instituído do cinema se engajarem na realização audiovisual e tomarem contato com filmografias até então indisponíveis para eles. Este seminário emerge do crescimento deste campo, que envolve saberes e práticas.
Entendemos aqui o cinema em sentido amplo, isto é, aquele cinema que não está restrito à sala escura, a sessão paga e que altera os modos habituais de ser espectador. A educação, que também pensamos em um sentido amplo, para além dos muros das escolas, se apresenta para nós como uma experiência fundamentalmente de igualdade entre os sujeitos, suas inteligências e potencias de aprendizagem.
Pretendemos que este seminário possa reunir trabalhos que nos permitam pensar de que maneiras esse pós-cinema atravessa processos subjetivos, convocando sempre um gesto ético e político a cada exibição de filmes ou produção de imagens.
Resumo expandido
- A relação entre cinema e educação comporta desafios pela afirmação de uma igualdade radical dos membros da sociedade diante as possibilidades intelectuais e sensíveis de aprender no mundo e alterá-lo ao produzir imagens, pela constante transformação dos dispositivos e pela mudança desse lugar do espectador ativo, do aprendente-ensinante. Se o cinematógrafo inaugura um novo espectador, hoje a tecnologia permite que ele vire produtor audiovisual mesmo antes de passar por qualquer experiência de aprendizagem mediada. Hoje grupos de estudantes de educação básica, indígenas, trabalhadores do campo, comunidades quilombolas, usuários de espaços da educação não-formal, de instituições ligadas à saúde pública e de centros culturais são protagonistas dessa revolução. Este seminário emerge do crescimento deste campo de saberes e práticas que se traduz na participação cada vez maior de trabalhos sobre esta temática na SOCINE.
Historicamente, encontramos no Brasil três publicações sobre cinema e educação já em 1930, um longo período de forte investimento da política nacional durante os anos do INCE, Instituto Nacional de Cinema e Educação, que mais recentemente se refletem em diversos projetos de ensino, pesquisa e extensão de universidades em quase todos os estados do pais. Atualmente, a lei 13006/14, obriga às escolas de educação básica a projetar no mínimo duas horas de cinema brasileiro por mês tornando ainda mais necessária a sistematização de diálogos e problematizações sobre esta entrada do cinema na escola. Um cinema que, em muitos casos, já a habitava. Urge, assim, pensar crítica e criativamente modos de relação, conteúdos e especialmente metodologias.
Entendemos aqui o cinema como cinema expandido fundamentalmente no que diz respeito às possibilidades dele permitir a esse espectador a autoria de ver e inventar o que vê. Esse dispositivo cinema entra na escola alterando suas rotinas de espaço-tempo, a perturba e desestabiliza. Quebra, como uma exceção, um lugar historicamente concedido à formação das regras.
Hoje, com o maior acesso a dispositivos móveis de comunicação e funções audiovisuais, todos somos potenciais produtores de imagens. Movimentos e manifestações da comunidade nas ruas, festas, viagens são registrados permanentemente e compartilhados nas redes sociais. Nos perguntamos se é preciso aprender algo sobre o que já se sabe amadoramente. Que processos de ensino-aprendizagem é preciso pensar e promover para quem já filma e que novos problemas isto traz para a educação.
A educação, que também é compreendida no sentido amplo, parte do princípio da igualdade, pela que todos os sujeitos podem aprender como aprendem sua língua materna e comunicar seus aprendizados traduzindo suas experiências como aventuras intelectuais e sensíveis no mundo (Rancière, 2015). O professor participa ativamente desse processo, ignorando a distância entre seu conhecimento e o conhecimento de quem aprende. Precisa orientar a atenção do aprendiz e fazer boas escolhas de “terceiras coisas” (livros, filmes, experiências) que permitam a quem aprende fazê-lo de um modo próprio, autônomo. Quando a educação aposta numa pedagogia emancipadora, não apenas está fugindo de uma pedagogia embrutecedora, mas se coloca um desafio criativo que atravessa princípios e metodologias permanentemente.
As pesquisas no campo do cinema e educação tem aberto caminhos para novos olhares do cinema em si e da escola. Há uma visada cinematográfica no campo da educação que reafirma o cinema como forma de pensamento. Que desdobramentos traz isso para cada área e para a relação entre elas?
Apostamos que este seminário constitui mais uma forma de relação entre cinema e educação e nos coloca o desafio de refletir sobre gestos de descoberta e invenção de mundo que incluem processos de subjetivação atravessados por agenciamentos coletivos de afeto.
Bibliografia
- BERGALA, Alain. A hipótese-cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. Trad. Mônica Costa Netto e Silvia Pimenta. Rio de Janeiro: Booklink, CINEAD/UFRJ, 2008.
FRESQUET, Adriana. Cinema e educação: reflexões e experiências com professores e estudantes de educação básica, dentro e “fora” da escola. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2013.
_________. Cinema e educação: a lei 13.006 – reflexões, perspectivas e propostas. Belo Horizonte: Universo Produção, 2015.
MIGLIORIN, Cezar. Inevitavelmente cinema: educação, política e mafuá. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2015.
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante – cinco lições sobre a emancipação intelectual. Trad. Lilian do Valle. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2015.
_________. O espectador emancipado. Trad. José Miranda Justo. Lisboa: Orfeu Negro, 2010.
Coordenadores
- Adriana Mabel Fresquet
Clarisse Maria Castro de Alvarenga
César Donizetti Pereira Leite