Seminários Temáticos para o biênio 2015-2017

Corpo, gesto, performance e mise en scène

Resumo

    Este seminário se propõe a pensar as relações e a presença do corpo humano nas imagens audiovisuais. Nosso objetivo é problematizar não apenas questões de representação e forma, mas igualmente aspectos relacionados à faculdade do aparato cinematográfico e audiovisual em mobilizar reações corporais e engajamentos afetivos e sensoriais. Pretendemos também pensar a contextualização do corpo do ator dentro da historiografia da atuação para o cinema e as relações entre atuação e gêneros cinematográficos, corpo e dispositivo, movimentação corpórea e ritmo fílmico. Nesse sentido, um campo de reflexões se abre a partir de conceitos como: cinema de atrações (e seus desdobramentos teóricos), afeto, corpo fílmico, fisiognomonia, atuação, a relação entre corpo e mise en scène, ator e personagem, ator e mídia, arqueologia do gesto, apelo coreográfico etc. As abordagens pertinentes ao escopo proposto tanto podem privilegiar um recorte histórico quanto apontar para uma reflexão sobre o contemporâneo.

Resumo expandido

    No texto que integra a coletânea Cinema of Attractions Reloaded, Laurent Guido lembra que “o cinema emerge em um contexto marcado pela vasta expansão do interesse pelo movimento dos corpos, no entrecruzamento de preocupações estéticas e científicas”. Nesse sentido, é fundamental pensarmos o movimento dos corpos como relacionado às preocupações da modernidade – e que se acirram e adensam no contexto do contemporâneo –, fazendo com que a visibilidade desses corpos e seus movimentos, trazidos ao olhar público pelo aparato técnico, constituam o centro dos desejos escopofílicos do espectador. A consolidação da vida moderna aponta para uma profusão de narrativas que se estruturam com base no excesso como vetor de apelos e estímulos ao universo sensório-sentimental e que encontram na predominância da visualidade um dos pilares de seu “convite às sensações”. Deste modo, o conceito de atrações tem se destacado como chave para refletir sobre as estratégias de mobilização da atenção do espectador através de um jogo que se processa entre corpos: o corpo na tela, o corpo que opera a câmera e o corpo do espectador. Se este jogo, que se ancora na importância da visibilidade e da visualidade, foi fundamental na modernidade, ele é ainda potencializado no contexto pós-disciplinar contemporâneo, atravessado pelas lógicas da sociedade do espetáculo.
    Buscaremos entender como funciona esse corpo humano que surge, com o advento do cinema, como um novo meio (mídia) artístico a ser representado através de um duplo regime: material, carnal, erotizado (graças ao caráter fundamentalmente indicial do aparato cinematográfico) e, ao mesmo tempo, abstrato, etéreo, idealizado (por sua natureza técnica de imagem projetada a partir de uma película sensibilizada pela luz). Como diria Oskar Schlemmer, ainda nos anos 1920, “o ser humano é tanto um organismo de carne e sangue quanto um mecanismo composto de números e medidas. É um ser do sensível e da razão, e de muitas outras dualidades, que concilia em permanência esses dois polos contrários em si mesmo, bem melhor do que nas obras de arte abstratas que lhe são exteriores”. Ainda que o cinema sonoro tenha, em certa medida, domado a frenética movimentação dos corpos inquietos do período silencioso – privilegiando as palavras em lugar dos gestos –, continuamos identificando, aqui e ali, manifestações de um corpo rebelde e múltiplo, capaz de assumir as mais diferentes formas, tamanhos, desejos, ritmos e impulsos. O que só se multiplicou e intensificou com o advento do digital e a proliferação das diversas plataformas de distribuição e exibição.
    Este seminário pretende, nesse sentido, também colocar o corpo do ator de cinema e televisão no centro da sua problemática, como lugar de expressão de uma criação artística legítima. Autores como James Naremore, Luc Moullet, Alain Bergala e Christophe Damour ilustram-se nos estudos “atorais” e focam o centro das análises nas relações entre corpo e mise en scène, ator e personagem, ator e mídia e ator e espectador. Para além do ator como fenômeno social e do valor mercadológico e simbólico dos astros (Morin), reivindicamos entender o trabalho do ator de maneira estética, dentro de parâmetros de análise de outros elementos de mise en scène, como defende Nicole Brenez, para quem “o ator compõe a forma cinematográfica na mesma dimensão que o enquadramento e a luz. E assim como o enquadramento não pode se reduzir às bordas de um retângulo e nem tampouco a luz à iluminação das coisas, o ator não é redutível a um mero significante do qual o personagem seria o significado”. Inscrever a discussão do ator na historiografia do cinema também será necessário para se questionar se existe uma concepção clássica (norte-americana ou hollywoodiana) de ator e outra moderna (europeia ou autoral). Antes de ambos, o cinema silencioso será investigado como o balbuciamento da reflexão em torno do ator e os primeiros momentos da transposição da linguagem do teatro para o cinema.

Bibliografia

    AUMONT, J. (dir.). L’Invention de la figure humaine. Paris: Cinémathèque Française, 1995.
    BERGALA A. Monika de Ingmar Bergman. Paris: Yellow Now, 2005.
    BRENEZ, N. De la figure en général et du corps en particulier. L’invention figurative au cinéma. Paris/ Bruxelas: De Boeck Université, 1998.
    DEL RÍO, E. Deleuze and the cinemas of performance. Powers of affection. Edimburgo: Edinburg University Press, 2012.
    ELDER, R. B. A Body of Vision: Representatios of the Body in Recent Film and Poetry. Waterloo: Wilfrid Laurier University Press, 1997.
    MOULLET L. Politique des acteurs. Paris: Editions de l’Etoile/Cahiers du Cinéma, 1993.
    NAREMORE, J. Acting in the cinema. Berkeley/Los Angeles/Londres: University of California Press, 1988.
    STRAUVEN, W. (org). Cinema of attractions reloaded. Amsterdã: Amsterdam University Press, 2006.
    WILLIAMS, L. Hard Core. Power, pleasure and the frenzy of the visible. Berkeley: University of California Press, 1999.

Coordenadores

    Cristian Borges
    Pedro Maciel Guimaraes Junior
    Mariana Baltar