Ficha do Proponente
Proponente
- Luís Fernando Lira Barros Correia de Moura (UFMG)
Minicurrículo
- Formado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco, é mestre e doutorando em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais, na linha Pragmáticas da Imagem, sob orientação de André Brasil. É curador de mostras e festivais de cinema e coordenador de programação da Janela Internacional de Cinema do Recife.
Ficha do Trabalho
Título
- O “animal” no cinema e as figuras da distância: uma metodologia
Resumo
- Diante de filmes que figuram bichos, tenho me dedicado a descrever formas de articulação da distância entre animais humanos e não humanos, à medida que se cruzam problemas da política da estética e da cosmopolítica em ambiente especulativo próprio à fabulação cinematográfica. Neste sentido, venho discutir proposta metodológica para pesquisa de doutorado, cujo objetivo primeiro é, com atenção à diversidade dos artefatos, ensaiar uma genealogia do que chamo “figuras da distância”.
Resumo expandido
- Com as crises históricas que vêm por em questão as práticas produtivas do Antropoceno, parte da filosofia contemporânea busca reinserir uma retórica acerca do animal não humano como elemento reorientador das epistemologias. Derivações da ética, neste sentido, vêm reorganizar as noções que dão lastro a estatutos de direitos e de proteção aos corpos. A antropologia e a etologia, oferecer novos parâmetros para designar especificidades e diferenças entre os seres, buscando matrizes narrativas alternativas para a produção de conhecimento. A política, atentando aos que não têm voz deliberativa, reivindicar outras configurações de parlamento, por se estabelecer. A biologia e a zoologia, perguntar-se de teleologias outras para a existência dos corpos. O mistério de um “completamente outro”, “animal” – abissal e secreto, como diz Derrida –, será tido como interrogação e ponto de virada para o pensamento.
Tais questões ressurgem, no espectro da atuação artística, como problemas de envergadura estética. Produzir fábulas com os bichos poderia complicar dilemas que atravessam nossa vida social, inflando o espaço sensível onde de as trocas simbólicas se atualizarão em narrativas coletivas. “Que são as bordas de um limite que cresce e se multiplica em se nutrindo do insondável?”, pergunta Derrida. Qual a morfologia e a dinâmica sensível deste ambiente por vir, inventado em ato, no qual um pensamento histórico alternativo se deixa contaminar por forças intraduzíveis – não humanas – para constituir seu horizonte paradigmático? Trata-se de um espaço de “limitrofia” da história, a ser colaborado por um “pensamento quimérico ou fabuloso”. Por um lado, com referência a Gabriel Giorgi, podemos dizer que o “animal”, uma vez figurado nos objetos artísticos, terá a substância de um artefato – mestiço de bicho e de uma existência por ser à maneira própria da imaginação artística, que redistribui as implicações de sua presença, as formas da diferença entre humanidade e não humanidade e os modos de ser das identidades e dessemelhanças nas escritas da história. Por outro lado, perguntamos: não seria o cinema, sob seus modos expressivos, atuante nesta fabulação limítrofe? Se atentarmos às imagerias que o cinema fez circular no último século, poderíamos desbravar nas imagens a oferta de um pensamento próprio aos limiares que os filmes, cada um deles à sua maneira, abrem à experiência, e os quais ocuparemos com as ficções da batalha histórica: espaços de especulação retórica a ganhar forma mediante atividade múltipla da fabulação cinematográfica, que vem regular “a polivalência das imagens e dos signos, as diferenças de potencial entre os valores de expressão”, como diz Rancière.
Compartilho aqui proposta metodológica para pesquisa inicial de doutorado, na qual me dedicarei a um corpus a se delimitar de filmes que, de variadas épocas e filiações estilísticas, poriam em questão as regulações da distância entre animais humanos e não humanos. Articulando-as, os filmes figurariam os dilemas de uma ética (como lidar justamente com um corpo de bicho no ambiente da representação?), de uma epistemologia (o que se pode saber e dizer diante de um corpo de bicho filmado?), de uma poética (qual a forma de um pensamento que se produz diante de um corpo de bicho filmado?) ou de uma política (que poderes são instituídos ou restituídos no mundo comum quando se filma este corpo?). Tenho em vista o que chamo “figuras da distância”, entendendo que os filmes poriam em jogo, de maneira própria a seus jogos com o sensível, as relações simbólicas entre animais humanos e não humanos, e propondo então uma genealogia com base no manuseio das seguintes categorias, ainda preliminares, em que: 1) o “animal” é simples figurante; 2) o “animal” passa por um devir humano; 3) as imagens passam por um devir animal; 4) o “animal” positiva o humano; 5) o “animal” é corpo poético; 6) o “animal” nega o humano; 7) o “animal” complica dissensos; 8) o “animal” participa de vislumbres do comum.
Bibliografia
- BRENEZ, Nicole. De la figure en général et du corps en particulier: l’invention figurative au cinéma. Paris, Bruxelas: De Boeck & Larcier, 1998.
DERRIDA, Jacques. O animal que logo sou. São Paulo: UNESP, 2002.
DESPRET, Vinciane. “Que diraient les animaux si…” In: CADRE DES GRANDES CONFÉRENCES LIÉGEOISES. 17 jan. 2013.
GIORGI, Gabriel. Formas comuns: animalidade, literatura, biopolítica. São Paulo: Rocco, 20156.
LESTEL, Dominique. A animalidade, o humano e as “comunidades híbridas”. In: MACIEL, Maria Esther (Org.). Pensar/escrever o animal: ensaios de zoopoética e biopolítica. Florianópolis: UFSC, 2011.
PRÉVOST, Bertrand. “As aparências não-endereçadas: usos de Portmann”. In: DEVIRES: Cinema e Humanidades, Belo Horizonte, v. 11, n. 2, jul./dez. 2014.
RANCIÈRE, Jacques. A fábula cinematográfica. Lisboa: Orfeu Negro, 2014.
STENGERS, Isabelle. The cosmopolitical proposal. In: LATOUR, Bruno; WEIBEL, Peter. Making things public: atmospheres of democracy. Cambridge: MIT Press, 2005.