Ficha do Proponente
Proponente
- Rubens Luis Ribeiro Machado Júnior (ECA-USP)
Minicurrículo
- Professor de História, Análise e Crítica na ECA-USP. Participou da edição das revistas Cine-Olho, L’Armateur, Infos Brésil, praga, Sinopse e Rebeca. Curadoria dos projetos Marginália 70: o experimentalismo no Super-8 brasileiro, Itaú Cultural, e Experimental Media in Latin America, Los Angeles Filmforum/Getty Foundation. Lidera o grupo de pesquisa no CNPq História da experimentação no cinema e na crítica. Co-organiza em 2015 o livro “Walter Benjamin: Experiência histórica e imagens dialéticas”.
Ficha do Trabalho
Título
- Siegfried Kracauer crítico, ensaísta, teórico e historiador.
Resumo
- Em seu conhecido ensaio “De Caligari a Hitler: uma história psicológica do cinema alemão” (1952) o exilado Kracauer propunha análises comparadas duma filmografia que já houvera resenhado no entre-guerras como cronista e crítico em jornais de seu país. Seu esforço ensaístico-interpretativo o inspira porém, em seus 2 livros seguintes, a estudos teóricos que parecerão se distanciar do credo ensaístico anterior — “Theory of Film” e “History”, este sobre filosofia da história, publicado postumamente.
Resumo expandido
- Miguel Vedda em seu alentado prefácio à tradução argentina do derradeiro livro de Siegfried Kracauer, “Historia: Las últimas cosas antes de las últimas”, aproxima a reflexão do sociólogo alemão da teoria da história de seu conterrâneo Walter Benjamin. Vedda percebe neste livro inacabado de Kracauer não apenas uma retomada das Teses benjaminianas como um certo afastamento da teoria crítica e da prática ensaística defendida pelo seu amigo Theodor Adorno. É preciso porém observar que ao tomar distâncias do viés crítico do ensaísmo Kracauer estaria também repensando seu próprio viés ensaístico como cronista e crítico no periodismo alemão do entre-guerras, bem como seu pendor crítico teórico anterior de “Theory of Film”, obra preparatória e transitória, entre “De Caligari a Hitler” e o seu último livro.
Entre diferenças e semelhanças a história das formas cinematográficas costuma oferecer aos historiadores, críticos ou cinéfilos um repertório sedutor para a comparação e a reflexão. Um filme pode sempre nos remeter a outro, que por sua vez nos faz lembrar um terceiro e assim por diante. Se os cinéfilos costumam entregar-se ao livre exercício de comparar, naquele afã agradável do simples colecionador de lembranças fílmicas, já entre críticos e historiadores não aconteceria exatamente o mesmo, dadas as exigências de método e ofício. Livres associações nem sempre são tão livres assim, nem chamam de fato às comparações. A atividade cinéfila, mesmo a mais despreocupada e brincalhona, entretanto, pode vir a ser um excelente campo de provas sobre o qual se construiria melhor a reflexão crítica dotada de perspectiva histórica. A designação da “história das formas cinematográficas”, em vez de simplesmente falar da “história do cinema” (ou em vez da variante “história das estéticas cinematográficas”), nos sugere que as formas possuem, no caso, uma força própria que pode autonomizá-las um tanto, diante do que viria a ser uma história dos conteúdos cinematográficos. O trabalho de Siegfried Kracauer trazia o interesse deste convívio mais complexo e problemático entre conteúdos e formas (LEUTRAT, 1995). Ele supunha para uma boa formação do crítico de cinema não só o tradicional estudo artístico, dos estilos cinematográficos, como também o das ciências humanas sob a pena de não se ter muito o que discutir de relevante, daquilo que mais nos interessou numa imensa maioria dos filmes, repetidora da forma estandardizada. Inversamente, os que só conhecem o lado social, também não saberiam muito como discutir um filme (KRACAUER, 1996). Noutras palavras, um filme não remete apenas a questões de cinema ou a outros filmes — mas, com efeito, ao que ele trata, à vida social, à história, arte, política, estados de espírito, subjetividade, percepção etc.
Ou seja, pouco se explicará da evolução das formas sem compreensão dos conteúdos com que elas lidam; e vice versa. Ao cotejar Brasil e Alemanha no campo cinematográfico tais problemas acabam logo se exprimindo, pelo que surge nos filmes e na sua discussão, seja ao se falar do expressionismo, algum realismo ou de diferentes aspectos da vida social. Emergem relações livres e desencontradas entre formas e estilos, história e sociedade. Os caminhos são em geral tortuosos.
Bibliografia
- Adorno, T.W. “Uno strano realista”, Note per la letteratura 1961-1968. Turim: Einaudi, 1979.
Candido, A. O estudo analítico do poema. São Paulo: Humanitas, 2004.
Despoix, P.; Perivolaropoulou, N. (orgs.) Culture de masse et modernité: Siegfried Kracauer sociologue, critique, écrivain. Paris: Maison des sciences de l’homme, 2001.
Hansen, M.B. Cinema and experience: Siegfried Kracauer, Walter Benjamin, and Theodor W. Adorno. Berkeley: University of California Press, 2012.
Kracauer, S. La Voyage et la Danse. Figures de ville et vues de films. Saint-Denis: PUV, 1996.
Kracauer, S. De Caligari a Hitler. Rio: Jorge Zahar, 1988.
Kracauer, S. Historia. Buenos Aires: Las Cuarenta, 2010.
Leutrat, J.-L. “Uma relação de diversos andares: Cinema & História”, Imagens n°5, 1995.
Traverso, E. Siegfried Kracauer: Itinéraire d’un intellectuel nomade. Paris: La Découverte, 1994.
Vedda, M.; Machado, C.E.J. (orgs.) Siegfried Kracauer: um pensador más allá de las fronteras. Buenos Aires: Gorla, 2010.