Ficha do Proponente
Proponente
- João Victor de Sousa Cavalcante (UFCA)
Minicurrículo
- Cientista social e jornalista. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Cariri (UFCA). Pesquisador vinculado ao Imago: laboratório de estudos de estética e imagem, vinculado ao PPGCOM/UFC.
Ficha do Trabalho
Título
- As abominações do visível: monstro, excesso e erotismo em La Bête
Resumo
- O trabalho se dedica a analisar a dimensão limítrofe da monstruosidade no cinema, tendo como objeto de análise o longa-metragem La Bête (1975), do cineasta polonês Walerian Borowczyk. A proposta é discutir o duplo vínculo entre imagem e monstro, a partir de elementos da ordem do erotismo e da bestialidade, temas centrais no filme, que surgem como potências de desarticulação de antinomias culturais rígidas e que problematizam as fronteiras entre natureza e cultura (animal e humano).
Resumo expandido
- O trabalho elabora questionamentos sobre a dimensão limítrofe da monstruosidade no cinema, tendo como escopo de análise o longa-metragem La Bête (1975), do cineasta polonês Walerian Borowczyk. Interessa-nos discutir o duplo vínculo entre imagem e monstro, a partir da análise do erotismo e da bestialidade, temas centrais no filme, que surgem como elementos de desarticulação de antinomias culturais rígidas e que problematizam as fronteiras entre natureza e cultura (animal e humano) ao movimentar a narrativa para uma dimensão onírica e limítrofe, habitat natural da transgressão monstruosa.
A trama do filme transcorre em um decadente castelo na zona rural da França, residência de uma família aristocrata, cujo primogênito Mathurin (homem de hábitos antissociais, cuja preferência pelo convívio com animais e o fato de não ser batizado o destoa da vida em comunidade) deverá se casar com Lucy, jovem inglesa, herdeira de grande fortuna e de aguçada curiosidade sexual. Há uma acentuada natureza híbrida e animalesca observada em Mathurin, denotada pelos seus hábitos e por sua corporeidade anômala. A narrativa conduz o espectador por constantes embates entre o natural e o cultural, seja pela antagônica relação entre a decrépita mansão dos aristocratas em detrimento da frondosa vegetação que o rodeia, seja pela inusitada atração erótica de Lucy ao presenciar uma relação sexual entre cavalos. Ao trazer personagens híbridos, que transitam na fronteira entre o bestial e o humano, seja por contágio (corpos monstruosos), seja por associação (desejo erótico bestial), o longa nos situa em uma zona de devir animal (DELEUZE&GUATARI, 1997), marcada pela irrupção do monstro como um signo de transgressão e excesso (BATAILLE, 2013; 2014)
O monstro, pensado aqui como um regime de imagem, rejeita classificações metafóricas, sobretudo por conta de sua relação com o desejo. Antes de pensarmos uma semiótica do corpo monstruoso (apesar de estarmos atentos para suas formas de significação), nossa pesquisa busca discutir uma erótica do corpo monstruoso, que encontra eco com a exploração da bestialidade apresentadas em La Bête. Compreendemos, dessa forma, a aparição do monstro na narrativa como um modo de trazer para o campo fílmico elementos tradicionalmente relegados à sombra, como uma dobra visual (o monstro como um regime de imagem) e temporal (como uma mise en abyme criada pelos recursos oníricos do longa).
Monstros surgem a partir de tabus e angústias coletivas e em relação a pretensas noções de pureza, segundo as quais as espécies não devem se confundir (DOUGLAS, 2012). Em sua forma e existência, a monstruosidade viola as leis da sociedade e da natureza, uma vez que não há parâmetro legal nem esquema médico que sejam capazes de punir ou curar a monstruosidade, e que rompe com um determinado esquema mimético e especular ligado à identidade (uma etimologia possível, teratos, define monstro como aquele que não se parecem com a figura do pai, ou seja, a figura genérica, da ordem). Michel Foucault (2013) define o monstro a partir da ideia de infração de ordem jurídico-biológica levada ao seu ponto máximo. Esta desordem, como argumenta Bataille (2014), no entanto, é necessária e prevista dentro da dinâmica interna dos sistemas culturais.
Nesse sentido, nos debruçamos sobre o filme de Borowczyk no intuito de pensar, a partir de uma ambiência monstruosa da imagem fílmica, a partir da aparição de elementos bestiais (monstro como fenômeno), no intuito de elaborar questionamentos sobre as desarticulações de fronteiras na imagem monstruosa, o que problematiza não apenas das delicadas tensões entre natureza e cultura, mas também entre o visível e o invisível na imagem fílmica. O trabalho tem como escopo conceitual, além dos autores citados acima, o pensamento do filósofo espanhol Eugenio Trías, cuja discussão sobre o limite nos é fundamental. Além de autores que se dedicam a pensar o tema da monstruosidade como José Gil, Jeffrey Cohen e Noël Carrol.
Bibliografia
- BATAILLE, Georges. O Erotismo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
_________________. A parte maldita. Belo Horizonte: Autêntica, 2014
_________________. A experiência interior. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.
CARROL, Noël. A filosofia do horror ou Paradoxos do Coração. Campinas: Papirus, 1999.
COHEN, Jeffrey Jerome. Monster Culture (Seven Theses). In: COHEN, Jeffrey Jerome (org). Monster Theory. University of Minnesota Press: Minneapolis, 1996.
COMOLLI, Jean-Louis. Ver e Poder. Belo Horizonte: UFMG, 2008;
DELEUZE, Gilles & GUATARI, Félix. Mil Platôs (Vol. 4). São Paulo: Editora 34, 1997.
DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo. São Paulo: Perspectiva, 2012.
FOUCAULT, Michel. Os Anormais. São Paulo: Martins Fontes 2013.
GIL, José. Monstros. Lisboa: Relógio d’Água Editora, 2006.
TRÍAS, Eugenio. Lo Bello e lo Siniestro. Barcelona: Editora Debolsillo, 2006.
_____________ . Los límites del mundo. Barcelona: Ed. Destino, 2000.