Ficha do Proponente
Proponente
- Alexandre Curtiss Alvarenga (UFES)
Minicurrículo
- Alexandre Curtiss Alvarenga – Graduado em Comunicação Social (UFMG), Mestre em Multimeios (UNICAMP) e Doutor em Comunicação e Cultura (UFRJ), professor do curso de Cinema e Audiovisual (UFES), leciona as disciplinas de Teorias do Documentário, Teorias da Imagem, e Metodologia de Pesquisa. Coordena o Grupo de Estudos Audiovisuais – GRAV – pesquisa e extensão cineclubista, desde 2004.
Ficha do Trabalho
Título
- Em favor do cinema soviético ordinário: uma curadoria na precariedade.
Resumo
- Ao partir da ideia de organizar uma ampla mostra e curso de extensão sobre o cinema soviético, que comentasse, através dos filmes, aspectos estéticos, políticos, ideológicos e sociológicos daquele cinema, nos deparamos com maiores problemas do que o previsto, considerando a curadoria desejada. Este trabalho mostra o estado da reflexão alcançada a respeito dos diversos obstáculos a serem superados para a realização da mostra.
Resumo expandido
- A ideia de promover uma mostra e um curso de extensão sobre cinema soviético, por motivo do centenário da revolução de 1917, revelou-se mais complicada do que o previsto. Em parte por causa do recorte desejado de partida. Em vez de focar nos poucos nomes amplamente já conhecidos – clássicos como Sergéi Eisenstein, Dziga Vertov e Alexander Dovzhenko, ou nos autores consagrados por festivais e críticos ocidentais, como Mikhail Kalatozov, Andréi Tarkovski, Nikita Mikhalkov, Alexander Sokúrov ou Serguei Paradjanov – a intenção era trazer o que fosse possível encontrar do cinema soviético e que tivesse como tônica não o excepcional, mas o “normal”, o ordinário e cotidiano. Uma mostra realizada em Lisboa, em 2016, por exemplo, exibiu filmes de Marlen Khutsiev, de Larissa Shepitko, de Boris Barnet, autores praticamente desconhecidos para os espectadores brasileiros, junto com outros talvez semiconhecidos, como Mikhail Romm, Elem Klímov, Andrei Konchalovsky e Serguei Bondartchuk.
O levantamento inicial de filmes, autores, críticas e referências bibliográficas que cobrissem de certo modo o contexto cultural e falassem das condições de produção, distribuição e exibição na União Soviética revelou a precariedade de estudos ou dados produzidos por pesquisadores brasileiros sobre o tema. A participação em seminários interdisciplinares, com trabalhos mesmo incipientes sobre aspectos da cultura soviética, confirmou a excentricidade do objeto para espectadores acadêmicos que, no entanto, aparentemente por formação histórica nossa, não hesitam em expor como conhecimento o que seria mais próximo de estereótipo.
Através do mesmo levantamento e da experiência em debates sobre o tema, foi possível traçar um esquema que, por inversão, servisse como guia da curadoria e fundamento para o curso almejado.
O presente trabalho consiste numa reflexão que busca entender a ordem, o sentido e as causas dos diversos obstáculos colocados para a realização de uma mostra abrangente sobre cinema soviético.
Os há de ordem factual, física, talvez decorrentes – em parte – por barreiras da diferença das línguas. Inglês é um idioma mundialmente conhecido, o russo, no Brasil, é exceção radical. A dificuldade em encontrar filmes traduzidos e legendados é considerável. Até algumas editoras investirem em traduções do russo – como a Editora 34 – mesmo a literatura russa para chegar ao português passava antes por alguma língua mais conhecida, comprometendo o resultado. Filmes simplesmente nunca vieram.
São visíveis também os obstáculos de ordem cultural, talvez derivado, inclusive, da baixa presença de material cultural eslavo, no geral, dentre nós. E o conhecimento da revolução soviética e da realidade soviética insere-se neste item. O acesso que se tem do que foi a União Soviética, na imensa maioria das vezes, depende do filtro interpretativo do olhar ocidental. O que leva a outra ordem de obstáculo, nem sempre verbalizada ou reconhecida conscientemente: a dos preconceitos ideológicos, do fechamento perceptivo, da intolerância expressa por uma espécie de arrogância de ordem estética e moral (mais do que ética).
Mostra e curso, por isso, não bastam se restritos à mera condição informadora, descritiva. Supomos que o acesso “desarmado” a uma proposta cultural, condição para uma recepção criteriosa e base para o jogo de interpretação aprofundado, com os apriorismos refreados, deve ser o sentido da curadoria neste caso, portanto fruto de seu trabalho. Tanto o cinema soviético “ordinário”, quanto o espectador brasileiro, merecem ser interpelados – cada qual por suas identidades –, e confrontados com suas perspectivas e valores auto assumidos.
Consiste o presente trabalho, então, na constituição da mostra e do curso, ao passo que realiza abertamente a reflexão sobre critérios, escolhas e endereçamento pragmático. Entende-se que desse modo a curadoria explicitará seu trabalho não apenas interlocutor, mas também dialógico e transformador.
Bibliografia
- BEUMERS, Birgit. A history of Russian cinema. Oxford: Berg, 2009.
Ciclo de cinema clássico soviético. Lisboa: Cinemateca Portuguesa/Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.
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Kinoruss, São Paulo, ano VI, nº 7, 2016.
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Revista USP, São Paulo, nº 10, junho/julho/agosto, 1991.
SCHNAIDERMAN, Boris. Os escombros e o mito: a cultura e o fim da União Soviética. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
SCHNITZER, Luda; SCHNITZER, Jean; MARTIN, Marcel (orgs.). Cine y revolución. Buenos Aires: Ediciones de la Flor, 1974.
SHKLOVSKI, Victor B. Eisenstein. La Habana: Editorial Arte y Literatura, 1985.