Ficha do Proponente
Proponente
- Renato Pannacci (Unicamp)
Minicurrículo
- Doutorando e mestre em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor na graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi (UAM). Em livro, é autor de “O cinema e a crítica de Jairo Ferreira” (Alameda/FAPESP, 2015) e organizador de “Luiz Rosemberg Filho: Encontros” (Azougue, 2015). Realizou curtas-metragens em Super 8 como “A propósito de Willer” (2016), entre outros.
Ficha do Trabalho
Título
- “O jardim das espumas”, de Luiz Rosemberg Filho
Resumo
- Durante a comunicação será empreendida uma análise fílmica de “O jardim das espumas” (1970), segundo longa-metragem realizado por Luiz Rosemberg Filho. Rodado no auge da repressão imposta pelo regime militar no Brasil, o filme é identificado com o período do Cinema Marginal – sobretudo devido à verve experimental inerente à sua forma e conteúdo –, mas possui também preocupações de de cunho social e político próprias ao Cinema Novo.
Resumo expandido
- “O jardim das espumas”, rodado em 1970, é segundo longa-metragem realizado pelo cineasta carioca Luiz Rosemberg Filho. O filme é geralmente associado ao período do Cinema Marginal, devido a sua verve de experimentação, embora “menos voltado para a ‘curtição’ e mais marcado por algumas preocupações sociais e políticas do Cinema Novo” (RAMOS, 1987, p. 105). Nesse sentido, podemos traçar aproximações do filme com obras do período como “Hitler 3º Mundo” (1968), de José Agrippino de Paula, e “Orgia, ou o homem que deu cria” (1970), de João Silvério Trevisan.
Filme de cunho alegórico e que alude à situação política vigente no país naquele momento de pós AI-5, sob forte cerceamento de opinião e censura imposta pelo regime militar, “O jardim das espumas” narra de maneira fragmentada a chegada de uma espécie de embaixador, um “emissário dos planetas desenvolvidos” à Terra, mais precisamente a um país fictício – e que alude ao Brasil –, uma nação tropical que vive sob um regime totalitarista comandado há séculos por um mesmo ditador. O emissário acaba sequestrado por jovens rebeldes, a “resistência”, e levado a um local selvagem, inóspito e distante da civilização, sendo obrigado a refletir sobre seus ideais e sua existência.
Com a intenção de discutir sobre o Brasil naquele momento político conturbado, Rosemberg encontrou na alegoria, através de uma incursão ao gênero da ficção científica, uma maneira viável de tratar sobre os temas que almejava. Nos referimos aqui às concepções de utilização da alegoria no cinema brasileiro propostas por Ismail Xavier em seu “Alegorias no subdesenvolvimento”, sobretudo a que diz respeito a “um discurso que põe em suspenso o movimento totalizador e radicaliza a natureza enigmática do próprio universo a que a alegoria se refere” (XAVIER, 2012, p. 32).
A utilização de imagens de arquivo, que vão desde filmes hollywoodianos até documentários de guerra, passando por imagens de publicidade e do Terceiro Reich, já prenunciam a utilização da colagem no trabalho de Rosemberg, característica relevante nos filmes futuros do autor. Podemos conjecturar, aqui, a predominância de convenções próprias ao conceito de Antropofagia Cultural, tal como proposto por Oswald de Andrade, tanto na recorrência de colagens, na ressignificação de imagens de terceiros, quanto na própria subversão das convenções de um gênero cinematográfico clássico, a ficção científica.
Rompendo com uma estrutura narrativa convencional, podemos aferir que O jardim das espumas se alinha à vertente de um cinema anti-espetáculo. Exemplo disso é a ruptura documental na narrativa ficcional/diegética do filme, que ocorre ainda no início e dura longos nove minutos. Rosemberg, Walter Goulart (técnico de som direto), um ator e uma atriz aparecem, numa conversa sobre o cinema brasileiro, sobre a alienação do espectador de cinema no Brasil, a dominação mercadológica do cinema norte-americano, etc. Procedimento semelhante foi utilizado pelo Grupo Dziga Vertov (JL Godard e JP Gorin) em “Um filme como os outros”, de 1968), longa que reflete acerca dos acontecimentos de Maio de 68 na França.
Há ainda a forte influência de teorias advindas do teatro, atributo comum à toda a filmografia de Rosemberg, e absorvidas pelo realizador sobretudo via às pesquisas empreendidas pelo Teatro Oficina durante a década de 1960. Podemos aferir que o conceito de um “teatro pobre”, de Jerzy Grotowski, que naquele momento orientava fortemente o trabalho do Oficina, foi fundamental para o pensamento estético que pautou a mise-en-scène de “O jardim das espumas”. Bem como as teorias de Bertold Brecht acerca do teatro épico, sobretudo a questão do “efeito de estranhamento”, questão cara aos chamados cinemas novos.
Após sua conclusão, o filme acabou interditado pela censura federal, sendo liberado para exibição apenas em 1973. Considerado perdido por décadas, em 2014 se descobriu uma cópia em 16mm do filme no acervo do Collectif Jeune Cinéma, em Paris.
Bibliografia
- ANDRADE, Oswald de. A utopia antropofágica. São Paulo: Globo, 2011.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994.
COELHO, Renato (org.). Mostra Jairo Ferreira: Cinema de Invenção. São Paulo: CCBB, 2012.
_______; BETTIM, Priscyla. Luiz Rosemberg Filho – Encontros. Rio de Janeiro: Azougue, 2015.
_______; ESTEVES, Leonardo. Rosemberg 70: Cinema de afeto. Rio de Janeiro: Cavídeo, 2015.
FERREIRA, Jairo. Cinema de invenção. São Paulo: Max Limoad, 1986.
_______. Cinema de invenção. Rio de Janeiro: Azougue, 2016.
GROTOWSKI, Jerzy. Em torno de um teatro pobre. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.
RAMOS, Fernão. Cinema Marginal (1968/1973): A representação em seu limite. São Paulo: Brasiliense, 1987.
ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo, Perspectiva, 1985.
XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento. São Paulo: Cosac Naify, 2012.