Ficha do Proponente
Proponente
- Giancarlo Casellato Gozzi (ECA-USP)
Minicurrículo
- Sou estudante de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da Escola de Comunicações e Artes – USP. Me graduei em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, aonde realizei duas pesquisas de Iniciação Científica: uma em Ciência Política e outra em Encenação, Cinema e Televisão (pela qual recebi Menção Honrosa no SIICUSP de 2015). Pesquiso narrativas televisivas seriais, focando em estruturas narrativas e na dramaturgia de séries.
Ficha do Trabalho
Título
- O narrador metaléptico em House of Cards
Resumo
- Esta apresentação propõe uma análise da 1a temporada do seriado House of Cards (Netflix, focada na figura do protagonista Frank Underwood. Ele faz constante uso de apartes, quando se vira para a câmera e seus espectadores e comenta a ação exibida, indício de uma certa agência por parte do personagem. Contudo, ainda pertence a mesma, sendo não só vitorioso em seus estratagemas mas também vítima de reveses. Esta apresentação focará nesta contradição, em uma abordagem narrativa e dramática.
Resumo expandido
- Os últimos 20 anos foram marcados por um crescente interesse de público e crítica por narrativas televisivas seriadas, justificando o surgimento de um campo específico de Estudos de Televisão e de uma literatura especializada. Paradoxalmente, prenunciava-se a morte do meio televisivo, devido à multiplicação dos modos de exibição de uma forma audiovisual antes contida pela radiodifusão. Todavia, o meio se renova, na medida em que tanto canais de televisão convencionais quanto canais a cabo e mesmo serviços de streaming online passam a privilegiar narrativas que formalmente escapam das convenções usualmente creditadas à Televisão.
Este fenômeno contemporâneo é alvo de longa discussão acadêmica quanto às suas definições: Define-o como “complexo” (Mittell 2012 e 2015), “metareflexivo” (Sconce 2004), “autorreferencial” (Capanema 2016). Considera-se seu traço narrativo definidor tanto a hibridização dos formatos episódico e serial (Mittell 2015) quanto a síntese destes (Silva 2015). Porém, para além de apontar qual autor(a) melhor precisa o “drama seriado contemporâneo” (Silva 2015), um fator em comum a todos que se voltam para séries contemporâneas aclamadas pela crítica (como The Wire, Mad Men, Breaking Bad, True Detective, entre muitas outras) é a percepção do uso de elementos narrativos e dramáticos conscientes e reflexivos, que chamam atenção para si mesmos e para a estrutura formal dos seriados.
Neste contexto, surge em 2013 o seriado House of Cards (Netflix, Beau Willimon, 2013-), primeiro seriado original da plataforma de streaming Netflix a ser alçado ao panteão das “grandes séries da TV a cabo”. O drama segue a ascendência política do Deputado Frank Underwood (Kevin Spacey), que ao longo de quatro temporadas galga os obstáculos que o separam do cargo de Presidente dos Estados Unidos, com a ajuda de sua maquiavélica mulher Claire (Robin Wright). Membro da liderança do Partido Democrático na Câmara dos Deputados à décadas, é traído pelo Presidente que tinha acabado de ajudar a eleger. Ele então decide não só se vingar dessa traição, mas efetivamente tomar o lugar do Presidente eleito, usando para este fim de todo instrumento possível.
Desde a época de seu lançamento, um dos aspectos da série que mais chamou a atenção da crítica e do público foi o tom cínico e ácido com que aborda o jogo político de Washington, os interesses particulares que o movem, e a representação que faz dos diferentes atores deste jogo, notadamente a partir do uso de apartes por parte do protagonista, um recurso teatral trazido para a Televisão em que a atenção da câmera é desviada para focalizar o rosto de Frank, enquanto este conversa com seu público em tom pedagógico e, em tempos, confessional. Se no seriado a política institucional americana é retratada enquanto espetáculo, este tema é sintetizado na figura de Frank Underwood e seus apartes reveladores, aonde o conteúdo é refletido em forma. Contudo, se Frank é narrador do seriado, por comentá-lo com seu público, ele ainda pertence a ele, sendo-lhe vedada a onisciência. Em termos narrativos, é narrador metaléptico, transgredindo de tempos em tempos a diegese para comentá-la conosco – mas contudo ainda a ela pertencendo, suas reveses indicações de sua submissão à trama geral (Klarer 2014). Neste jogo de pertencimento e não pertencimento, de agência e submissão, é que se dá o movimento que impulsiona a narrativa do seriado.
Assim, pretendo nesta apresentação analisar os apartes de Frank Underwood e sua relação com a forma narrativa geral da 1a temporada do seriado House of Cards. No percurso desta análise, balizas advindas da teoria literária e da teoria do drama serão utilizadas na definição dos elementos constitutivos da forma audiovisual do seriado, em um esforço interdisciplinar, aonde a relação entre palavra e imagem não se dá a partir da relação entre diferentes objetos, mas da relação entre diferentes modos de ver um mesmo objeto.
Bibliografia
- CAPANEMA, Letícia. “Complexidade nas Obras Televisuais e Cinematográficas de David Lynch.” In: Revista Geminis, ano 7, n. 2, p. 56-77, 2016.
KLARER, Mario. “Putting Television ‘aside’: novel narration in House of Cards.” In: New Review of Film and Television Studies, v. 12, n. 2, p. 203-220, 2014.
MITTELL, Jason. “Complexidade narrativa na Televisão americana contemporânea.” In: Matrizes, ano 5, n.2, São Paulo, jan./jun. 2012.
MITTELL, Jason. Complex TV: the poetics of contemporary television storytelling. Nova York: NYU Press, 2015.
SCONCE, Jeffrey. SCONCE, Jeffrey. “What If?: Charting Television’s New Textual Boundaries”. In: SPIGEL, Lynn; OLSSON, Jan. Television After TV. Durham e Londres: Duke University Press, 2004.
SILVA, Marcel Vieira Barreto. “Origem do drama seriado contemporâneo”. In: Matrizes, v. 9, n. 1, p. 127-43, jan/jun 2015.