Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Maria Guiomar Pessoa de Almeida Ramos (ECO/UFRJ)

Minicurrículo

    Guiomar Ramos é professora no Curso de Graduação e no Programa de Pós-Graduação em Tecnologias e Linguagens da Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordena o grupo de extensão Cinerama Cineclube. Pesquisadora de cinema, com mestrado e doutorado pela Universidade de São Paulo, publicou entre outros o livro “Um cinema brasileiro antropofágico (1970-74)”. Documentarista, dirigiu os curtas Pixador (2000), Café com leite (água e azeite)(2007) e o longa Por parte de Pai, (2017).

Ficha do Trabalho

Título

    Memória,escrita pessoal e performance no documentário Por parte de pai

Resumo

    Propõe-se pensar e sistematizar os procedimentos auto-reflexivos utilizados na realização do documentário Por parte de pai, 2017, dirigido por mim: um balanço sobre esta experiência cinematográfica. O filme narra em primeira pessoa a trajetória do exilado político português, Vítor Ramos, meu pai, que foi jornalista, ensaísta, crítico,professor de literatura da USP nos anos 1960/70; faleceu alguns dias após a Revolução dos Cravos, do dia 25 de abril de 1974, sem poder retornar a sua terra natal.

Resumo expandido

    Esta pesquisa nasceu da vontade de um pensamento e sistemática em relação aos procedimentos auto-reflexivos utilizados na realização do documentário Por parte de pai recém-dirigido por mim em 2017. Trata-se de uma tentativa de fazer um balanço sobre esta experiência cinematográfica. O filme narra a trajetória do exilado político português,Vítor Ramos, meu pai.Foi jornalista, ensaísta, crítico e professor de literatura da USP nos anos 1960/70, e, um ardoroso militante político no Brasil e em Portugal.Em 1974, seu aniversário coincidiu com a Revolução dos Cravos portuguesa, precisamente no dia 25 de abril.Dias depois, havia uma festa em minha casa, e ele desmaiou falando ao telefone com o professor Antônio Candido de Melo e Souza; faleceu algumas horas mais tarde, aos 54 anos,de aneurisma cerebral, em meio aos preparativos para sua volta à Portugal,depois de mais de 20 anos de exílio no Brasil,exatamente no período que começaria a usufruir da vitória sobre o salazarismo, após uma longa luta. Sua morte carrega um aspecto dramático que pode ser considerado por um viés universal, ao representar a luta das esquerdas e a situação de exílio, mas também possui um aspecto subjetivo: o da experiência de uma adolescente de 15 anos que perde seu pai de forma abrupta.Ao fazer este filme me deparo com a questão: para representar esse momento e trajetória, como trabalhar com o material biográfico e autobiográfico encontrado?O filme é sobre a busca dessa figura paterna que eu desconhecia, onde a minha trajetória se confunde muitas vezes com a dele: o biográfico e o autobiográfico se mesclam e também se opõe criando um conflito na percepção.Esse resgate vai se dar através de um retrato de família onde a questão subjetiva trazida pela primeira pessoa, pela memória familiar, é naturalmente colocada através de uma proposta coletiva e política.A presença do material biográfico é aproveitada através das duas grandes famílias de Vítor: a família que ele constitui ao vir para o Brasil para casar com minha mãe e a do Portugal Democrático, nome do jornal anti-salazarista fundado por ele logo depois do casamento.Proponho uma tentativa de reflexão sobre esses aspectos do âmbito coletivo e do pessoal que se transformam em interseções fílmicas:como elas aparecem representadas em meu filme. Para trabalhar a maneira como esta experiência se dá em relação a determinadas correntes do documentário contemporâneo brasileiro, que também se utilizam da narrativa em 1a pessoa, atentando para um ponto de vista mais particular e pessoal, aponto para duas produções: Diário de uma busca, 2012, de Flávia Castro, que aposta na presença da própria diretora, ela vai atrás de informações sobre a morte de seu pai, o militante Celso Afonso Castro e Os dias com ele, 2013, de Maria Clara Escobar, onde a cineasta faz um filme também com o pai,Carlos Henrique Escobar, intelectual auto-exilado em Portugal,com quem teve uma relação distante.Nos dois documentários temos como objeto de interesse, o foco em um familiar muito próximo, no caso o pai, através de um olhar bastante subjetivo.Em Por parte de pai existem duas vozes na 1a pessoa,elas se misturam entre os espaços biográficos e autobiográficos, através dos meus comentários sobre as sensações do passado, através da voz de meu pai advinda das cartas e também de sua voz gravada por ele mesmo em fita-cassete em 1970; esses registros muitas vezes se assemelham a cadernos de escrita pessoal. Além das vozes representativas da primeira pessoa, existe uma conversa que se instala em camadas e texturas provindas de outros tipos de registros e documentos, como a fala de minha mãe captada há 15 anos atrás e os depoimentos construídos especificamente para o filme. Como refletir sobre o aspecto performático desse eu-narrador que extrapola a necessária exposição de um corpo em cena para narrar a história? Como lidar com a ética da fidelidade ou da originalidade desses documentos dentro do processo de criação de uma memória tão íntima e pessoal?

Bibliografia

    BENJAMIN, W. (1980). O narrador. In: Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural. p. 57-74. (Os Pensadores)
    BUTLER, Judith. Relatar a si mesmo. Crítica da violência ética. Belo Horizonte, Autentica, 2015.
    COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida – cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte, UFMG, 2008
    FELDMAN, Ilana. Sob o risco da ficção. Revista Cinética e Critica. maio, 2006. Disponível em: http://www.revistacinetica.com.br/ riscoficcao.htm.
    FOUCAULT, Michel. A escrita de si. In: O que é um autor? Lisboa, Passagens, 1992. Pp.129,160.
    NICHOLS, Bill. A voz do documentário. In RAMOS, Fernão (org.). Teoria contemporânea do cinema. São Paulo: Editora Senac, 2008.
    RAMOS, Fernão. A cicatriz da tomada: documentário, ética e imagem intensa. In: Ramos, Fernão Pessoa (org.). Documentário e Narratividade Ficcional (Vol.II). São Paulo: Editora SENAC, 2005.