Ficha do Proponente
Proponente
- Thiago Rodrigues Lima (UFMG)
Minicurrículo
- Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais, onde também obteve o título de bacharel em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda (2014). Tem experiência na área de Artes e Comunicação, com ênfase em estudos da Imagem (Cinema). Trabalhou como diretor de arte na FUNDEP (2011-2013), coordenador de produção e diagramador da Revista Devires – Cinema e Humanidades (2013-2016) e assistente de direção na Anavilhana Filmes (2014-2016).
Ficha do Trabalho
Título
- O quadro e o fluxo: relações entre Yasujiro Ozu e Hou Hsiao-hsien
Resumo
- Este trabalho busca tecer as relações entre Yasujiro Ozu (Era uma vez em Tóquio, 1953) e o de Hou Hsiao-hsien (Café Lumière, 2003). Se Hou parece atualizar parte do universo doméstico-familiar e a banalidade cotidiana de Ozu, ele o faz trilhando um caminho bastante singular, em que a narrativa se fragiliza, quase inexiste. Isto se dá em prol de longos planos que flutuam pelos espaços em busca do caráter efêmero do movimentos do mundo.
Resumo expandido
- Quase trinta anos separam a última obra de Yasujiro Ozu da primeira do diretor taiwanês Hou Hsiao-hsien. Em Café Lumière (2003), homenagem ao centenário de nascimento do mestre japonês, Hou atualiza alguns gestos que compõem a monumental contribuição de Ozu ao Cinema. O núcleo familiar é também o centro gravitacional onde orbitam as relações rotineiras, ao modo de conversas banais, a ordinariedade da vida doméstica e os encontros com amigos e parentes. Uma “documentação da ausência de intriga”, para tomarmos de empréstimo a colocação de Deleuze (2013: 23) endereçada ao diretor japonês, se instaura a partir de uma busca por fragmentos cada vez mais abrangentes dos espaços, onde há uma generosidade do olhar que observa lampejos de afeto imanentes ao cotidiano. No entanto, em Ozu essa generosidade brota das relações familiares e da maneira como relaciona poeticamente objetos e paisagens, em Café Lumière ela nasce dentro dos longos planos que se movem suavemente, onde parece haver mais um desejo em capturar o efêmero e a transitoriedade dos fenômenos do mundo, do que das relações que se estabelecem entre os personagens. Aqui, o fio narrativo é frágil, quase inexistente.
Em Introdução a Ozu (1990: 15), Donald Richie afirma sobre o diretor japonês que “(…) o mundo inteiro cabe numa família, as personagens são antes membros de uma família do que de uma sociedade – e o fim do mundo não parece mais distante do que a porta de casa”, talvez possamos alargar essa concepção e pensar que, em Ozu, o fim do mundo não parece mais distante do que as bordas do quadro. No rigor de suas composições junto à imobilidade da câmera, se erige um ato sereno de contemplação sobre o que está colocado em cena. Quase não há perturbação no interior do quadro, os personagens e objetos parecem posar como se estivessem em uma fotografia. Essa austeridade na organização geométrica dos elementos no quadro tende a orientar nosso olhar para o que está ali inserido, como se o imantasse.
Por outro lado, Hou aposta na experiência bruta da duração conjugada a uma câmera móvel, que flutua pelos espaços. Em Café Lumière, os enquadramentos são transitórios e fluidos, não terminam em suas bordas, já que são constantemente reconfigurados pelo movimento de câmera, dos personagens ou pelas variações luminosas. Nesses movimentos, parece haver uma vontade em tocar o fora de campo, descortinar os espaços adjacentes, que é impossível observar com o quadro estático. A conhecida formulação de André Bazin (2014: 206-207) sobre a força centrífuga da tela de cinema parece ser um imperativo em que, a todo instante, Hou Hsiao-hsien mobiliza. A câmera deriva, dança com suavidade e escorrega lentamente para as laterais, descortinando os ambientes, afim de capturar os detalhes, as minúcias e as efemeridades desses fragmentos de mundo. Assim como em Era uma vez em Tóquio, o olhar-câmera de Café Lumière é embebido de um “afastar para ver melhor” os excertos do cotidiano. Porém, essa distância possui contornos distintos em cada um desses filmes. Enquanto no primeiro, a contrapartida desse afastamento são os afetos e os dissabores que se dão pelos gestos e corpos dos personagens, no segundo, a contemplação busca fragmentos transitórios do mundo. Guardadas as devidas proporções, Hou se aproxima do pensamento roselliniano quando este diz: “As coisas estão lá (…) Por que manipulá-las?” (ROSELLINI; 1959: 6). Em Os garotos de Fengkuei (1983) podemos entrever seu desejo conjugado na relação entre cinema e as imanações do mundo: o cinema clandestino onde vão os jovens é, na verdade, uma grande janela de um prédio abandonado que dá a ver a cidade.
Tendo isto em vista, procurarei elaborar uma relação entre Yasujiro Ozu e Hou Hsiao-hsien – mais especificamente em Era uma vez em Tóquio e Café Lumière – em proximidade às ideias contidas em suas respectivas cinematografias, mas também à partir das elaborações conceituais sobre a estética de fluxo (BOUQUET, 2002; LALLANE, 2002; OLIVEIRA JR., 2010).
Bibliografia
- BAZIN, André. O que é o cinema?. Cosac Naify, 2014.
BOUQUET, Stephane. “Plan contre flux”. In: Cahiers du Cinéma, n˚ 566, março de 2002. Paris: 2002, pp. 46-47
DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. Editora Brasiliense, 2013.
LALLANE, Jean Marc. “C’est quoi ce plan?”. In: Cahiers du Cinéma, n˚ 569, junho de 2002. Paris: 2002, pp.26-27.
NAGIB, Lúcia e PARENTE, André (orgs.). Ozu: O extraordinário cineasta do cotidiano. São Paulo, Marco Zero/Cinemateca Brasileira/Aliança Cultural Brasil-Japão, 1990.
OLIVEIRA JR., Luiz Carlos Gonçalves de. O cinema de fluxo e a mise en scène. 155 f. 2010. Dissertação – Universidade de São Paulo. São Paulo, 2010.