Ficha do Proponente
Proponente
- Morgana Gama de Lima (UFBA)
Minicurrículo
- Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Póscom/UFBA), mestre em Cultura e Sociedade (IHAC/ UFBA) com graduação em Comunicação Social (UNEB e UFBA). Atualmente é membro do grupo de pesquisa Laboratório de Análise Fílmica (LAF/Póscom/UFBA) e se interessa pela interface entre audiovisual e questões de autoria, sobretudo, em relação aos cinemas africanos de língua portuguesa.
Ficha do Trabalho
Título
- Trans-posições em “A república di mininus”: alegorias em análise
Seminário
- Cinemas em português: aproximações – relações
Resumo
- Embora o discurso alegórico já tenha sido fruto de muitas discussões teóricas, compreender seu funcionamento em produções audiovisuais ainda é um desafio. Considerando que o filme A república di mininus (Flora Gomes, 2011) é uma narrativa marcadamente alegórica, pretende-se observar de que modo as estratégias utilizadas para compor a encenação fílmica contribuem para o que denominamos aqui de “modo de leitura alegórica” ou “alegorizante”, nos moldes da abordagem semiopragmática (ODIN, 2000).
Resumo expandido
- A relação entre alegoria e narrativa cinematográfica como possível chave analítica não é uma proposta nova. Em seu livro Alegorias do subdesenvolvimento, Ismail Xavier (2012), ao se debruçar sobre filmes brasileiros do Cinema Novo e do Cinema Marginal, já teria dito que a interpretação alegórica nos filmes exige uma análise que deve considerar todas as dimensões da obra, tanto os aspectos que concernem ao desenvolvimento da narrativa, quanto da composição visual e sonora. Embora a alegoria demande o reconhecimento de sua forma e sintaxe no texto, o que deve ser observado não é apenas o modo como isso repercute em uma “estrutura alegórica”, mas como em virtude dessa estrutura o espectador é mobilizado a uma leitura alegórica. Em A república di mininus (2011), filme mais recente do cineasta guineense Flora Gomes, a narrativa encena um contexto pós-conflito em que os adultos desaparecem de uma cidade, deixando apenas as crianças. Como forma de sobrevivência, as crianças se reúnem e formam uma espécie de “república” em que o governo e outros serviços prestados à sociedade são assumidos somente por elas. Em um ambiente de harmonia e respeito, a história ganha novo rumo com a chegada (e potencial ameaça) de cinco “crianças soldados”. Embora a narrativa possibilite estabelecer relações com referentes reais, ela não é precisa quanto às informações do local onde se passa a história. A sensação de incompletude no contorno dos acontecimentos representados acaba induzindo a uma leitura alegórica de índices espalhados ao longo de todo o filme. Logo no início, antes da aparição de qualquer imagem, uma voz over: “Se passa hoje, não é na África, não é no mundo… é o fim da história da humanidade que exige de nós a construção de um mundo melhor”. Ao invés de uma referência espacial, o espectador é introduzido à experiência fílmica a partir de marcos temporais. Uma estratégia que além de permitir uma transposição ou releitura dos espaço/tempo representados, ao situar o espectador em um eixo da temporalidade (“se passa hoje”), permite o elo entre quem produz a narrativa e quem assiste. Embora o discurso alegórico já tenha sido fruto de muitas discussões teóricas, compreender a sua “estrutura” ou forma de funcionamento, sobretudo, em produções audiovisuais ainda é um desafio. Como encontrar os “índices” que demonstram essa intenção alegórica em uma narrativa fílmica? Em meio a diversas acepções do conceito de alegoria, as ideias de Walter Benjamin sobre o assunto (XAVIER, 2005) acabaram ganhando destaque, por compreender a alegoria para além da ideia de ser uma forma enunciativa amparada na narração figurada dos fatos, mas como uma expressão da dimensão temporal que contorna o narrar dos fatos. É justamente pelo eixo da temporalidade que a alegoria se apresenta como um modo discursivo que promove a mediação entre diferentes sistemas de referência cultural. Assim, produções fílmicas, podem por meio de composições visuais e sonoras articuladas à narrativa, construir alegorias ao estabelecer relações com tradições ou sistemas de referências iconográficas e/ou sonoras, por exemplo. Por ser a alegoria fílmica uma produção cambiante, que permite diferentes modos de leitura, propomos como perspectiva metodológica de análise, o modelo semiopragmático de Roger Odin (2000), abordagem que partindo da concepção de um duplo processo de produção textual/fílmica (no espaço da realização e no espaço da leitura ou recepção) permite analisar tanto o “textual” da narrativa (ODIN, 2009; BORDWELL, 2008), quanto evidenciar as bases a partir das quais foi construída. Considerando que A república di mininus é uma narrativa marcadamente alegórica, pretende-se observar de que modo as estratégias utilizadas para compor a encenação fílmica (enquadramentos, contrastes de luz, configuração dos planos), contribuem para o que denominamos aqui de “modo de leitura alegórica” ou “alegorizante”, nos moldes da abordagem semiopragmática apresentada por Roger Odin (2000).
Bibliografia
- BORDWELL, David. Figuras traçadas na luz. Papirus: Campinas, 2008.
GAUDREAULT, André; JOST, François. A narrativa cinematográfica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2009.
JULLIER, L., MARIE, M. Lendo as imagens do cinema. São Paulo: Editora Senac, 2007.
ODIN, Roger. De la fiction. Bruxelles: De Boeck Université. 2000.
OLIVEIRA, Jusciele Conceição Almeida de. “Eu não quero ter um mundo de uma cor só”: trajetória, autoria e estilo nos filmes do cineasta Flora Gomes. Rebeca – Revista de Estudos de Cinema e Audiovisual/ Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual – Socine. – Vol. 5, no. 2 (Jul. /Dez. 2016). (p. 152-180)
____. A questão do público: uma abordagem semiopragmática. In: RAMOS, Fernão P. (Org.). Teoria contemporânea do cinema: documentário e narratividade ficcional. São Paulo: Editora SENAC, 2005. v. 2, (p. 27-45).
XAVIER, Ismail. A alegoria segundo a tradição: retrospecto. In.: Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal.