Ficha do Proponente
Proponente
- JOCIMAR SOARES DIAS JUNIOR (UFF)
Minicurrículo
- Jocimar Dias Jr. é mestre pelo PPGCOM-UFF, onde defendeu dissertação sobre os momentos musicais nos filmes de Theo Angelopoulos. Como cineasta, dirigiu Ensaio Sobre Minha Mãe” (2014), selecionado para competitivas de diversos festivais nacionais e internacionais, entre eles Vitória Cine Vídeo, Curta Cinema, Kinoforum, CineMúsica Conservatória, Kino-Olho, FBCU e FICUNAM.
Ficha do Trabalho
Título
- Fronteiras e Ritornelos em O Passo Suspenso da Cegonha de Angelopoulos
Seminário
- Teoria e Estética do Som no Audiovisual
Resumo
- A partir de conceitos de Deleuze/Guattari e Herzog, analisaremos duas sequências de O Passo Suspenso da Cegonha (1991), com o intuito de pensar como Theo Angelopoulos coloca no centro da encenação um movimento recíproco de agenciamentos territoriais que se dão, através da música ou do silêncio, em momentos musicais interrompidos, para filmar intercâmbios de ritornelos que insistem em traçar outros mapas e questionar as fronteiras estabelecidas entre Grécia e Albânia.
Resumo expandido
- Rodado pouco depois da queda do Muro de Berlim, O Passo Suspenso da Cegonha (Theo Angelopoulos, 1991) coloca em cena importantes questionamentos sobre identidades e fronteiras entre comunidades, na esteira do acirramento de discursos nacionalistas e xenófobos em uma Europa que atravessava profundos (e, por vezes, violentos) processos de reconfiguração territorial. Algumas destas problemáticas da guerra dos Balcãs são articuladas através do que poderíamos chamar de momentos musicais falhados ou interrompidos (HERZOG, 2010). Consideremos, por exemplo, uma das primeiras cenas, em que o Coronel conduz o Repórter até a beira do rio que marca a fronteira entre Grécia e Albânia: ao longe, ouve-se uma canção tocando, que soa tipicamente “balcânica”; através dos arbustos, eles observam a movimentação de um camponês que recolhe uma pequena jangada; sobre ela, há um tocador de fita cassete, revelando a fonte da música em questão. A canção termina, ele retira a fita, coloca outra em seu lugar e despacha novamente a jangada puxada por cordas, que agora atravessa o fluxo das águas em direção ao “outro país”, embalada por uma lúgubre canção grega. Na cena seguinte, o coronel repreende o camponês, ameaçando-o de prisão caso o encontre ali novamente, sublinhando os perigos deste tipo de transação. Em uma fronteira fortemente guardada, que preza pelo silêncio e fiscaliza as trocas, há certo absurdo proposital na encenação deste contrabando de músicas em alto volume que atravessam o rio (afinal, diegeticamente, qualquer distúrbio sonoro poderia ser fatal). Há uma fuga deliberada de convenções realistas em direção a um estranhamento que evidencia a dimensão sonora destas trocas culturais enquanto geradoras de linhas de fuga ou de resistência. Se pensarmos nos termos de Deleuze e Guattari (2012), as canções albanesas e gregas funcionam como ritornelos, ou seja, agenciamentos territoriais através da articulação de matérias expressivas sonoras com potencial de (re-)desterritorialização, que criam fissuras que ameaçam redesenhar os mapas das fronteiras políticas, geográficas e culturais. O rio, apesar de marcar o limite entre as nações, não funciona somente para separar as pessoas, mas também para permitir novos encontros, novas possibilidades de comunicação. Chegam ritornelos albaneses, vão ritornelos gregos: mesmo que carregadas de dimensões identitárias que remetem a cada uma destas comunidades segregadas, estas canções que circulam não encenam a reiteração dos nacionalismos de cada lado, mas justamente um dinâmico processo de reinvenção em que tais comunidades experimentam hibridizações mútuas. Outro exemplo é a cena do casamento ortodoxo, que também ocorre à beira do rio: marcada por um silêncio estarrecedor (acompanhado apenas pelos ínfimos ruídos do correr das águas), o casal celebra o matrimônio, cada um de um lado do rio, sob a ameaça da guarda da fronteira, que pode aparecer a qualquer momento – e, mesmo assim, eles performam todo o ritual neste momento musical desprovido, justamente, de música. Angelopoulos coloca no centro da encenação um movimento recíproco de agenciamentos territoriais que se dão através do som ou, no caso deste último exemplo, do silêncio como elemento constituinte do momento musical interrompido, ao filmar este intercâmbio de ritornelos que insistem em traçar outros mapas e questionar as fronteiras.
Bibliografia
- COSTA, F. “Se pouco se diz sobre o som, quem fala sobre o silêncio nos filmes?”. Gragoatá, Niterói, n. 16, p. 105-115, 1º sem. 2004.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. (1980). “Acerca do Ritornelo”. In: Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia 2. Vol. 4. 2 ed. São Paulo: Editora 34, 2012.
HERZOG, A. Dreams of Difference, Songs of the Same: The Musical Moment in Film. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2010.
MAKRIYANNAKIS, V. “The poetics of the ‘not yet’ in The Suspended Step of the Stork”. Studies in European Cinema, v. 11, n. 2, 2014.
ROVISCO, M. “Nation, Boundaries and Otherness in European ‘Films of Voyage’”. In: URICCHIO, W. (ed.). We Europeans? Media, Representations, Identities. Chicago: Intellect, 2008.
THOMASSEN, L. “Towards a Cosmopolitics of Heterogeneity: Borders, Communities and Refugees in Angelopoulos’ Balkan Trilogy”. In: BANHAM, G.; MORGAN, D. (ed.). Cosmopolitics and the Emergence of a Future. New York: Palgrave MacMillan, 2007.