Ficha do Proponente
Proponente
- Livia Azevedo Lima (ECA-USP)
Minicurrículo
- Livia Azevedo Lima é editora-assistente da ZUM, revista de fotografia do Instituto Moreira Salles, e mestranda em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA-USP, onde desenvolve a pesquisa “Trilogia da Paixão: Saraceni leitor de Lúcio Cardoso”, sob orientação do professor Mateus Araújo.
Ficha do Trabalho
Título
- A pecadora cardosiana: da coluna “O crime do dia” a Porto das Caixas
Seminário
- Cinema e literatura, palavra e imagem
Resumo
- O primeiro longa de Paulo César Saraceni, Porto das Caixas (1962), conta a história de uma mulher que para libertar-se de sua condição de vida miserável, mata o marido a machadadas A partir da análise do argumento de Lúcio Cardoso (1912-1968) para esse filme, a comunicação pretende observar o diálogo entre a construção da personagem feminina pecadora na escrita fílmica e na prosa de ficção do autor, sobretudo nos seus textos da coluna “O crime do dia”, mantida no jornal A Noite de 1952 a 1953.
Resumo expandido
- Na prosa de ficção, o escritor Lúcio Cardoso buscava criar densidade psicológica em uma forma moderna. Dentre os seus temas, são constantes as oposições cidade/campo, bem/mal, assim como traição, decadência, incesto, loucura, tédio, homossexualismo e fracasso. As protagonistas, a maioria mulheres em estado emocional limítrofe, cometem um ato transgressor e, a partir disso, se observam pela primeira vez: descobrem sua condição humana frágil e essencialmente solitária, distante de Deus. É o caso de Ida, da novela Mãos vazias (1938); de Nina e Ana, da obra-prima cardosiana Crônica da casa assassinada (1959); e de Donana de Lara e Sinhá, do romance inacabado O viajante (1973, publicação póstuma). Todas comentem pecados ou crimes, sofrem, tornam-se ainda mais complexas e cumprem seus destinos trágicos de morte ou isolamento.
Na esteira da bem-sucedida coluna de Nelson Rodrigues, “A vida como ela é”, lançada pelo jornal Última Hora, em setembro de 1951, sete meses depois, em abril de 1952, o periódico A Noite convida Lúcio Cardoso para colaborar na seção “O crime do dia”. Nesse espaço, Lúcio criava ficções a partir de crimes mirabolantes e folhetinescos, que por si só já soavam como literatura. Mais tarde, ao sugerir o argumento de uma produção de baixo orçamento para o amigo Paulo César Saraceni estreiar no longa-metragem, Lúcio retoma a prática de “O crime do dia” e transforma o “crime da machadinha”, um episódio de grande repercussão na década anterior, no argumento do filme Porto das Caixas (1962).
No caso real, a ré Araci Abelha, acusada de matar o marido Abel Abelha com golpes de machado em Niterói, foi presa em abril de 1948, mas absolvida por falta de provas em novembro do mesmo ano. No filme, a personagem vivida pela atriz Irma Álvarez culpa o marido (Paulo Padilha), um pobre-diabo, por sua condição de miséria e marasmo na cidade decadente de Porto das Caixas e decide matá-lo para se libertar dessa situação. Pede ajuda de homens que encontra pelo caminho, um barbeiro e um soldado, e do amante botequineiro (Reginaldo Faria). Este concorda em ajudá-la, mas na hora decisiva fraqueja e ela executa a ação sozinha. O crime, como em muitos dos textos da coluna e das novelas e romances do escritor, já está anunciado de forma antiespetacular desde o início, o que assistimos é como ele ocorre e reverbera nas personagens.
Além da produção em prosa e poesia, Lúcio Cardoso atuou no teatro e no cinema. Como dramaturgo, estreou com a peça O filho pródigo, encenada pelo Teatro Experimental do Negro em 1947, e chegou a ter uma companhia, o Teatro de Câmara. No cinema, atuou como roteirista – destaque para o filme Almas adversas (1949), de Leo Marten, estralado por Bibi Ferreira –, e realizou o inacabado, A mulher de longe (1949), sobre uma mulher, à semelhança da personagem Nina de Crônica da casa assassinada, que é acusada de ter levado o mal para uma ilha.
O argumento de Porto das Caixas, portanto, ao contrário de um simples caso de adaptação literária, é resultado de um projeto estético consistente do escritor, que por meio da escrita fílmica também se volta para o cinema. Esse projeto, no entanto, escapa de definições estanques. O olhar de Lúcio sobre a mulher, por exemplo, é conservador, católico – com frequência o pecado não confessado é punido com a morte desenganada de salvação – e até misógino. Ao mesmo tempo, é por meio da figura feminina que ele faz um diagnóstico preciso da repressão patriarcal de seu tempo e, com o modo de vida de suas personagens, antecipa questões das décadas posteriores, marcadas pela urbanização e pela emancipação sexual feminina.
Bibliografia
- CARDOSO, Elizabeth. Feminilidade e transgressão: uma leitura da prosa de Lúcio Cardoso. São Paulo: Humanitas, 2013.
CARDOSO, Lúcio. Crônica da casa assassinada. Edição crítica. 2ª ed. Mario Carelli (Org.). Paris: Unesco, 1996.
FREIRE, Miguel. “Argumento de Lúcio Cardoso”. In: Uma luz brasileira: A contribuição de Mario Carneiro. Niterói, 2006. Dissertação de mestrado em Comunicação, UFF, pp. 150-89.
Fundo Lúcio Cardoso do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa- RJ
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/
LAMEGO, Valéria Fernandes. “A coluna ‘O Crime do Dia’”. In: O conto e a vida literária de Lúcio Cardoso. Rio de Janeiro, 2013. Tese de doutorado – Departamento de Letras da PUC-RJ, pp. 90-123.
PAES, José Paulo. “O pobre-diabo no romance brasileiro”. Novos Estudos, n. 20. São Paulo, mar. 1988.
SARACENI, Paulo César. Por dentro do cinema novo: minha viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.