Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Cezar Migliorin (UFF)

Minicurrículo

    Cezar Migliorin é professor de Cinema e membro do Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual na UFF. Organizador do livro Ensaios no Real: o documentário brasileiro hoje (2010), escreveu Inevitavelmente cinema: educação, política e mafuá (2015), Cartas sem resposta (2015) e o livro de ficção A menina (2014). É presidente da Socine – Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    Cinema e processos subjetivos: a criação em Centros Socioeducativos

Seminário

    Cinema e educação

Resumo

    A comunicação é um estudo de caso ligado ao trabalho de cinema, educação e direitos humanos em centro Socioeducativos no Recife e em Belo Horizonte. Nos interessa pensar os processos cinematográficos em ambiente bastante específicos, em que meninas e meninos estão privados de liberdade. Os caminhos do cinema por esses espaços nos falam sobre processos institucionais e subjetivos travessados pelas imagens, mas também sobre o próprio cinema, os destinos das imagens e as questões éticas ligadas ao

Resumo expandido

    João tem 16 anos, traços finos, pele escura, corpo esguio e sorriso fácil. Logo depois de entrar na biblioteca, onde o professor de biologia começava uma oficina de cinema, decidiu beber água e foi autorizado pelo agente que levantou sua camisa, apalpou sua cintura e com o braço esticado bateu no saco do João para ter certeza de que ele não saia da biblioteca com nada escondido na cueca. Ao sair da sala João se deixou revistar com naturalidade, não interrompeu a fala com um colega nem esboçou qualquer resistência. Durante as duas horas que ficamos no Centro Socioeducativo Santa Clara, em Belo Horizonte, João foi revistado cinco vezes.
    No Santa Clara vivem quase 100 jovens. Diferentemente do que seria nosso ideal, as oficinas de cinema são utilizadas ali dentro como moeda de troca para o bom comportamento. Os que criam problemas, sobretudo com a segurança, estão fora das oficinas. O cinema é prêmio, enquanto a biologia do professor que nos recebia é obrigatória em salas de até 12 internos. João está no segundo ano do segundo grau e naquele dia veríamos os vídeos que ele e outros 8 “premiados” haviam realizados na última oficina, há 15 dias.
    Para a realização dos trabalhos da semana anterior, os alunos usaram um dispositivo chamado Espaços Vazios?. Nesse dispositivo a proposta é a seguinte:
    “Fotografar o interior de casas sem a presença de pessoas no quadro.” Uma citação do poeta Manoel de Barros abre o dispositivo apontando para suas intensões: “A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio. Falava que os vazios são maiores e até infinitos.”
    Nos detendo por alguns 10 segundos em cada foto, vimos umas 50 imagens. A primeira marca dessas imagens é o contraste que muitas delas traziam com tudo que eu havia visto até chegar naquela sala. No meu caminho, eram as grandes, os muros, os vigias e as revistas que ocupavam todo o espaço. Nas imagens dos jovens, a prisão estava presente, mas como um resto, como algo quase saindo do quadro. Nas imagens com forte concentração formal, não havia a deliberada intensão de esconder a prisão, mas era como se o trabalho dos rapazes tivesse introduzido uma nova camada naquele espaço. Um olhar que unia os elementos da prisão com um olhar amplo, criativo e indomável.
    O dispositivo é manipulável, adaptável. A primeira adaptação dos Espaços Vazios? era óbvia. Os estudantes não podiam filmar a casa de ninguém. Nem as suas próprias. Os espaços vazios do Santa Clara foram a quadra, os corredores, o céu, os muros, etc.

    As imagens de João eram todas em movimento. Com a câmera fixa, no lugar de fotos, ele fez pequenos vídeos de não mais de 15 segundos.
    As opções do rapaz eram claras. Em todas as imagens ele foi rigoroso no quadro e optou por filmar micro-movimentos aleatórios. O espaço fechado, super-vigiado e duro era ali atravessado por um vento na nuvem, nos arbustos ou uma fumaça, o espaço era tocado por um acaso que vinha de outro lugar. João procurou o descontrole, criou com elementos delicados e levados pela imprevisibilidade do vento, formando assim formas orgânicas instáveis que contrastavam com a dureza das linhas retas dos muros, quadras e grades.
    A proposta desta comunicação é a análise do trabalho realizado no projeto Inventar com a Diferença, de cinema e educação, em Centros Socioeducativos no Recife e em Belo Horizonte. Nos interessa pensar as idas e vindas entre as imagens e os processos formativos no Interior das instituições onde os jovens se encontram privados de liberdade. Nos concentramos nos movimentos institucionais e subjetivos acontecendo no interior dos Centros, bem como os processos criativos e fabulatórios em que os jovens estão envolvidos, sobretudo quando da realização de filmes-carta. A pesquisa acontece com visitas e observação das oficinas, análise das imagens produzidas pelos internos e suas relações com o cinema.

Bibliografia

    GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro: Ed.34, 1992.
    LAPOUJADE, David. Deleuze , Os movimentos aberrantes. São Paulo: Edições n-1, 2015.
    Migliorin, Cezar. Inventar com a diferença: cinema e direitos humanos. Niterói: Editora da UFF (2014).
    PIPANO, Isaac. 12 etapas e uma lição para se fazer um filme-carta (em tempos de whatsaap). In: MOSTRA FILMES-CARTA POR UMA ESTÉTICA DO ENCONTRO, Catálogo, MEDEIROS, Rúbia Mércia Oliveira (org.), Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2013.
    RANCIERE, Jacques. Le spectateur emancipé. Paris, La Fabrique, 2008.
    WHITE, K. L’esprit nomade. Paris: B. Grasset, 1987