Ficha do Proponente
Proponente
- Ceiça Ferreira [Conceição de Maria Ferreira Silva] (UEG)
Minicurrículo
- Doutora em Comunicação pela Universidade de Brasília – UnB. Professora e pesquisadora do Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás – UEG.
Ficha do Trabalho
Título
- Interpretações do final feliz inter-racial na recepção fílmica
Resumo
- Atentando-se para as contribuições dos estudos culturais à teoria do cinema, especialmente no reconhecimento das espectatorialidades, é que este trabalho, por meio da aplicação do modelo codificação/decodificação de Stuart Hall na recepção do filme Bendito Fruto (Sérgio Goldenberg, 2004) em grupos, investiga as interpretações do final feliz dado ao casal inter-racial e suas articulações com os imaginários sobre gênero e raça.
Resumo expandido
- Em virtude da influência dos estudos culturais na teoria do cinema, houve uma ruptura teórico-metodológica a partir da qual as espectatorialidades passaram a ser pensadas como heterogêneas e ativas. Por isso, Robert Stam (2003, p. 257) afirma que “a história do cinema […] é não apenas a história dos filmes e dos cineastas, mas também a história dos sucessivos sentidos que o público tem atribuído ao cinema”.
Essa compreensão de que os significados não são fixos tornou-se possível a partir das reflexões propostas pelo modelo codificação/decodificação (encoding/decoding) de Stuart Hall, publicado em 1974, no qual o teórico indica três posições hipotéticas para se pensar o processo de recepção: preferencial, negociada e oposicional, que referem-se respectivamente à aceitação dos códigos de acordo com os objetivos de quem a produziu; à a negociação dos sentidos e à capacidade de interpretar a mensagem de forma contrária, ressignificando-a.
Dessa forma, a partir da aplicação desse modelo na recepção do filme Bendito Fruto (Sérgio Goldenberg, 2004) em três grupos de discussão (1-estudantes universitários/as, 2-membros de uma associação de idosos/as e 3-servidores/as públicas), este trabalho investiga as interpretações do final feliz dado ao casal inter-racial Maria (Zezeh Barbosa) e Edgar (Otávio Augusto) e suas articulações com os imaginários sobre a intersecção de gênero e raça.
Essa comédia é construída a partir do reencontro de dois antigos colegas de escola, o cabelereiro Edgar e a viúva Virgínia (Vera Holtz), o que causa uma reviravolta no relacionamento inter-racial não assumido que Edgar tem com a empregada Maria, com quem teve um filho (Anderson), também não-reconhecido. Logo, a narrativa joga com as aparências que fazem parte do cotidiano, no qual coexiste o afeto e hierarquias sociais, raciais e de gênero tão bem demarcadas, vivenciadas principalmente pela personagem Maria (mulher negra e empregada doméstica).
A realização de tal pesquisa empírica de forma conjunta à análise do filme se insere num contexto de escassez de estudos sobre recepção fílmica (BAMBA, 2013; MASCARELLO, 2009) e sobre a intersecção de gênero e raça (MONTORO, 2009).
Dessa forma, acerca do final feliz inter-racial, as/os participantes da recepção fílmica elaboram leituras preferenciais que se referem à concordância com tal representação de amor como superação das diferenças entre Maria e Edgar (grupos 1 e 2); à aceitação do modelo heteronormativo no qual a personagem Virgínia é a “outra” (grupos 1 e 2), um padrão tão naturalizado que não é visto como passível de crítica quanto à questão de gênero (grupo 3).
Também desenvolvem leituras negociadas, com a problematização dessa representação de amor a partir das assimetrias de gênero e da caracterização das personagens femininas, associadas às funções de cuidado (grupos 1 e 3); e a crítica à imposição do casamento e aos limites da atuação feminina (grupo 2); e empreendem ainda leituras oposicionais, com a contestação do final feliz e a reivindicação de outros desfechos para a personagem Maria, que sejam capazes de destacar sua autonomia (grupo 3).
Portanto, vale salientar a relevância dessa produção de sentido(s), na qual operam os significados oferecidos pelo filme e também os que são elaborados pelos/as receptores/as, a partir de seus repertórios culturais e daquele processo de recepção em grupo. Em linhas gerais, observa-se a conformação de assimetrias pré-estabelecidas e naturalizadas no imaginário romântico e na intersecção de gênero e raça; e considerando o domínio do não-dito, constata-se ainda como tais repertórios imaginários circunscrevem os modos de ver, impossibilitando a percepção de outras camadas de sentido exploradas no filme, nas quais pode-se observar um deslocamento na representação da personagem feminina negra.
Bibliografia
- BAMBA, Mahomed (Org). A recepção cinematográfica: teoria e estudos de casos. Salvador: EDUFBA, 2013.
BARBOSA, Karina G. Um amor desses de cinema: o amor nos filmes de amor hollywoodianos -1977-2007. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social). Universidade de Brasília. Brasília, 2009.
HALL, Stuart. Reflexões sobre o modelo codificação/decodificação. In:______Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003, p.353-386.
hooks, bell. Black looks: race and representation. London: Turnaround, 1992
MASCARELLO, Fernando. Mapeando o inexistente: os estudos de recepção cinematográfica, por que não interessam à universidade brasileira? Contemporanea. Salvador, v. 3, n. 2, p. 129-158, 2009.
MONTORO, Tania. Protagonismos de gênero nos estudos de cinema e televisão no País. Lumina, Juiz de Fora, v. 2, n. 3, p. 1-8, 2009.
ORLANDI, Eni. Análise de discurso: princípios & procedimentos. 11. ed. Campinas, SP: Pontes, 2013.