Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Isabel Almeida Marinho do Rêgo (UFPE)

Minicurrículo

    Graduada em Publicidade pela UFPE, Mestre em Comunicação pela PUC RS e Doutora em Comunicação pela UFPE. Coordenou o projeto do Cineclube Ponto de Vista, contemplado pelo Edital Cine Mais Cultura do Ministério da Cultura. Foi Professora da UCS (Universidade de Caxias do Sul). Julgou projetos culturais e audiovisuais como integrante da Comissão Deliberativa da Fundarpe (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco) e participou do júri do IV Janela Internacional de Cinema do Recife.

Ficha do Trabalho

Título

    Black Mirror e a melancólica festa da punição.

Resumo

    No intuito de refletir sobre o universo narrativo de Black Mirror, serão considerados os apectos formais e temáticos que articulam a sinergia entre todos os episódios. As tecnologias futuristas, a atmosfera melancólica e o adestramento dos indivíduos são alguns dos traços que caracterizam o universo comum aos episódios. A reflexão sobre esse universo revela uma sociedade que adestra seus cidadãos por meio de punições e recursos tecnológicos, e espelha um comportamento humano atemporal.

Resumo expandido

    Na série Black Mirror, cada episódio conta uma trama idependente, com personagens distintos dos demais, em comum há o universo narrativo distópico. A série ambienta questionamentos filosóficos complexos acerca da vida humana e do desenvolvimento técnico-científico; com padrões morais, políticos e sociais alterados, o universo ficcional oferece uma experiência antropológica simulada.
    No universo da série, a inteligência humana e a artificial se confundem. Os dispositivos compreendem os humanos, decifram e controlam seus corpos, aconselham acerca de comportamentos, enquanto os humanos tendem a obedecer de forma maquínica.

    A Distopia apresenta seu foco nas relações sociais, mostrando um mundo em que a civilização entra em decadência ou destruição. O termo faz um contraponto à utopia, lugar idealizado por Thomas Morus (1997 [1516]), em que cada um aprende o ofício que mais lhe agrada; não há propriedade privada, cada família ocupa sua casa temporariamente e cuida muito bem dela e de seu jardim. A caracterização feita por Morus (1997) desse mundo constrói a imagem de um lugar ensolarado e florido, o oposto do que é pintado em Black Mirror, em que a civilização construiu um mundo que confina humanos em uma vida cinzenta e artificial.

    Este trabalho busca relacionar todos os episódios a partir das características formais e temáticas em comum presentes no universo da série. O que envolve todos os episódios como parte de um universo narrativo comum? É a questão que norteia esta investigação. Para responder, é importante observar os traços formais, ou seja, os recursos de expressão audiovisual utilizados para caracterizar o espaço em que os episódios se desenvolvem. As cores frias, sóbrias e escuras fazem parte da maioria das sequências; a arquitetura futurista com linhas retas é outro traço predominante que compõe a atmosfera melancólica em que os personagens vivem. O tema em comum é o adestramento dos cidadãos pelo aparato tecnológico alcançado, e por meio das punições que são infringidas a comportamentos reprovados na sociedade daquele episódio, que vão desde relacionamentos com pessoas do mesmo gênero, comportamentos pouco gentis, a pedofilia, assassinatos, ou se negar a cometê-los. Em comum, há a aprovação moral da vingança.

    À medida que os episódios se desenvolvem é possível perceber semelhanças e diferenças entre aquele mundo futurista e o contemporâneo. Destacam-se quanto a essas diferenças, as tecnologias alcançadas e os comportamentos relacionados a elas, como a capacidade de bloquear pessoas, as memórias que podem ser transformadas, apagadas, gravadas e compartilhadas como filmes e a replicação da consciência de um indivíduo. A composição de Black Mirror proporciona experimentar um universo com os campos moral, político e tecnológico alterados. Entretanto, o comportamento humano naquele ambiente, em vários aspectos, se assemelha ao que pode ser observado na contemporaneidade, como a busca pelo poder de adestrar outras pessoas por meio de punições.

    A tecnologia e inteligência artificial que revestem o espaço narrativo de Black Mirror desnudam os maiores desejos, temores e perversidades humanas, as quais estão presentes na contemporaneidade, muitas vezes, sem provocar estranhamentos. Na ficção, há todo um aparato tecnológico e moral da punição, a tecnologia põe em evidência o caráter vingativo dos personagens. Há diversas formas de punições no universo de Black Mirror: enganar, ferir, impor a convivência com seres artificiais ou em um mundo simulado, repreender orientações sexuais e expor a situações constrangedoras são algumas delas. Diante das telas dos aparelhos desligados, ou espelhos negros, os humanos podem visualizar suas silhuetas, o reflexo sem cores nem disfarces que os define. No mundo sombrio de Black Mirror, a dimensão vingativa daquela humanidade se delineia, e choca pela semelhança com a humanidade real.

Bibliografia

    FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.

    LATOUR, Bruno. Reagregando o social: Uma introdução à teoria Ator-Rede. Salvador: Edufba, 2012.

    MORUS, Thomas. A utopia ou O tratado da melhor forma de governo. Porto Alegre: L&PM, 1997 [1516].

    RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento. Política e filosofia. São Paulo: ed. 34, 1996.

    SANTAELLA, Lúcia. Temas e dilemas do pós-digital: a voz da política. São Paulo: paulus, 2016.