Ficha do Proponente
Proponente
- Guilherme de Souza Castro (UAM)
Minicurrículo
- Doutorando e Mestre em Comunicação pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM), graduado em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professor na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), cineasta e jornalista. Endereço para acessar CV: http://lattes.cnpq.br/3926496105625611 e endereço para acessar produções audiovisuais e textos: www.guilhermecastro.org.
Ficha do Trabalho
Título
- A TRANSGRESSÃO DO CORPO NO CORPO DO FILME CASTANHA
Resumo
- O artigo aborda as configurações cinematográficas nas formas de documentário do LM Castanha (Davi Pretto, 2014), frente à teoria da Produção de Presença, de Gumbrecht, e à teoria Queer, de Butler. É possível relacionar a não essencialidade que fundamenta ambas as teorias (de gênero e de estética) e compreender que as estratégias do Documentário Direto e do Poético são formas de produção de presença que favorecem uma narrativa em fluxo, como transgressão de queernesse no próprio corpo do filme.
Resumo expandido
- Castanha (LM, 1h35, 2014), de Davi Pretto, é um Documentário sobre João Carlos Castanha, experiente ator de teatro e cinema e performer drag na noite gay de Porto Alegre. Com temática LGBTTT , predomínio do tom intimista, melancólico e invernal, em enquadramentos bem elaborados, o filme constrói o drama familiar entre João Carlos, a mãe Cecília Castanha e, ainda, vistos pouco e ao longe, um sobrinho marginal e drogado (vivido por um ator) e o ex-marido de Cecília (provavelmente pai de Castanha), que ela visita em um asilo de idosos. João Carlos e Cecília conversam, com afetos, e fazem a gestão desse núcleo familiar não convencional. As personagens são configuradas em sério, em ambientes internos, com som e luz naturais, diurna, moderada e fria ou, com tratamento similar mas noturno, nos ambientes de trabalho, camarins e espetáculos drags de Castanha.
Há um paralelo entre a identidade de gênero, conforme explicado pela teoria Queer, e a forma narrativa de Castanha. O filme não pretende uma representação conclusiva, pois a construção dos planos e a disposição da montagem permitem o sentido em fluxo, variável, a partir da estratégia de documentário predominantemente na forma direta, mas também amparado na poética visual e na dramatização.
Buscando perceber se há e qual é o desenho de queernesse que se apresenta no próprio corpo do filme, a análise se interessa pelas formas expressivas de Castanha enquanto produção de presença: não há um sentido prévio, unificado e separado da medialidade, mas sentidos possíveis em fluxo que ganham expressão num campo de imaginário. “O efeito de tangibilidade que surge com as materialidades de comunicação” se refere a todo o tipo de comunicação e ao “que está ao alcance tangível de nossos corpos” (GUMBRECHT, 2010, p. 38). A abordagem estética sensualista aponta o crescente interesse pelo Stimmung, que seria como efeitos corporais ligados aos “ambientes e atmosferas absorvidos pelas obras literárias enquanto forma de ‘vida’, ambientes com substância física, que nos toca como se por dentro” (GUMBRECHT, 2014, p. 32).
O queer, com o qual Castanha dialoga, também diz respeito ao sentido pela produção de presença, quando afirma que os atos e gestos dos corpos humanos no espaço (performances) “criam a ilusão de um núcleo interno e organizador do gênero, ilusão mantida discursivamente com o propósito de regular a sexualidade nos termos da estrutura obrigatória da heterossexualidade reprodutora” (BUTLER, 2015, p. 235). Em cenas de documentário, sobre o corpo magro e com aspecto frágil de João Carlos surge Maria Helena Castanha e outros tipos – sempre drags ferinas e desbocadas. O travestimento é percebido como a subversão da ordem cogente do corpo, que “revela um dos principais mecanismos de fabricação através dos quais se dá a construção social de gênero” (NEWTON, E. Apud BUTLER, 2015, p. 236). Os filmes do New queer cinema constroem, geralmente com o lindo, camp e maravilhoso (no que Castanha difere com estratégias sérias), ambientes LGBTTT em que a forma do corpo do filme sugere e cria em si mesma um modo de ser queer.
Será possível afirmar que as formas clássicas narrativas, como a mise-en-scène convencional da ficção e o documentário expositivo, operem com a construção de efeitos de produção de sentido na medida em que são discursos fechados. De outra feita, tal como em Castanha, as formas poéticas e os modos diretos e abertos de documentários de observação, que se apresentam como objetos vivos, em movimento e fluídos, são compreendidos, nesse texto, como efeitos de sentido enquanto produção de presença.
A desconstrução das categorias fixadas de gênero, conforme a teoria queer, também se aplica ao corpo do filme e possibilita efeitos de vertigem e deriva como experiências de cinema próximas da vida. O queernesse é a atitude de não assimilação presente no corpo de Castanha enquanto documentário de observação e de poesia visual cujo sentido é sempre em fluxo.
Bibliografia
- BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. RJ: Civilização Brasileira, 2015.
DUARTE FILHO, Ricardo. O camp e o lindo no cinema queer brasileiro contemporâneo. Compós, 2016.
FURTADO, Jorge; XAVIER, Ismail, e COUTINHO, Eduardo. In: O Cinema do Real. Organizadores Maria Dora Monteiro e Amir Labak. SP: Cosacnaify, 2005.
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir. RJ, Contraponto: Ed. PUC Rio, 2010.
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Atmosfera, ambiência, stimmung: sobre um potencial oculta da literatura. RJ: Contraponto/PUC-Rio, 2014.
HUTCHEON, Linda. Uma teoria da paródia. Lisboa: Edições 70, 1989.
LINS, Consuelo e MESQUITA, Cláudia. Filmar o Real. RJ: Jorge Zahar Editor, 2008.
LOPES, Denilson. Madame Satã. Catálogo New Queer cinema. 2015.
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SALIH, Sara. Judith Butler e a teoria queer. BH: Autêntica, 2012.
SIETY, Emmanuel. El plano en el origen del cine. Barcelo