Ficha do Proponente
Proponente
- Julio Bezerra (UFRJ)
Minicurrículo
- Realiza pesquisa de pós-doutorado na ECO-UFRJ. Fez estágio pós-doutoral na Columbia University e é professor na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Autor de Documentário e Jornalismo: Propostas para uma cartografia plural (2014). É crítico de cinema, tendo colaborado para diversas publicações (Cinética, Bravo, Revista de Cinema, Revista Programa etc.). Foi curador de diversas mostras (por exemplo: as retrospectivas de Abel Ferrara, Samuel Fuller e Jean Renoir). Dirigiu o curta E agora? (2014).
Ficha do Trabalho
Título
- Bazin e Merleau-Ponty: o cinema e sua aposta ontológica
Resumo
- O nosso objetivo é discutir o interesse de Merleau-Ponty e Bazin em uma investigação ontológica do cinema, analisando suas afinidades e diferenças e afirmando uma certa idéia de cinema. Ambos vêem o cinema como uma nova linguagem imperativa para expressar o Ser, capaz de refletir sobre nossa promiscuidade com o mundo e as coisas. Ambos perceberam a aposta ontológica que o jogo da imaginação contém: das coisas para a forma, do fato para o sentido e significado, e vice-versa.
Resumo expandido
- O cinema é uma relação íntima entre o artifício total e a realidade total. É a semelhança de um ícone e a impressão de um índice. O cinema é a possibilidade da presença da pura duração dentro da construção temporal, de novas relações entre continuidade e descontinuidade. Ele marca uma nova relação entre aparência e realidade, entre uma coisa e seu duplo, entre o virtual e o real. “O cinema é um paradoxo”, diz Alain Badiou, sempre girando “em torno da questão da relação entre ser e aparecer” (Badiou, 2013: 207). A sua questão, o tema do cinema, é realmente o problema do “Ser”. É a arte de quebrar dualismos: finito e infinito, substância e acidente, alma e corpo, sensível e inteligível. O cinema é uma arte ontológica.
Ao longo dos anos, foram muitos os críticos, filósofos e pensadores que se aventuraram em uma investigação ontológica do cinema. Maurice Merleau-Ponty e André Bazin estão entre eles. Merleau-Ponty aproximou-se do filme em dois momentos. Em “O cinema e a nova psicologia”, no início de sua carreira filosófica, ele identificou uma convergência entre fenomenologia e cinema: uma intenção comum de nos fazer reaprender a ver o mundo. Ao final de sua vida, quando percebeu que suas primeiras obras não tinham sido capazes de conceber a unidade do corpo fenomênico e do corpo objetivo, o cinema foi abordado mais uma vez, ainda que brevemente, numa linha de pensamento interrompida pela morte prematura do filósofo. O que se vislumbra, contudo, é a possibilidade de um relato ontológico do cinema, enfatizando, particularmente, o seu aspecto não mimético como uma apresentação do não apresentável.
É nesse momento, nas notas de um dos seus últimos cursos, que Merleau-Ponty, cita André Bazin, expressando seu desejo de incorporar o cinema às reflexões que vinha desenvolvendo sobre literatura e pintura – capazes, cada uma a seu modo de estabelecer uma relação diversa entre o visível e o invisível. Citar Bazin não poderia ser mais instigante. Há de fato uma afinidade entre o crítico e o fenomenólogo. Bazin e Merleau-Ponty vêem o cinema como uma nova linguagem imperativa para expressar o Ser, capaz de refletir sobre nossa promiscuidade com o mundo e as coisas. Ambos perceberam a aposta ontológica que o jogo da imaginação contém: o surgimento da imagem envolvida em um movimento de ida e volta, das coisas para a forma, do fato para o sentido e significado.
Com a ajuda de Merleau-Ponty e Bazin podemos elaborar uma abordagem ontológica do cinema que desafie todas as dicotomias e nos leve a uma experiência singular de desorientação no coração das experiências mais familiares. É uma empreitada meticulosa, grave, e sempre a ser retomada. Pensar o cinema com Merleau-Ponty e Bazin significa aceitar uma aventura da qual nenhuma das palavras que servem como nossos pontos de referência possam emergir intocados, mas da qual nenhum será desqualificado ou denunciado. Todos são parte do problema. Não devemos tentar mitigar as contradições e tornar compatível o que se define como conflitual. Pensar com eles sobre o cinema é também afirmar que o sucesso de uma proposição teórica não é resistir às objeções. Seu objetivo não deve ser deduzir e impor normas ou conceitos sobre o que o cinema é ou deveria ser, mas sim nos tornar mais plenamente conscientes de como o cinema escapa e perturba essas ideias.
O objetivo deste artigo é investigar o interesse de Merleau-Ponty e Bazin por uma investigação ontológica do cinema, analisando suas afinidades, identificando caminhos a serem explorados e afirmando uma certa ideia de cinema.
Bibliografia
- ANDREW, Dudley. “The Neglected Tradition of Phenomenology in Film Theory”. In: Bill Nichols (ed.). Movies and Methods: An Anthology, Volume 2. Los Angeles: University of California Press, 1985.
_____________. What Cinema Is! Bazin’s Quest and its Charge. Oxford, UK: John Wiley & Sons, 2010.
BADIOU, Alain. 2013. Cinema. Cambridge: Polity Press.
BAZIN, Andre. O que é o cinema ?. Lisboa: Livros Horizontes, 1992.
CARBONE, Mauro. The Flesh of Images Merleau-Ponty between Painting and Cinema. Albany, New York: State University of New York, 2015.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
_________________________. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2000.
_________________________. O olho e o espírito. São Paulo: Cosac & Naif, 2004.
_________________________. “O cinema e a nova psicologia”. In: XAVIER, Ismail (org.). A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983.