Ficha do Proponente
Proponente
- Carolina Bassi de Moura (UNIRIO)
Minicurrículo
- Carolina Bassi de Moura é pesquisadora em direção de arte, cenografia e trajes de cena. É professora do Centro de Letras e Artes (CLA) da UNIRIO. É mestre e doutora em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da USP, investigou no mestrado a construção plástica do personagem no cinema (a partir da obra de Federico Fellini) e, no doutorado, o papel da direção de arte no audiovisual (a partir da obra de Luiz Fernando Carvalho). Diretora de arte, figurinista e cenógrafa em teatro e cinema.
Ficha do Trabalho
Título
- Texturas da memória e do tempo em Dois irmãos, de L. F. Carvalho
Mesa
- A semântica da textura na direção de arte
Resumo
- Este trabalho enfocará o caráter háptico da construção da imagem em Dois Irmãos (2017), minissérie transcriada por Luiz Fernando Carvalho para a TV, do romance homônimo de Milton Hatoum. As texturas presentes na obra audiovisual são mais do que necessárias pois significam, nos revelam a história daquela família pelo filtro da memória e nos permitem sentir o tempo, impregnado em camadas em cada traje de cena, objeto ou parede dos cenários, como um palimpsesto.
Resumo expandido
- Luiz Fernando Carvalho vem nos últimos anos reinventando a linguagem da televisão, elevando o padrão meramente comercial do meio, a outro, artístico, requintado. Vem mesclando à linguagem da TV, processos criativos advindos do cinema e do teatro, e suas respectivas linguagens com as da literatura e das artes plásticas.
A minissérie Dois irmãos foi seu último trabalho exibido, transcriado do livro de Milton Hatoum, que conta a história de uma família de imigrantes libaneses, instalada em Manaus, no início do século XX. A narrativa, em primeira pessoa, pelo personagem Nael, descreve as lembranças da família – formada por Halim e Zana, seus filhos Zania, Yaqub e Omar, a criada Domingas e ele/narrador, o filho bastardo.
As imagens nos são reveladas através do filtro da memória de Nael e Halim, impregnadas pela materialidade do tempo. São extremamente importantes as texturas pois vão nos possibilitar perceber a passagem dos anos em um mesmo espaço – a casa da família. Há um motivo cronológico e espiritual para que haja um desgaste material do espaço e seus objetos.
Da mesma forma, na construção dos trajes de cena, a figurinista Thanara Shonardïe comenta ter pensado além da questão temporal mais simples, pensou o tempo cronológico, emocional e histórico.
Assim, vemos no cenário e nos trajes que são muito luminosas as primeiras cenas em que esta casa nos é apresentada. As paredes são mais claras, há muitos tecidos claros evocando sua tradição e o tom é muito esperançoso. Na fase madura de Zana e Halim, vemos uma casa em tons mais quentes, nos vestidos de Zana, cores mais fortes, formas mais ajustadas ao corpo e decotes, sublinhando sua vitalidade feminina. Já na fase da velhice, a casa apresenta muitas áreas descascadas da pintura e um tom empalidecido próprio de alguém que perde a vida. Seus tons contrastam fortemente com a cidade, que ganha cores cada vez mais coloridas, porém artificiais, do material plástico, dos luminosos de neon.
Podemos pensar no cenário da casa como um personagem em si ou até como uma extensão de todos aqueles personagens da família. A casa era grande e vistosa, possuía muitos vestígios de uma tradição e uma ancestralidade. Mas, com o tempo, tudo se desfaz. É agonizante a textura das superfícies sendo cobertas pela água que escorre pelo teto desabando pedaços do estuque, deslizando pelas paredes, degraus da escada, carregando fotografias na correnteza, afogando objetos. É uma imagem de morte, que nos remete ao cineasta russo, Tarkovsky, em Stalker (1980). Luiz Fernando explica esta imagem simbólica, dizendo:
Tem a questão desse outro personagem invisível que é a memória e o tempo (sic). Como é que você inclui isso dentro da casa? Porque os personagens contracenam com o tempo que passa, que escorre, como um rio. O livro é um rendado de tempo, espaço, memórias, afetos e a adaptação conseguiu ser a síntese disso.
O cenógrafo e diretor de arte, Mario Monteiro, ao ser consultado, exemplificou bem a importância da luz para a construção da dramaticidade e sabe-se o quanto ela é relevante para o tratamento das texturas. O fotógrafo, Leandro Pagliaro, comentou sobre o cuidado com a escolha das lentes:
[…] eu fiz pesquisas de lentes para determinar texturas e a linguagem da imagem. Porque, na minissérie, ela (a imagem) anda com o tempo. No início é uma imagem mais arcaica, depois, as cores vão mudando sutilmente. As luzes também. Os objetos vão se iluminando, virando mais neon, após Manaus ser invadida pela Zona Franca, pelos eletrodomésticos.Como se pôde notar, a textura é um dos principais elementos constitutivos da linguagem da direção de arte, pois confere corpo tátil à memória e nos permite sentir o tempo, impregnando de camadas cada traje de cena, objeto ou parede dos cenários, como um palimpsesto.
Bibliografia
- Referências:
MOURA, Carolina Bassi de. Direção e Direção de arte – construções poéticas da imagem em Luiz Fernando Carvalho. Tese de doutoramento. São Paulo: ECA/USP, 2015.
HERCOVITZ, A.; ROSSO, F. Figurino de Dois irmãos indica passagem de tempo e de comportamento dos personagens. Disponível em: http://gshow.globo.com/Estilo/noticia/figurino-de-dois-irmaos-indica-passagem-de-tempo-e-de-comportamento-dos-personagens.ghtml. Acesso em: 31 mar 2017.
IZEL, Adriana. Fotógrafo Leandro Pagliaro lança livro com bastidores Dois irmãos. Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2017/01/26/interna_diversao_arte,568200/fotografo-leandro-pagliaro-lanca-livro-com-bastidores-dois-irmaos.shtml. Acesso em: 31 mar 2017.
TARKOVSKY, Andrei. Stalker. Rússia, 134min, 1979.
CADERNO. Entrevista com Luiz Fernando Carvalho. Disponível em: http://app.cadernosglobo.com.br/ Acesso em 31 mar 2017.