Ficha do Proponente
Proponente
- Fernanda Aguiar Carneiro Martins (UFRB)
Minicurrículo
- Professora Adjunta do Colegiado em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB. Fundadora e Coordenadora do Laboratório de Análise e Criação em Imagem e Som – LACIS (UFRB/CNPq).
Ficha do Trabalho
Título
- Por uma “Poètika kino”: uma análise de “A Hora da Estrela”
Resumo
- Nesse início de século, o Formalismo Russo e o modo todo especial de investigar a narrativa a partir de Gérard Genette não poderiam deixar de ser celebrados. Imbuídas de um espírito interdisciplinar, essas homenagens nos fazem descobrir a atualidade de postulados teórico-metodológicos, capazes de renovar nossa percepção das obras e do mundo. Eis os fundamentos que nos conduzem a uma análise de obras emblemáticas da cultura brasileira “A Hora da Estrela”, a novela e o filme.
Resumo expandido
- Nesse início de século, assistimos a homenagens dedicadas tanto ao Formalismo Russo (cem anos em 2015) quanto ao modo todo especial de investigar a narrativa, a partir de Gérard Genette – figura central no domínio da Narratologia. * Ambas as iniciativas demonstram a atualidade de postulados teórico-metodológicos, capazes de renovar nossa percepção das obras e do mundo. No encalço desses exemplos, o título do presente escrito rende tributo à obra coletiva “Poètika kino” (“Poética do cinema”, 1927), sob coordenação de Boris Eikhenbaum – coletânea de relevo que ao reunir uma série de estudos, artigos e conferências buscou se afirmar no campo em formação dos estudos cinematográficos, integralmente reproduzida na edição francesa de 1996, sob organização de François Albèra.
Grosso modo, por “Poètika kino” se entende oferecer ao cinema o equivalente da metodologia formalista em vigor nos estudos literários. Nesse âmbito, as “adaptações” cinematográficas de textos escritos constituem um campo de estudo privilegiado favorecendo a discussão que diz respeito à especificidade de cada médium. Desde então, da literariedade passa-se ao propriamente cinematográfico, permitindo não apenas uma teoria sobre o trabalho de tradução intersemiótica, mas também sobre a linguagem de cinema, a imagem e seus recursos plásticos, a montagem, a “palavra” como sistema subjacente ao funcionamento semântico do filme.
Com base nesses pressupostos, cuja herança permanece válida, a presente comunicação se propõe a revisitar duas obras brasileiras primorosas: a novela “A Hora da Estrela”, da escritora Clarice Lispector, verdadeiro ícone da narração moderna, graças a seu aspecto preponderante relativo à introspecção, e sua tradução fílmica homônima por Suzana Amaral, espécie de marco ao transpor para a tela de cinema a personagem emblemática Macabéa, interpretada pela atriz então consagrada Marcélia Cartaxo. Desde já, tendo em vista a repercussão considerável de Macabéa, transposta para o cinema, observa-se, que a narrativa literária suscita um mundo, enquanto a narrativa fílmica nos coloca perante um mundo que ela organiza de acordo com uma certa continuidade. Ou melhor ainda, entende-se que a literatura se apresenta como discurso antes de ser mundo, enquanto o cinema se afigura como mundo antes de ser discurso.
A análise das obras em apreço demonstra a importância da experiência do olhar, numa referência ao cinema, a qual recobre não somente as características próprias de cada médium, mas também estéticas diferentes. Enquanto a escrita prioritariamente experimental de Clarice Lispector alude mais insidiosamente a um diálogo “aquém” ou “além” da literatura, a narrativa clássica de S. Amaral requer o exame minudente dos recursos técnico-discursivos que infundem um vigor plástico às imagens audiovisuais. A uma práxis criativa na novela, instaurada a partir de um complexo jogo de espelhos entre a autora C. Lispector, o narrador escritor Rodrigo S. M. e a protagonista Macabéa se contrapõe o processo de transcriação no filme, tendo como foco o trágico percurso de uma nordestina. Graças à exploração da temática dos olhares e dos reflexos, à qual subjaz o tema da identidade, o vazio e o não-dito se encontram potencializados ao máximo no filme, possibilitando uma abordagem sobre o silêncio das imagens, desdobrado em três tipos: o silêncio especular, o silêncio circundante e o silêncio estelar.
* Duas mesas redondas, uma sob a coordenação de Raymond Bellour e outra, de John Pier, realizadas na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS/ Paris), em 2013 e 2015, respectivamente, foram organizadas: a primeira intitulada “De la poétique à l´esthétique: autor de Gérard Genette”, em data comemorativa de trinta anos do CRAL – Centre de recherches sur les arts et le langage (CNRS-EHESS); a segunda “Les Formalistes russes cent ans après: interprétations, réceptions, perspectives” celebrando tal como indicado no título cem anos de Formalismo Russo.
Bibliografia
- ALBÈRA, F. (org.). “Les formalistes russes et le cinéma – poétique du film”, Paris: Nathan, 1996.
ALTMAN, R.. “A theory of narrative “, New York : Columbia University Press, 2008.
AUMONT, J. et al. “L´esthétique du film – 120 ans de théorie et de cinéma”, Paris : Armand Colin, 2016.
BELLOUR, R. (org.). Table ronde 2013 : “De la poétique à l´esthétique – autour de G. Genette”. Acesso: 20.03.2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lHTluLYHciQ&t=33s.
CHKLOVSKI, V. “Textes sur le cinéma”, Lausanne : L´Age d´Homme, 2011.
MARTINS, Fernanda A. C. “Da Estilização do olhar ao olhar-perscrutar: uma leitura de ‘A Hora da Estrela’ de Clarice Lispector e de sua tradução fílmica por Suzana Amaral”, Recife, dissertação de Mestrado, PPGL/UFPE, 1997.
PIER, J. (org.). Table ronde 2015: “Les formalistes russes cent ans après : interprétations, réceptions, perspectives”. Acesso 20.03.2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ByFmuFjFXMM.