Ficha do Proponente
Proponente
- Nataska Conrado Veiga Braga (UFC)
Minicurrículo
- Adora escutar histórias, sentir fins de tarde e cinemas com pessoas, ruas, praias e mundos. Desde 2004, estuda e trabalha em ações que instigam a produção e o livre acesso a bens culturais e à comunicação. Cineclube Ideário (AL), Tela Tudo Clube de Cinema (AL) e Cineclube Ser Ver Luz (CE). Mestranda em Artes pela Universidade Federal do Ceará, com estudos financiados pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), (co)move-se com modos de ver cinemas.
Ficha do Trabalho
Título
- Na nuca do cinema, cinemas tantos
Seminário
- Exibição cinematográfica, espectatorialidades e artes da projeção no Brasil
Resumo
- Ziguezaguear entre cinemas, bailar entre desejos de ver, entre potências inventivas das distrações, como quem descobre ao contar histórias, que verdades e realidades são produzidas; como quem encontra resistência e poesia nos movimentos dos corpos nas penumbras que cercam as telas; como quem se percebe caminhante dos mundos pelas imagens postas a caminhar numa superfície qualquer; como quem se vê a aprender com a pele que recebe o toque luminoso do projetor, algo sobre tempo, dobras e afetos.
Resumo expandido
- Situação cinema um. Pessoas caminham pelas ruas na direção da praia. Pisam na areia. Demoram-se diante de um pequeno barco a vela estacionado e iluminado por uma luz que sai de uma caixinha que está logo à frente da embarcação. As pessoas trazem consigo cadeiras, banquinhos, panos, que assim como troncos de coqueiro, montinhos de areia ou pedaços de arrecife, são objetos ou lugares para sentar. Por trás do barco, outros barcos, o mar, o rio, a lagoa, o mato, algumas casinhas, cachorros, pessoas ou o que mais fizer daquele lugar um lugar. Outras pessoas curiosas e surpresas tocam a luz que caminha até a vela e transpassa o pano, que agora tem um avesso luminoso. Por causa disso, inclusive, algumas pessoas escolhem sentar do lado oposto àquele onde a luz se projeta. O vento infla a vela de pano, dando a ela uma forma abaulada, a mesma forma do teto – o céu. Ar em movimento que refresca é suporte para a tela crua. Sons saem de algumas caixas pretas. E imagens movimentam a embarcação parada – mais filmes curtos e médios que filmes longos; filmes daqui, dali e de acolá.
Situação cinema dois. Um lençol preso em um varal é a tela para alguns curtas-metragens nacionais. Está fixado num espaço que parece abrigar durante o dia alguma banca de frutas, verduras e outros alimentos. Na frente e atrás da tela, pessoas assistem aos filmes em cadeiras plásticas, em bancos de madeira, nos degraus de um mercadinho, em batentes de casas, em bicicletas ou em pé. Um garoto, percebendo que eu fazia parte do grupo de pessoas que organizava aquela sessão no meio da rua, reclama comigo: “Passa filmes melhores, tia… Filmes de ação! Não esses filmes chatos”. Digo: “São filmes diferentes do que a gente está acostumado a ver”. Escuto: “Oxe, tia, mas é que não acontece nada. Por que vocês não passam aquele filme do Chucky? Aquele, do Brinquedo Assassino. Eu tenho em casa, posso trazer para passar aqui?”. E um papo divertido sobre filmes e linguagem cinematográfica acontece na calçada da comunidade Novo Horizonte, em Maceió.
Situação cinema três. Uma mulher cede o muro da sua casa para sustentar a tela do cineclube numa das ruas do Titanzinho, em Fortaleza (CE). Depois de poucos minutos de Vida de Cachorro (1918), de Charles Chaplin, a mulher se apressa para dentro de casa e volta com seu cão. Em pé, segura-o nos braços e fica girando o corpo, tentando que o bichinho também perceba o filme. Os dois e mais um tanto, cada um a sua forma, divertem-se numa noite de afetos e amizades.
Cinemas tantos entre tantas tentativas de dizê-los. Cinemas que acontecem com as performatividades de espectadores e espectadoras, das coisas do mundo. Cinemas que evocam os ares dos pré-cinemas, em especial dos espetáculos em praça pública, ao ar livre, antes de serem transportados pelos Lumière em dezembro de 1985 “para a sombra de uma sala” (COMOLLI, 2008). Cinemas que estariam bem próximos do espetáculo teatral na tônica dada por Jacques Rancière (2012) e que se distinguem das incursões individuais aos espaços de exposição de arte e do somatório de entradas no cinema estandardizado.
O que pode acontecer quando, com nossos desejos, não isolamos nossos corpos de um tal mundo que nos seria exterior, percebendo-nos também inventores tantos dos filmes que vemos como das formas e normas dos arranjos dos dispositivos cinemas, inclusive de um a que nos habituamos? Que cinemas podem vir quando propostos por coletivos (MIGLIORIN, 2012)? Que cinemas vem quando nos percebemos vendo o que colocamos entre telas e olhos, numa perspectiva vizinha às comunidades de cinema vistas e denominadas por César Guimarães (2015)?
Com os cinemas vividos e imaginados, “conversares” com os cinemas como espaços de encontros, convivências e partilhas a pensar dispositivos cinematográficos, situações cinemas, os modos de vermos cinemas. Ver que tem a ver com maneiras de conhecer (MATURANA, 1999). Ver que envolve sempre um com.
Bibliografia
- COMOLLI, J.-L. Retrospectiva do espectador. In: ______. Ver e poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.
GUIMARÃES, C. O que é uma comunidade de cinema? Revista ECO-Pós: Dossiê Arte, Tecnologia e Mediação. Rio de Janeiro, v.18, n.1, 2015.
MACHADO, A. Pré-Cinemas & Pós-Cinemas. 5.ed. Campinas: Papirus, 2008.
MATURANA, H. O que é ver? In: ______. A ontologia da realidade. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.
MAUERHOFER, H. A psicologia da experiência cinematográfica. In: XAVIER, I. (Org.). A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal: Embrafilme, 1983.
MIGLIORIN, C. Teia: 10 anos | O que é um coletivo?. Instituto Moreira Salles, 2012, pp. 2-9. Disponível em: . Acesso em: 25 mar. 2017.
MONDZAIN, M.-J. Homo spectator: ver fazer ver. Lisboa: Orfeu Negro, 2015.
RANCIÈRE, J. O espectador emancipado. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.