Ficha do Proponente
Proponente
- Andreson Silva de Carvalho (ESPM-RJ)
Minicurrículo
- Professor das disciplinas de produção e edição de som da Escola Superior de Propaganda e Marketing, do Rio de Janeiro. Doutor formado pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense, na linha de pesquisa de Estudos de Cinema e Audiovisual. Desenhista sonoro e editor de som em vários projetos audiovisuais.
Ficha do Trabalho
Título
- O silêncio do ruído
Resumo
- Muito se fala sobre os ruídos existentes no silêncio, mas, e o silêncio do ruído? São vários os exemplos de silenciamento no audiovisual. Alguns contribuem para uma aproximação entre espectador e personagem, buscando representar uma percepção diferenciada e transmitir determinada emoção. Noutros, o ruído parece ser amenizado com o intuito de promover uma despoluição sonora. A paisagem sonora do mundo está cada vez mais ruidosa, mas o audiovisual parece seguir na direção contrária.
Resumo expandido
- Há muito o que se falar da relação existente entre silêncio e ruído. Por isso, não se pretende aqui apresentar para todas essas possibilidades, nem mesmo dar conta de resolver alguma das suas questões. O objetivo deste artigo é apontar mais um dos possíveis caminhos presentes na análise deste tema e alimentar discussões pertinentes. Muito se fala sobre os ruídos existentes no silêncio; da não existência de uma ausência sonora real; da experiência realizada por John Cage no interior de uma câmera anecoica, mas, e o silêncio do ruído?
“Há tantos ou mais silêncios quantos sons no som” (WISNIK, 1989: 18). Todas as ondas sonoras são compostas por uma sucessão infinita e muito rápida de sinais sonoros e silêncios, pois, se assim não fosse, nossos tímpanos não suportariam a pressão produzida pelos sons que chegam aos nossos ouvidos. “A única proteção para os ouvidos é um elaborado mecanismo psicológico que filtra os sons indesejáveis, para se concentrar no que é desejável. Os olhos apontam para fora; os ouvidos, para dentro” (SCHAFER, 2001: 29). São muitas as sonoridades que nos atravessam a todo instante, porém, nosso aparelho auditivo, diferentemente dos microfones, consegue distinguir os sons que fornecem alguma informação nova e necessária à nossa percepção, suscitando uma ação ou reação ao som emitido. Caso contrário, quando não há nada a despertar nosso interesse auditivo, pode-se até mesmo produzir-se, momentaneamente, a falsa impressão de ausência sonora.
Muitas foram as críticas recebidas por R. Murray Schafer quando, no seu estudo sobre paisagens sonoras, apontou para a necessidade de uma despoluição auditiva. Escolher quais sons eram bons o suficiente para permanecerem sendo reproduzidos e fazendo parte de nossas percepções, parecia o mesmo que definir qual o ritmo musical todos deveriam gostar e ouvir para o resto de suas vidas. Um som, que na percepção de uns pode ser agradável, para outros pode ser extremamente irritante e desconfortável. A sonorização audiovisual trabalha justamente com a construção destas percepções. Escolher quais sons trabalhar em um projeto é tentar planejar e dimensionar as sensações que poderão ser despertadas nos ouvintes. Não sonorizar e silenciar é permitir que o espectador imagine seus próprios sons. Fazer com que alguns sons se destaquem em detrimento de outros é conduzir a percepção para um ponto específico da narrativa. Ou seja, trabalhar com sons é saber que cada escolha feita repercutirá de forma diferente e produzirá uma pluralidade de sentidos e emoções muito grande. E, é exatamente por isso que não se pode definir quais sonoridades devem ser retiradas de nossas paisagens sonoras.
Se por um lado é inegável que o silêncio possui uma vasta riqueza semântica nas artes de forma geral, por outro, sua utilização plena tem sido gradativamente mais rara no cinema contemporâneo. A necessidade de um desenvolvimento narrativo de forma dinâmica e acelerada, associada a uma montagem cada vez mais ágil, parece deixar um espaço bem menor para o silêncio. Não há mais tempo para se perder com pausas, com reflexões. Precisamos receber estímulos sonoros sem parar. O que temos atualmente, parece ser a existência de um silêncio dentro do ruído. Imagens que suscitam ambientes e efeitos sonoros barulhentos parecem ser progressivamente substituídos por ambientes e efeitos quase silenciosos, colocando personagens e espectadores num tipo de bolha, como se, apesar de estarem no meio de uma cidade amplamente movimentada, os sons que os rodeiam não fossem percebidos e não os afetassem auditivamente. Se a despoluição sonora pretendida por Schafer foi vista de forma negativa por teóricos e críticos, para os artistas contemporâneos a trabalhar com sonorização audiovisual parece que essa despoluição está cada vez mais em alta.
Bibliografia
- BARTHES, Roland. “A Escuta”. In O Óbvio e o Obtuso: ensaios críticos III. Léa Novaes (trad.). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
BURCH, Noel. Práxis do Cinema. Marcelle Pithon e Regina Machado (trad.). São Paulo: Perspectiva, 2006.
SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo. Uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. Marisa Trench Fonterrada (trad.). Campinas, SP: Editora UNESP, 2001.
___________. O Ouvido Pensante. Marisa Trench Fonterrada, Magda R. G. da Silva e Maria Pascoal (trad.). Campinas, SP: Editora UNESP, 1991.
WEISS, Elisabeth & BELTON, John (orgs.). Film Sound: theory and practice. New York: Columbia University Press, 1985.
WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido: uma outra história das músicas. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.