Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Ana Maria Acker (UFRGS / ULBRA)

Minicurrículo

    Doutoranda em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. É mestre pela mesma instituição. Professora da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, campus Canoas, RS. É jornalista e especialista em Cinema pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos.

Ficha do Trabalho

Título

    O demoníaco universo audiovisual de Häxan, de Benjamin Christensen

Resumo

    A proposta investiga aspectos estéticos e narrativos do filme silencioso sueco-dinamarquês Häxan – A Feitiçaria Através dos Tempos (1922), de Benjamin Christensen. A produção aborda bruxaria e demonologia em exploração audiovisual transgressora para a época. O objetivo é discutir imagens do sobrenatural partir da concepção de horror de Eugene Thacker (2011), de pensar sobre um mundo impensável e o desconhecido. Buscamos ainda perceber rastros da obra em realizações de horror contemporâneas.

Resumo expandido

    Considerado um dos primeiros filmes malditos da história, Häxan – A Feitiçaria Através dos Tempos foi lançado em 1922, fruto de dois anos de pesquisas do ator e diretor dinamarquês Benjamin Christensen (STEVENSON, 2006). A produção, uma mescla de documentário e ficção, foi inspirada em livros como Malleus Maleficarum (O Martelo das Bruxas), publicado em 1486 ou 1487 pelos monges dominicanos James Sprenger e Heinrich Kramer; e La sorcière (A bruxa), de Jules Michelet (STEVENSON, 2006; THACKER, 2011). A obra foi filmada na Suécia ao custo aproximado de 1,5 a 2 milhões de coroas, tornando-se o filme silencioso mais caro realizado na Escandinávia (STEVENSON, 2006).
    Polêmico, transgressor, Häxan é dividido em sete capítulos e enfrentou censura pelo modo como representou bruxas e demônios na tela, com cenas de nudez, tortura, sacrifício humano e referências à sexualidade. Os trechos documentais seguem um padrão, com a apresentação de ilustrações de livros sobre rituais de perseguição e punição às acusadas de bruxaria, além de demonstrações de instrumentos de tortura usados na época da Inquisição. O realizador chega a passar um objeto pelas figuras a fim de guiar o olhar do espectador naquilo que é explicado pela legenda. As características inventivas do filme aparecem de fato nas encenações ficcionais. Após a estreia em 1922, a produção ficou esquecida e chegou a ser dada como perdida, quando uma cópia foi encontrada e o filme retornou às telas da Dinamarca em 1940 e 1941 (STEVENSON, 2006).
    O objetivo neste artigo é discutir imagens do sobrenatural partir da concepção de horror de Eugene Thacker (2011), de pensar sobre um mundo impensável e o desconhecido. Segundo o autor, “O mundo é cada vez mais impensável – um mundo de desastres planetários, pandemias emergentes, mudanças tectônicas, clima estranho, paisagens marinhas encharcadas de petróleo, e a furtiva, e sempre elevada, ameaça de extinção”. Para Thacker, “Enfrentar essa ideia é confrontar um limite absoluto à nossa capacidade de entender adequadamente o mundo” (THACKER, 2011, p. 1, tradução nossa). Tal concepção tem sido o mote do horror ao longo dos anos.
    O embate com o desconhecido e a consciência de um mundo sem nós são elementos recorrentes no gênero, salienta Thacker (2011). O demônio surge como um aspecto desse desconhecido, embora o autor argumente que essa figura seja entendida muito mais pelo viés antropológico da relação humana com o outro. Mesmo assim, Thacker aponta outros dois modos de se pensar o diabo: o mitológico, que enfatiza a relação entre o natural e o sobrenatural; e o ontológico, algo abstrato, que tem conexão com o não humano, o nada (meontologia). É possível identificar a predominância do demônio mitológico na película de Christensen, o ser de chifre e tridente que desvia as pessoas, especialmente as mulheres, do caminho esperado pela sociedade e a família. Entretanto, há a exploração de uma ideia do demônio como parte de um mundo inacessível.
    Conforme Richard Baxstrom e Todd Meyers (2016), Häxan pode ser visto como um dos filmes mais inventivos do período silencioso, pois além do esforço em cruzar pesquisa científica e cinema, a produção apresenta a religião em perspectivas históricas e antropológicas, mistura cultura popular, expressão artística e discurso científico (p. 5). O diretor denominava o filme como uma conferência sobre história cultural em imagens em movimento. Para Christensen, o fundamental não era somente mostrar o discurso sobre os julgamentos das denominadas bruxas, e sim entender a relação desses eventos com certos mistérios do psiquismo humano (BAXSTROM; MEYERS, 2016). As influências do filme foram muitas ao longo do tempo e podemos percebê-las no cinema contemporâneo para além das temáticas, visto que demônios e bruxas nunca saem dos roteiros de horror. Fundamentalmente, há rastros de Häxan no âmbito estético da aparência de documentário dos falsos found footages.

Bibliografia

    BAXSTROM, Richard; MEYERS, Todd. Realizing the Witch: Science, Cinema and de Mastery of the Invisible. New York, USA: Fordham University Press, 2016.

    STEVENSON, Jack. Witchcraft Through the Ages: the story of Häxen, the world’s strangest film, and the man who made it. Surrey, England: FAB Press, 2006.

    THACKER, Eugene. In the Dust of this Planet. [Horror of Philosophy, vol. 1]. Washington, USA: Zero Books, 2011.