Ficha do Proponente
Proponente
- Iago Rezende de Almeida (UFJF)
Minicurrículo
- Bolsista de mestrado (FAPEMIG) em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Graduado em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto com mobilidade acadêmica em Études Cinématographiques pela Université Lille 3. Co-idealizador do projeto franco-brasileiro “Loucos-são”, que une a representação artística e a luta antimanicomial. Produtor da I Mostra Internacional de Cinema de Ouro Preto e membro dos grupos de pesquisa “SENSUS” e “Redes, ambientes imersivos e linguagens” (UFJF).
Ficha do Trabalho
Título
- O porvir da contemplação: “Em Nome da Razão” e a reforma psiquiátrica.
Resumo
- O cunho político do discurso sanitarista fez com que diversas práticas eugenistas tomassem forma nas práticas psiquiátricas brasileiras. O Hospital Colônia, situado em Barbacena, tornou-se conhecido a partir do documentário “Em Nome da Razão: um filme sobre os porões da loucura”, de Helvécio Ratton, que denunciou os maus tratos em nível nacional. Este estudo pretende compreender de que maneira a documentarização da prática manicomial se tornou aliada no processo de luta contra a exclusão social.
Resumo expandido
- Em Nome da Razão: um filme sobre os porões da loucura (Brasil – 1979), de Helvécio Ratton, será analisado em detrimento de seu papel político e na construção dos ambientes audiovisuais propícios ao debate e à Reforma Psiquiátrica, movimento que utilizou os recursos do filme para promover a luta antimanicomial no Brasil. As estratégias utilizadas para a denúncia das situações sensíveis são discutidas a partir dos processos de mediatização da dor nas experiências modernas (SONTAG, 2003), do papel do cinema enquanto produtor de discursos sobre a história (FERRO, 2010) e da potência das imagens-movimento (VASCONCELLOS, 2006; SILVA, 2009).
Nas palavras de Foucault (2002), a loucura é a negatividade. A condição se manifesta sob fenômenos que hoje configuram as análises de seu comportamento discursivo. O Hospital Colônia foi instaurado em Barbacena em 1903. A partir do filme, é possível observar de que modo a instituição tinha as medidas punitivas aplicadas, no lugar do tratamento e reinserção social. O documentário “Em Nome da Razão: um filme sobre os porões da loucura” foi realizado por Ratton em 1979, na forma de um curta-metragem documental de 24 minutos. O filme foi produzido com recursos próprios, pelo Grupo Novo de Cinema e TV e também a partir dos incentivos da Associação Mineira de Saúde Mental.
Sua estreia ocorreu durante o III Congresso Mineiro de psiquiatria e tornou-se prova cabal no processo de luta antimanicomial como amostra de que as intervenções nos hospitais psiquiátricos deveriam ser realizadas de maneira urgente. Em comparação às outras artes, o cinema é relativamente novo: a experiência da relação entre o homem e a mídia são integrantes da moderna relação entre o homem e a mídia. O documentário apresenta uma maneira hodierna de contemplar, através da mediação das lentes, os desastres, dores e tragédias que tomam lugares distantes – geograficamente e afetivamente –.
Dotado de poder narrativo, o produto audiovisual pode se tornar um aliado na construção de novas percepções e debates. O cinema introduz, a partir do século XX, a ideia de que a película também é capaz de produzir discursos e ser coautor da história contemporânea (FERRO, 2010). Os diversos recursos sonoros que o documentário utiliza são diversificados: dão consistência à denúncia o depoimento dos profissionais que atuavam no local, a captação dos momentos em que músicas eram tocadas dentro das imediações e long-shots com os depoimentos dos pacientes.
Na contemporaneidade, cabe à mediatização da tragédia a elucidação dos fatos ocorridos e a perduração da memória (SONTAG, 2002). A película, para além da sua capacidade de instrução carrega a capacidade de recortar as cenas e, por meio delas, discutir as situações que se sensibilizam no acometimento ao espectador. O documentário, então, captura e enquadra o real, expondo suas fragilidades. Na montagem de “Em Nome da Razão”, os depoimentos não foram premeditados. As decisões de Ratton se tornam necessárias para orientar o público acerca dos processos da luta antimanicomial e acerca da urgência da reforma psiquiátrica. A imagem “com muita frequência dá mais informações sobre aquele que a recolhe e a difunde do que sobre aquele que ela representa” (FERRO, 2010, p. 12).
O filme documental utiliza sua capacidade de denunciar para fazer com o que o espectador se compadeça a partir da denúncia provocada. As dicussões suscitadas pelo filme sensibilizam o espectador que utiliza de sua consciência política a fim de contemplar a memória do conflito (SONTAG, 2003).
Conclui-se que em um ambiente imerso pelo audiovisual, um filme pode transformar as concepções acerca da apresentação de sujeitos e uma reapresentação de processos históricos sob novas perspectivas. Credita-se, então, às filmagens do Hospital Colônia a incumbência de agir, em conjunto com as forças da luta da Reforma Psiquiátrica, para compreender o passado e produzir novas possibilidades do porvir.
Bibliografia
- FOUCAULT, Michel. A História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo, Perspectiva, 2002.
FERRO, Marc. Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
GOULART, Maria Estela Brandão. Em Nome da Razão: Quando a Arte Faz História. Revista Brasileira Crescimento Desenvolvimento Humano. 2010; 20(1): p. 36-41
SILVA, Marcos. Metamorfoses da Linguagem: histórias, cinemas e literaturas. São Paulo: LCTE Editora, 2009.
SONTAG, Susan. Diante da Dor dos Outros. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
RATTON, Helvécio. Em Nome da Razão: Um Filme Sobre Os Porões da Loucura. [Filme-vídeo]. Direção de: Helvécio Ratton.. 1979, 23’50. P&B. Son.
VASCONCELLOS, Jorge. Deleuze e o Cinema. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna LTDA, 2006.