Ficha do Proponente
Proponente
- Edson Pereira da Costa Júnior (USP)
Minicurrículo
- Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA-USP, com período sanduíche na Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3. Atualmente desenvolve projeto de pesquisa financiado pela FAPESP a respeito da materialidade da figura humana no cinema contemporâneo, com ênfase nas relações estabelecidas com motivos e gêneros da pintura ocidental.
Ficha do Trabalho
Título
- Figuras do Outro e marcas da alteridade em Costa, Ozu e Ford
Resumo
- A proposta se concentra sobre a filmografia de Pedro Costa, em diálogo com obras de John Ford e de Yasujiro Ozu, a fim de pensar como o gesto é concebido não como filiação à natureza física e unitária da figura humana, mas sim a partir de uma série de escolhas formais e de articulações entre os corpos. A partir disso, tentaremos, de modo breve e embrionário, sugerir como se forja um tipo particular de comunidade.
Resumo expandido
- Ainda que não sejam únicas ou hegemônicas, encontraremos duas formas recorrentes de se pensar o gesto, em especial no domínio das artes. Primeiramente, como a última etapa gradativa e em certa medida hierárquica de uma série que começaria com o movimento do corpo, com a tensão dos músculos em relação ao peso e à gravidade, avançaria em direção ao ato e só então ascenderia à categoria de gesto. Esses modos de comportamento humano se difeririam menos pelas intenções que os subtendem que pelo tratamento que recebem. De um estado a outro o que evoluiria seria menos a finalidade que as estratégias encontradas para evidenciá-los, torná-los notórios em seu desenrolar e consumação.
O segundo modo considera o gesto a partir do indivíduo, fazendo do corpo o lugar de sua encarnação sensível. É nesse sentido que, ainda nas artes, por vezes o associamos a uma natureza demiúrgica, ao ato humano de interpelar e agenciar o mundo a partir da representação criada pelo gesto do artista, seja o do pintor, o do dramaturgo ou o do realizador. Caso deixemos a gênese para pensar diretamente a obra, o associaremos aos atores, aos personagens, às figuras. Estamos, pois, habituados a ouvir e a falar dos gestos de Chaplin, de Fred Astaire, do modelo bressoniano, e assim por diante. A tônica é a do sujeito e a base é o corpo como unidade. Mas o que fazer quando nos deparamos com um gesto que não necessariamente encarna em uma figura humana?
Pensando exclusivamente o cinema, deparamo-nos com obras em que o corpo deixa de ser o produtor e possuidor para assumir a função de vetor de concreção de um gesto coletivo. Esse último pode ser realizado a partir da harmonização de ações executadas por diferentes indivíduos; por meio de uma espécie de contaminação, de transferência pela qual um gesto ecoa plasticamente num mesmo plano, numa sequência ou em momentos distantes de um mesmo filme, como uma rima visual; ou ainda por figuras que assumem o papel de outra, tal como se um mesmo personagem fosse diluído entre (ou se comunicasse a) vários corpos em cena. Nesses diferentes casos, o importante é menos o sujeito que a exequibilidade e a figuração de um projeto maior.
Encontramos tal disposição em sequências de As vinhas da ira (The Grapes of Wrath, 1940, de John Ford) nas quais os comportamentos dos personagens são orientados pelo desejo de cuidado e preservação do Outro, muitas vezes às custas da integridade física e moral individual. Seguindo outra razão mas igualmente dentro dessa lógica segundo a qual o gesto ultrapassa o envelope carnal da figura, os filmes de Ozu, pelo menos desde O Coral de Tóquio (Tôkyô no kôrasu, 1931), nos mostram dois personagens que executam os mesmos movimentos corporais a partir de um espelhamento, de um comportamento em uníssono que reforça a harmonia e entendimento mútuo entre os indivíduos.
Em diálogo anunciado com Ford e Ozu, Pedro Costa também dispõe ao longo de seus filmes uma série de estratégias pelas quais o corpo da figura humana torna-se subsidiário de uma ordem maior na qual as ações só existem pelo e para o Outro. Criar-se-ia a partir disso uma noção de comunidade entendida não pela partilha de um bem simbólico ou material comum, e, por isso, não pela propriedade. Sua raiz estaria no caráter contingencial das ações humanas. Longe de firmar um todo consensual e funcional, esse modo de organização promove uma série de tensões, pois o gesto se torna tanto o sinal de afeição como também de evidenciação do risco diante do Outro. Veremos isso, particularmente, a partir da figuração das mãos, que em seus filmes é o meio mais sumário e também definitivo de relação entre os seres.
Tendo em vista o que aqui apresentamos, a proposta de nossa comunicação é propor como ao longo de sua filmografia Pedro Costa, em diálogo pontual com obras de Ford e de Ozu, formalmente aborda a questão de uma gestualidade que suplanta a figura humana, anunciando uma arriscada mas bem vinda potência coletiva.
Bibliografia
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