Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    NINA VELASCO E CRUZ (UFPE)

Minicurrículo

    Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPE. Possui graduação em Jornalismo (UFRJ), Mestrado em Comunicação na linha de Tecnologias da Imagem (UFRJ) e Doutorado em Comuicação (UFRJ). Fez estágio pós-doutoral na Universidade McGill no Canadá em 2010.

Ficha do Trabalho

Título

    O flicker no cinema experimental e a música como estrutura

Resumo

    Usualmente o flicker film é associado à desconstrução da figuração e da narrativa fílmica. Mesmo quando se reconhece o caráter estrutural resultante da técnica, pouco se aprofunda sobre a relação desses filmes experimentais com a composição musical . Pretendemos tornar clara a relação entre essas duas linguagens, evidenciando os momentos de encontro e de afastamento, buscando ultrapassar o comentário superficial em que a analogia é feita.

Resumo expandido

    Apesar de os efeitos de cintilação estarem presentes desde muito cedo na história do cinema, especialmente nas animações que necessariamente são filmadas frame a frame, mas também em alguns filmes live action do início do século XX, o primeiro filme produzido unicamente com a técnica do flicker de que temos conhecimento foi Color Sequence, de Dwinell Grant, em 1943 (MICHAUD, 2014, p. 141). Mas será com o surgimento do cinema experimental americano que esse tipo de experiência aparecerá com força, especialmente por seu caráter não-figurativo e por colocar em evidência a materialidade da película,, que passa a ser entendida como a especificidade do meio cinematográfico.

    Essa tendência a se voltar para a materialidade de cada linguagem artística em busca de um purismo essencial, encarnada principalmente no pensamento do influente crítico de arte americano Clement Greenberg , irá reverberar também no discurso dos artistas que participavam do grupo. Peter Kubelka, um dos principais expoentes dessa geração, resume sua posição em relação à importância em romper o ilusionismo do movimento para que o cinema reencontre sua essência, que estaria encarnada na colisão entre frames permitida pelo flicker:

    “Cinema não é movimento. Cinema é uma projeção de stills – ou seja, imagens que não se movem – em um ritmo muito alto. E é possível dar a ilusão de movimento, claro, mas em um caso muito especial, e o cinema foi inventado por conta desse caso especial. Qual é, então, a articulação do cinema? Eisenstein, por exemplo, disse que é a colisão de dois planos. Mas é muito estranho que ninguém tenha dito que não é entre planos, mas sim entre frames”. (KUBELKA, apud ROWIN).

    Dessa ideia irão derivar os chamados “filmes métricos” desenvolvidos por ele desde o final da década de 50. Arnulf Rainer (1960),, de Kubelka, é considerado um marco por não apresentar nenhum traço de figuração, nem mesmo a cor. Rodado sem câmera, ele é composto apenas por quatro elementos: guia preta, guia transparente, trilha sonora saturada e trilha sonora vazia (MICHAUD, 2014). A composição meticulosamente calculada desses elementos, obedecendo a um modelo aritmético, é muitas vezes comparada à composição musical (ROWIN, 2009 e MICHAUD, 2014). No entanto, essa comparação não vai além de uma constatação, baseada no fato de que o ritmo do filme é imposto por uma progressão numérica pré-determinada, obedecendo a um cálculo preciso (16 unidades de 576 fotogramas, cada unidade comportando um conjunto de 16 temas com comprimento variável).

    Paul Sharits (1943-1993), um dos maiores expoentes dessa geração, teve formação em pintura. Já durante sua adolescência fez experimentos em Super 8, e em meados da década de 60 deixa de pintar para se dedicar prioritariamente ao meio cinematográfico (BEAUVAIS, 2008). Sharits também estudou música por muitos anos e seu conhecimento musical o permitiu usar padrões musicais como inspiração.

    “Para ele, não se tratava de estabelecer uma sinestesia ou outra, mas de fazer uso de modelos musicais, e, mais precisamente, da maneira como a música funciona, encontrando ´análogos operacionais… entre os modos de ver e os modos de ouvir’… (BEAUVAIS, 2008).

    Na busca desses análogos, o uso do flicker pareceu uma solução razoável, ainda que não perfeita. Como Sharits afirma em um texto clássico sobre a relação sobre a audição e a visão, um único frame de cor sólida não pode reproduzir a qualidade harmônica de um acorde, mas uma série de frames de cores diferentes, criando o efeito de cintilação, dependendo da frequência dos tons, pode sugerir essa qualidade (SHARITS, 1975). Na realidade, a insatisfação dessa correspondência levou o artista a experimentos com filmes instalativos, nos quais mais de um filme era projetado em uma mesma sala, criando uma sobreposição de imagens que remeteriam às combinações de notas. Essa solução também responderia ao problema da espacialização da música gerada pela combinação de diversos instrumentos.

Bibliografia

    AUMONT, Jacques. O olho interminável : cinema e pintura. Trad. Eloisa Araújo Ribeiro, São Paulo : Cosac & Naify, 2004.

    BEAUVAIS, Yan. Fragment. In: BEAUVAIS (org.) Paul Sharits. Paris: Les Presses du Reel, 2008.

    CHÂTEAU, Dominique. Le rôle de la musique dans la définition du cinéma comme art: à propos de l’avant-garde des années 20. Cinémas: revue d’études cinématographiques, v. 3, n. 1, 1992, p. 78-94.

    EISENSTEIN, Sergei. O sentido do filme. Rio de Janeiro: Zahar: 2002.

    GREENBERG, Clement. “Rumo ao mais novo Lacoonte”, 1940. In: FERREIRA, G. e COTRIM, C. Clement Greenberg e o debate critic. Rio de Janeiro: Funarte Jorge Zahar, 1997.

    MICHAUD, P. Filme: por uma teoria expandida do cinema. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014.

    ROWIN, Michael J., Flashes of Brilliance: a brief history of the flicker film, postado em junho de 2009, disponível em: http://www.movingimagesource.us/articles/flashes-of-brilliance-20090611