Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Fernão Pessoa Ramos (UNICAMP)

Minicurrículo

    Professor Titular do Dep de Cinema do Inst de Artes da UNICAMP e pesquisador CNPQ. Em 2012 publicou “A Imagem-Câmera” (Papirus). No mesmo ano lançou a segunda edição de ‘Mas Afinal…o que é mesmo documentário?’ (Ed. Sesc). Escreveu ‘Cinema Marginal, a Representação em seu Limite’ e organizou ‘História do Cinema Brasileiro’. Em 2012 publicou a terceira edição ampliada de “Enciclopédia do Cinema Brasileiro” (Ed. Sesc). É também autor/org da coletânea ‘Teoria Contemporânea do Cinema’ (2 vols)

Ficha do Trabalho

Título

    Paulo Emilio Salles Gomes: do Cinema Novo ao Marginal

Resumo

    No final dos anos 1960, quando a sensibilidade de 1922 retorna a todo vapor no veio tropicalista, Paulo Emilio sintoniza os tempos correntes. A guinada que respiramos em Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento dá personalidade diferencial ao ensaio. A intuição do crítico localiza, em 1973, dois eixos fortes do Cinema Marginal: a exasperação e o diálogo intertextual com o brega, ou o lixo/objeto-ruim. A formulação sobre os predicados do filme ruim brasileiro não é pensamento isolado de um texto.

Resumo expandido

    Paulo Emílio pagou seu tributo ao Cinema Novo, apesar de criticado por não haver assumido parcela de liderança. Quando estoura o Cinema Novo, Paulo Emílio estará em seu ‘front’, já como crítico maduro, com espaço de reflexão único (pela extensão e pela repercussão) em um jornal de grande circulação no país, o caderno Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo (escreve entre outubro de 1956 e dezembro de 1965). Coloca seu peso em abrigar os jovens na coluna, flexionando a crítica nesta direção (daí seu estranhamento com outro crítico do jornal, Rubem Biáfora), recebendo rapidamente reconhecimento, inclusive de Glauber Rocha. Se antes de Uma Situação Colonial? (publicado novembro 1960) os textos de Paulo Emilio possuíam perfil enciclopédico lidando com grandes retrospectivas planejadas e autores clássicos do cinema mundial, agora podem se concentrar de modo mais detido no cinema nacional. Estabelecem-se num sistema no qual a arte do cinema passa a dialogar de modo orgânico com a produção de seu tempo e seu país, assim que em outros críticos de sua geração como Antonio Cândido ou Décio de Almeida Prado. Inicia-se o caminho que desembocará, doze anos depois, em Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento/1973, fechando a carreira de Paulo Emílio na crítica e na teoria.
    No final dos anos 1960, quando a sensibilidade de 1922 retorna a todo vapor no veio tropicalista, Paulo Emilio não tem dificuldade em sintonizar nos tempos correntes. Pela contracultura, oscilando entre curtição e horror, o pulso antropofágico é incorporado no segundo fôlego do Cinema Novo (desde Terra em Transe até Macunaíma, O Dragão da Maldade, Brasil Ano 2000), sendo radicalizado em seu extremo pelo Cinema Marginal. O vendaval chega a Paulo Emilio num radicalismo que pode parecer estranho para quem olha de fora o velho crítico. Esta é a guinada que respiramos no âmago de Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento e que dá personalidade diferencial ao ensaio. Para um crítico que viveu o ambiente cinematográfico nacional dos anos 1950 o passo é largo. A novidade de Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento está no abandono progressivo (embora presente no horizonte) do contexto ideológico de corte isebiano desenvolvimentista, sustentado pelas marcas da consciência (e da má-consciência) no engajamento pela práxis política, para lidar com o outro-popular. O estímulo ao espírito tropicalista, aberto para o pop e para a absorção criativa da cultura de massa, chegando até a pornochanchada, mostra uma postura radical em Paulo Emílio, em sintonia com o novíssimo Cinema Marginal. Seu posicionamento deixa espaço para a incorporação do dialogismo intertextual debochado de uma obra como O Bandido da Luz Vermelha/1968 ou, mais ainda, em A Mulher de Todos/1969.
    A descrição cronológica de Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento vai um ponto além do Cinema Novo, não terminando no beco sem saída em que o movimento se meteu. A intuição do crítico localiza, em 1973, dois eixos fortes do Cinema Marginal: a exasperação e o diálogo intertextual com o brega, ou o lixo/objeto-ruim. O velho crítico formado por uma estética nutrida em outras gerações está espantado com a representação extrema (‘quase insuportável’) do abjeto e do horror, levada a cabo pelos Marginais. No final da carreira, em críticas e entrevistas publicadas principalmente em 1973, e também 1974/75, na sequência de Trajetória, é reafirmada e a posição de incorporar o filme ruim, realçado agora como pertinente a uma posição espectatorial ativa. É um eixo de congruência, ponto final na linha evolutiva que, em vida, vislumbrou para o cinema nacional. Ao sintonizar-se com o veio intertextual, que vem junto à incorporação do ‘filme ruim’, atrai a admiração dos jovens da Boca que estavam fazendo cinema do ‘lixo’. O tributo final ao filme ruim/boçal mostra que a verve mais ácida e criativa da crítica de Paulo Emilio permaneceu com intensidade até o final da vida.

Bibliografia

    Gomes, Paulo Emilio Salles. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. IN Paulo Emilio. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. Rio de Janeiro. Paz e Terra/Embrafilme. 1980.
    Gomes, Paulo Emilio Salles. Uma Situação Colonial? IN Gomes, Paulo Emilio Salles. Crítica de Cinema no Suplemento Literário. Vol II. Rio de Janeiro, Paz e Terra/Embrafilme, 1981.
    Gomes, Paulo Emilio Salles. Um Discípulo de Oswald em 1935. IN Crítica de Cinema no Suplemento Literário. Vol 2. Op. Cit.
    Prado, Décio de Almeida. Paulo Emílio quando jovem. IN Calil, Carlos Augusto e Machado, Maria Teresa (org.). Paulo Emilio – um intelectual na linha de frente. São Paulo, Brasiliense, 1986.
    Bernardet, Jean-Claude. Dois documentários. O Estado de S. Paulo (Suplemento Literário). 12 agosto 1961. Pg 5.
    Rocha, Glauber. Revolução do Cinema Novo (Roberto Pires 80). SP, Cosac Naify, 2004.
    Entrevista a Carlos Reichenbach, Eder Mazini e Inácio Araújo. Paulo Emilio – eu só gostava de cinema estrangeiro. Revista Cinegrafia nº1