Ficha do Proponente
Proponente
- Lúcia Ramos Monteiro (ECA-USP)
Minicurrículo
- Lúcia Ramos Monteiro é doutora em cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle Paris 3 e pela Universidade de São Paulo, onde realiza atualmente a pesquisa de pós-doutorado com financiamento da Fapesp.
Ficha do Trabalho
Título
- A longa duração em Lav Diaz: obstáculo ou deleite para a crítica?
Resumo
- Com filmes de oito ou horas, o cineasta filipino Lav Diaz é um dos pilares da propalada tendência atual do cinema independente à longa duração (DE LUCA e JORGE, 2016). Pretendo abordar a questão sob o prisma metodológico. A prevalência, na crítica, de comentários sobre a duração inabitual em detrimento de outros aspectos indicaria dificuldade metodológica ou deleite cinefílico? Como transmitir, através da reprodução de fotogramas ou trechos, a experiência da duração?
Resumo expandido
- A longa duração – de planos e filmes –, ao lado de uma sensação difusa de lentidão, vem sendo apontada pela crítica e pela academia (BALSOM, 2007; FLANAGAN, 2008; KOEPNICK, 2014; DE LUCA e JORGE, 2016) como tendência do cinema independente contemporâneo, relacionada ao uso dos suportes digitais de gravação e exibição, que minimizam as limitações técnicas ao não precisarem ater-se à metragem da película. Na realidade, a história do cinema no século XX já era pontuada por filmes longos, nos mais variados registros – Griffith, Gance, Wahrol, Rivette, Bertolucci, Bergman, Oliveira, Lanzmann, Wiseman, Sokúrov e Tarr são apenas alguns dos mais reconhecidos autores que se aventuraram em durações acima do habitual, incitando ao questionamento de parâmetros e convenções. Afinal, quanto deve durar um filme? Como afirmar objetivamente que um filme é longo, para além da impressão subjetiva de um espectador que se entedia, se distrai ou cochila durante a exibição?
A longa duração dos filmes de Lav Diaz os coloca em uma situação de ambivalência. Por um lado, trata-se de um recurso estilístico privilegiado para afirmar a marginalidade de um certo cinema, um certo cinema filipino, funcionando, em última instância, como alegoria de um tempo histórico dilatado, marcado pelos cataclismos da história nacional (a colonização espanhola, a ocupação estadunidense, a ocupação japonesa, a ditadura de Marcos). Por outro, a longa duração configura-se como um obstáculo não só no acesso a seu cinema (o que reforçaria sua posição marginal), mas para a crítica e a análise fílmica, que se “distraem” com a questão da duração ou da lentidão , deixando outras questões em segundo plano – as referências e citações cinefílicas; a forma literária dos diálogos; a relação com o teatro, a performance, a pintura, a literatura e outras artes; o tratamento da luz; a questão linguística; etc.
Depois do reconhecimento obtido recentemente nos festivais de Locarno, Veneza e Berlim, a plataforma on-line “Mubi” colocou no ar uma retrospectiva dedicada ao realizador filipino, com filmes que entram e saem de cartaz a cada mês. Mas se é difícil, em tempos de capitalismo avançado e apelos por eficiência e disponibilidade 24 horas por dia, sete dias por semana (CRARY, 2014), criar condições para passar oito ou nove horas em uma sala de cinema (em que os filmes de Lav Diaz costumam ser exibidos em um só dia, em sessões consecutivas de duas ou três horas, com pequenos intervalos), talvez mais trabalhoso ainda seja vê-los em modo solitário, no computador ou na televisão, sem maiores proteções contra a concorrência dos chamados do mundo extra-fílmico.
Esta comunicação pretende abordar a questão da longa duração na obra do cineasta filipino Lav Diaz sob uma perspectiva metodológica. Seria possível ver a prevalência, na crítica , de comentários sobre a duração inabitual em detrimento de outros aspectos como sintoma de uma dificuldade metodológica? Os filmes de Diaz parecem atualizar o paradoxo da atividade de análise fílmica, descrito por Raymond Bellour em “O texto inencontrável” (BELLOUR, 1979). De fato, como transmitir, através da reprodução de fotogramas ou trechos, a experiência da duração vivida pelo espectador na sala de cinema? Como ver, rever, recordar e “domesticar”, tal qual pretendia Truffaut (1954), uma obra “transbordante”, e que transita com dificuldade tanto pelos circuitos “oficiais” de distribuição como pelos caminhos da pirataria?
Nossa hipótese é de que os filmes de Diaz convidam ao exercício de formas alternativas de espectatorialidade, a um só tempo funcionando como obstáculo para a análise fílmica e incitando ao deleite cinefílico ligado à experiência coletiva da sala de cinema.
Bibliografia
- BALSOM, E. “Saving the Image: Scale and Duration in Contemporary Art Cinema.” Cineaction nº 72, 2007.
BELLOUR, R. “Le texte introuvable”, L’analyse du film. Paris: Albatros, 1979, pp. 35-41.
CRARY, J. 24/7: Capitalismo tardio e os fins do sono. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
DE LUCA, T., e JORGE, N. B. (eds.). Slow Cinema. Edinburgo: Edinburgh University Press, 2016.
FLANAGAN, M. “Towards an Aesthetic of Slow in Contemporary Cinema”. 16:9, 6:29, 2008, http://www.16-9.dk/2008-11/side11_inenglish.htm.
INGAWANIJ, May Adadol. “Long Walk to Life: The Films of Lav Diaz”. Afterall, nº 40, 2015.
KOEPNICK, L. On Slowness: Toward an Aesthetic of the Contemporary. New
York: Columbia University Press, 2014.
LODGE, G. “Berlin Film Review: A Lullaby to the Sorrow Mystery”, Variety, 18/2/ 2016, http://variety.com/2016/film/reviews/a-lullaby-to-the-sorrowful-mystery-review-1201710010/.
TRUFFAUT, F. “Un trousseau de fausses clefs, Alfred Hitchcock”, Cahiers du cinéma, nº 39, out. 1954, p. 51.