Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Coraci Bartman Ruiz (Unicamp)

Minicurrículo

    Mestre em Artes pela Unicamp e doutoranda do programa de Multimeios da mesma universidade, foi bolsista da FAPESP na Iniciação Científica e no Mestrado. Participou do workshop de Realização de Documentários da EICTV, em Cuba. É diretora de diversos curtas, programas para TV e um longa-metragem, exibidos e premiados em festivais no Brasil e exterior. Como diretora de fotografia, além de seus próprios filmes, assina diversos vídeos, duas séries televisivas e um longa-metragem de Renato Tapajós.

Ficha do Trabalho

Título

    Corpo e sexo: estratégias de resistência num auto-retrato gay

Resumo

    No filme “chUrchroad”, de 2016, o holandês Robin Vogel investiga a sua relação com uma das boates sexuais mais populares de Amsterdam, o Club chUrch, da qual é frequentador assíduo. Este artigo busca relacionar a narrativa construída pelo diretor à uma estratégia de resistência à norma por meio da ampliação do campo de possíveis, tomando como base as colocações do filósofo Vladimir Safatle no texto “O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo”.

Resumo expandido

    “chUrchroad” (2016) é um documentário no qual o diretor se coloca como personagem principal de uma investigação pessoal: ao fazer o filme, ele busca entender o sentido da boate gay Club chUrc para si mesmo, que é frequentador assíduo. Unindo duas pontas de sua vida, o documentarista cria uma narrativa que integra a experiência que reside “fora da norma” (a exploração do corpo e do sexo livres) ao cotidiano que se dá “dentro da norma” (o trabalho, a família, etc) – e o faz não apenas com a sua experiêcia pessoal, mas também com a de outros frequentadores do clube.
    Este é o primeiro filme de Robin Vogel, um jovem designer que vive em Amsterdã. Seus pais participaram do movimento hippie dos anos 70, de modo que ele cresceu num ambiente liberal – sua mãe, durante a entrevista, coloca que para ela teria sido difícil ter um filho racista ou machista, mas não se importa muito se ele é hétero ou gay. Mas, apesar deste contexto acolhedor, durante o filme – seja na voz over, seja nas falas dos entrevistados – medo e liberdade se confrontam. Esta tensão se coloca já nos minutos iniciais, quando a voz em primeira pessoa, ao narrar o momento em que Vogel descobre a boate, contrapõe a liberdade e a experimentação vivenciadas à dois medos – o de “se perder” naquela experiência e o de ser associado àquele universo.
    No livro “O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo”, Vladimir Safatle propõe que as sociedades são “circuitos de afetos”, afetos estes que regem as relações políticas que privilegiam (ou impõe) formas de vida hegemônicas em detrimento de outras experiências. A transformação dessas sociedades e sua abertura para “formas singulares de vida” passa, portanto, por mudanças na circulação destes afetos (Safatle, 2016, p. 16). Para o autor, o medo, que se tornou o afeto político central de nossa sociedade, é a paixão que mais eficientemente convence as pessoas a respeitarem o poder e as leis, aderirem à norma e rejeitarem a diversidade. Por isso, para ele, transformar a sociedade implica em destituir o medo de seu posto privilegiado na sociedade contemporânea.
    É possível, neste sentido, pensar o filme “chUrchroad” a partir de um esforço de deposição do medo, ato que se dá na busca de uma ampliação do campo de possíveis para estes homens gays – ou seja, a abertura de novas possibilidades para, como dizem nas entrevistas, “serem eles mesmos” em tempo integral. Se por um lado o fato de o filme existir significa que estes medos, de alguma forma, foram enfrentados (o cineasta afinal tornou pública a sua relação com a boate e manteve-se centrado o suficiente para concluir o projeto), por outro é possível encontrar, na narrativa, diferentes estratégias adotadas pelo diretor para conciliar estes dois mundos.
    Uma delas é a presença do tio de Vogel, Tom, um senhor idoso, também gay, bastante próximo do sobrinho. Ao mesmo tempo em que se torna uma ponte simbólica entre a família e a boate, ele, representante de uma geração anterior, muito mais oprimida, tem a função de revelar os avanços que a comunidade gay conquistou nos últimos anos. Em outro momento, um dos frequentadores entrevistados, sociológo, aponta para o sentido oposto. Sua reflexão é a de que os gays atualmente são mais aceitos socialmente, porém com muitos “mas”: desde que sejam discretos, de que levem uma vida “normal”, de que não sejam hipersexualizados, etc. Ou seja, uma existência baseada em condicionantes.
    Ampliar o campo de possíveis, neste filme, significa lutar contra as condicionantes, buscando dar integridade à uma experiência de vida até então cindida. E isto é, também, propor uma forma de resistência à norma que se dá no e pelo corpo. Pois, como diz Safatle, “Não será com os mesmos corpos construídos por afetos que até agora sedimentaram a nossa subserviência que seremos capazes de criar realidades políticas ainda impensadas” (Safatle, 2016, p. 29).

Bibliografia

    BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
    NICHOLS, Bill. Introdução ao Documentário. Campinas/SP: Papirus, 2005.
    RENOV, Michael. New Subjectivities: Documentary and Self-Representation in the Post-veritè Age. In The Subject of Documentary. Minneapolis: University Of Minnesota Press, 2004.
    _____________. Domestic Ethonography and the Construction of the “Other” Self. In The Subject of Documentary. Minneapolis: University Of Minnesota Press, 2004.
    _____________. Lesbian and Gay Documentary. In WAUGH, T. The Right to Play Oneself: looking back on documentary film. Minneapolis, University of Minesota Press, 2011.
    _____________. Walking on Tippy Toes. WAUGH, T. In WAUGH, T. The Right to Play Oneself: looking back on documentary film. Minneapolis, University of Minesota Press, 2011.
    SAFATLE, Vladimir. O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.