Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Erly Milton Vieira Junior (UFES)

Minicurrículo

    Erly Vieira Jr é Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ (2012). É professor do Departamento de Comunicação Social da UFES desde 2008, onde é coordenador do grupo de pesquisa Comunicação, Imagem e Afeto (CIA). Também integra o corpo docente dos programas de pós-graduação em Artes (PPGA) e Comunicação e Territorialidades (POSCOM) da mesma instituição.

Ficha do Trabalho

Título

    Desejos carnudos: corpos gordos e o háptico na pornografia gay amadora

Seminário

    Cinema Queer e Feminista

Resumo

    Este trabalho busca compreender, a partir de vídeos e gifs de pornografia gay amadora, centrados no sexo entre corpos gordos, as estratégias de envolvimento espectatorial que regem tais imagens. Discutiremos como o princípio da “máxima visibilidade”, identificado na pornografia tradicional, dá lugar a uma valorização do háptico na imagem, proporcionando ao espectador novas formas de fruição e “ressonância carnal”, tensionando assim as formas de emergência de uma sensorialidade queer nesse campo.

Resumo expandido

    Na pornografia tradicional, o estatuto do real é usualmente conferido, junto ao espectador, através do princípio da máxima visibilidade (WILLIAMS, 1989), aliado a uma performatização quase atlética do sexo, uma fetichização do close up e uma estrutura narrativa orientada para atingir o clímax com o gozo que culmina nos money shots.
    Por outro lado, a ascensão, nos últimos 15 anos, de dispositivos móveis de captação de imagens, aliada a uma valorização de certos nichos de consumo pela circulação via internet, tem permitido uma eclosão de uma produção amadora bastante variada. Nela, os pressupostos da máxima visibilidade vão, aos poucos, cedendo lugar ou ao menos se hibridizando a uma nova relação de intimidade entre espectador e imagens, cujos índices de real se dão por novas estratégias visuais, como a adoção de câmeras subjetivas, nas mãos dos próprios performers, operando como uma prótese do olhar de quem está no meio da cena. Essa proximidade da câmera, aliada a outros usos dos planos fechados/ detalhes para além dos money shots, bem como uma construção temporal mais naturalista (dada a predileção por planos-sequência), valoriza uma relação muito mais háptica junto ao espectador do que a pornografia tradicional. E essa condição é dada não só na apreciação das texturas dos corpos, filmados à flor da pele, mas também numa convocação espectatorial à propriocepção de movimentos corporais, reativados tanto pelo desejo quanto pela memória dos sentidos acerca de suas próprias experiências sensórias sexuais prévias. Assim, podemos pensar numa valorização de uma relação com a imagem que passe por uma percepção sensória ampliada, como se ela envolvesse todo o corpo do espectador, aqui concebido como “sujeito cinestésico” (SOBCHACK, 2004).
    Isso também se aproxima da afirmação de Susanna Paasonen de que nossas experiências corporais diante da pornografia se dão a partir de reações viscerais e sensações corporais – a ressonância carnal, marcada por uma apreensão espectatorial de ritmos, intensidades e movimentos dos corpos que transam. A eclosão, na atual década, em tumblrs dedicados à pornografia, de gifs animados contendo alguns segundos de frames de vídeos, em eterno looping, não só indica uma predileção de boa parte da audiência por determinados movimentos, ângulos de câmera e gestos que ativem uma propriocepção corpórea, mas também desafia, muitas vezes, a centralidade do gozo fálico nessas novas narrativas amadoras.
    Além disso, a eclosão do consumo de imagens amadoras também permitiu uma maior flexibilidade nos tipos que corpos “autorizados” a performarem o sexo diante das câmeras, permitindo uma maior presença de corpos que desafiam o padrão porn star: corpos atléticos e esbeltos, brancos, musculosos/ siliconados, passam a dividir mais espaço com corpos esguios, obesos, idosos, multiétnicos – o que, inclusive, nos faz questionar o quão queer são os ditames estéticos que regem o star system pornô hegemônico. E, em lugar de uma decupagem que valorize performances atléticas, vemos ganhar amplo espaço, nos últimos quinze anos, um conjunto de imagens cujo espaço-tempo mais naturalista e intimista aproxima o espectador médio de suas experiências sexuais usuais.
    No caso da pornografia que envolve corpos gordos masculinos, objeto central desta comunicação, podemos perceber o quanto a dimensão háptica é fundamental. Esses corpos carnudos excedem com facilidade os limites do enquadramento, e suas adiposidades têm seus micromovimentos sobrevalorizados nos planos detalhe. Tais imagens agem como potentes linhas de fuga queer, desviando o espectador da curva dramática que conduz ao gozo espetacularizado, e convocando-o a experimentar os pequenos prazeres que explodem em seu corpo na interação com outros corpos desejados. Se a decupagem “clássica” da máxima visibilidade via nas grandes barrigas um inimigo para a visualização do falo, a experiência háptica do pornô amador permite novas possibilidades de engajamento corpóreo e ressonância carnal

Bibliografia

    AHMED, Sara. Queer phenomenology: Orientations, objects, others. Durham: Duke University Press, 2006
    BALTAR. Mariana. “Atrações e prazeres visuais em um pornô feminino”. In: Significações, v. 42, n.43 (2015)
    BARKER, Jennifer. The Tactile Eye: Touch and the cinematic experience. Berkeley: University of California, 2009
    MARKS, Laura. Touch: Sensuous theory and multisensory media. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1993
    PAASONEN, Susana. Carnal resonance: Affect and online pornography. Cambridge: MIT Press, 2011.
    ________. “Grains of resonance: Affect, pornography and visual sensation”. In: Somatechnics, n. 3 (2013).
    SOBCHACK, Vivian. Carnal Thoughts: Embodiment and Moving Image Culture. Berkeley: University of California Press, 2004
    WILLIAMS, Linda. Hard Core: Power, pleasure and the frenzy of the visible. Berkeley: University of California Press, 1989
    ________. “Bodies, Gender, Genre and Excess”. In: Film Quarterly, v.44, n.4. (1991)