Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Mario Sergio Righetti (UFSCar)

Minicurrículo

    Mestrando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos-SP, com bolsa CAPES. Integrante do grupo de pesquisa ‘Cinema e Comunicação’ (CNPq), coordenado pela Profª. Drª. Josette Monzani. Produtor audiovisual; curador de cineclubes e festivais multimídias; artista visual e VJ (video jockey).

Ficha do Trabalho

Título

    A intolerável visão da carne no cinema de Gaspar Noé

Resumo

    Essa comunicação tem por objetivo refletir sobre os aspectos temático, estético e ideológico da obra do cineasta franco-argentino Gaspar Noé, mais especificamente analisar a maneira como o cineasta filma por meio de uma potencialidade plástica que evidencia a sua força imagética em um caminho batailleano transgressor, para chegar a um cinema com obsessão por uma visualidade explícita e intolerável, exibidora do corpo enquanto carne.

Resumo expandido

    Essa comunicação irá refletir sobre parte da obra do cineasta franco-argentino Gaspar Noé, tomando como objetos os filmes: Carne (1991); Sozinho Contra Todos (1998) e Irreversível (2002), para pensar mais especificamente sobre seus modos de filmagem e edição que transgridem uma estética do corpóreo para chegar a um cinema da carne, ou, na obsessão por uma visualidade explícita que exibe o corpo enquanto carne dilacerada, torturada, violada, pautada na exposição da violência, do abjeto e do excesso de acordo com as teorizações filosóficas de Georges Bataille.
    Enquanto o cineasta evoca e explora a visualidade da carne, suas imagens afetam sensorialmente o espectador, o que acaba por configurar o que supomos ser a forma empregada pelo realizador para chegar às sensações e afetos esperados no receptor, todos inscritos através do desejo comum de rasgar os limites do corpo – revelando pele e carne destroçadas – para expor a fragilidade da nossa existência corpórea profundamente finita.
    A obra de Gaspar Noé constitui uma virada do cinema francês em direção à fisicalidade explícita e gráfica, marcada pelo desrespeito às fronteiras de gênero, em uma combinação da estética do cinema de arte com táticas de choque, representando temas brutais através de técnicas que aumentam o envolvimento sensorial e afetivo do espectador e colocam em primeiro plano sua resposta, com o intuito de questionar a cumplicidade daquele nos atos de voyeurismo e desejo em torno da representação da sexualidade e da violência no cinema.
    Nesse contexto, analisaremos a vertente extremamente carnal de Noé, elencando entre seus primeiros filmes aspectos de um estilo de cinema que reconfigura uma estética do corpóreo, devido à ênfase nos gêneros do corpo, mais especificamente o horror e o pornográfico, mas que devido a seus aspectos viscerais, trágicos e angustiantes transmutam o domínio da simples corporeidade compondo uma “narrativa da carne” (PALMER, 2006), literalmente marcada por uma ênfase nos excessos batailleanos, principalmente pela predominância (nessas narrativas) da representação gráfica do sexo e da violência e da exibição das dores e sofrimentos gravados na carne e desveladores do lado instintivo e animalesco do ser humano.
    O cinema de Noé representa, enfim, uma sensação visual puramente carnal, tornando a mise en scène uma potência sonoro-visual eroticamente batailleana, atordoante e cruelmente desprazerosa, onde o excesso como materialidade expressiva tem uma força brutal para rasgar a pele do filme e dilacerar a carne do espectador, fazendo com que este sinta no próprio corpo/na carne as situações vistas na tela, quase como num “frenesi do visível” (WILLIAMS, 1989) que corrobora para provocar as reações fisiológicas desagradáveis experimentadas por ele.
    Desta forma, o realizador obriga o público a testemunhar uma imagem que “(…) excede a possibilidade do olhar, [d]aquilo que é intolerável de ver” (BATAILLE, 1987) e que pode evocar uma crise nas concepções morais e éticas do espectador por tematizar crua e repetidamente a questão da concepção, vida e morte do sujeito, sem os doces laços fraternais que a sociedade crê existir – entre outras misérias humanas.

Bibliografia

    BATAILLE, Georges. O Erotismo. Porto Alegre: L&PM, 1987. Trad. Antonio Carlos Viana.
    __________. Visions of Excess: Selected Writings, 1927-1939. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1986. Trad. Allan Stoekl.
    BEUGNET, Martine. Cinema and Sensation: French Film and the Art of Transgression. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2007.
    KENDALL, Tina. Reframing Bataille: On Tacky Spectatorship in the New European Extremism. In: HORECK, T. e KENDALL, T. (orgs.). The New Extremism in Cinema: From France to Europe. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2011.
    MARKS, Laura. The Skin of Film. Durham: Duke University Press, 2000.
    PALMER, Tim. Style and Sensation in the Contemporary French Cinema of the Body. In: Journal of Film and Video, Vol.58, No.3, Set/2006, pp. 22-32.
    SHAVIRO, Steven. The Cinematic Body. Minneapolis: Minnesota Press, 1993.
    WILLIAMS, Linda. Hardcore: Power, Pleasure and the ‘Frenzy of the Visible’. Berkeley: University of California Press, 1989.