Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Marcelo Carvalho da Silva (UFRJ)

Minicurrículo

    Doutor e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação da UFRJ. Especialista em Arte e Filosofia pela PUC-Rio e em Comunicação para o Terceiro Setor pela Ucam-Rio. Bacharel em Cinema e em Jornalismo pela UFF. Um dos autores dos livros Cinema/Deleuze (editora Papirus) e L’idiot du village mondial: les citoyens de la planète face à l’explosion des outils de communication. Co-diretor do filme Chão de Estrelas.

Ficha do Trabalho

Título

    Os filmes e os escritos de P. P. Pasolini: entre a teoria a poética

Seminário

    Teoria dos Cineastas

Resumo

    P. P. Pasolini assumiu como tarefa não apenas exercer a práxis cinematográfica, como também a teoria do cinema. Em acordo com o que J. Aumont caracterizou como “teorias dos cineastas” (2004), e reverberando discussões levantadas neste ST na Socine de 2016, perguntamo-nos se o pensamento de Pasolini expresso em filmes deveria ser considerado uma poética ou uma teoria: em quais sentidos tais instâncias se distanciariam e/ou se imbricariam?

Resumo expandido

    Pier Paolo Pasolini foi um cineasta que assumiu como tarefa não apenas exercer a práxis cinematográfica, como também a teoria do cinema. Em acordo com o que Jacques Aumont caracterizou como “teorias dos cineastas” (2004), e reverberando discussões levantadas neste ST na Socine de 2016, perguntamo-nos se o pensamento de Pasolini expresso em filmes deveria ser considerado uma poética ou uma teoria. Indo um pouco além: o que diferenciaria a “teoria filmada” de um cineasta de sua teoria escrita? Em quais sentidos uma poética e uma teoria se distanciariam e/ou se imbricariam: a diferenciação se daria pela amplitude de “aplicabilidade”, se circunscrita à obra do cineasta ou se abarcaria questões de fundo do cinema?

    Em seus textos dedicados ao cinema, reunidos na coletânea Empirismo herege (1982), Pasolini trabalha a distinção entre “cinema” e “filme” que remete, respectivamente, à diferenciação advinda da linguística entre langue e parole. O filme (audiovisual) existe, mas apenas enquanto possibilidade concreta da instância abstrata “cinema” (espaço-temporal). Por outro lado, tal caráter abstrato não seria impedimento para que o cinema seja expressão da “realidade” (física e social). Pasolini contesta, assim, que o cinema seja representação ou cópia da realidade, sendo a própria “realidade”. Daí a complexidade de sua ”teoria do plano-sequência”, onde demonstra que a infinitude da “realidade” rebate-se de maneira reduzida num plano-sequência ideal subjetivo, “limite realista máximo de qualquer técnica audiovisual” (Pasolini, 1982: p. 193). Sua teorização escrita redunda na inscrição da “realidade” (o Ur-código) na langue cinematográfica. Tal teorização, de caráter ontológico/semiológico, refere-se à natureza de qualquer filme, não tendo ligações específicas com os filmes do cineasta.

    Por outro lado, a concepção pasoliniana de cinema de poesia como irrupção de “elementos irracionais, oníricos, elementares e bárbaros” (Pasolini 1982: p. 141) na imagem cinematográfica propiciaria a constituição do cinema como subjetiva indireta livre na dupla identificação estilística (do cineasta que faz sentir a câmera) e dramatúrgica (o personagem “afetado”). Parte substancial da obra fílmica de Pasolini dialoga diretamente com o cinema de poesia – como Gaviões e passarinhos (1966), Pocilga (1969), Medeia (1969), Édipo rei (1967), O evangelho segundo São Mateus (1964) etc., a partir de temas e tratamentos estilísticos como a questão do sagrado em contextos mundanos e escatológicos, do sexo como potência libertadora ou como imposição fascista, dos atravessamentos de universos dramatúrgicos diferenciados, das estratégias e dos discursos do lumpesinato etc. Depreenderíamos de tais temas e procedimentos estilísticos pasolinianos uma extensão filmada de sua teoria ou uma poética?

    Aristóteles (2003) define a poética como um método de discurso segundo os elementos operadores desse método (no caso, na tragédia grega). Em adição, um autor (não apenas em literatura, mas também no cinema) pode ser caracterizado pela sua poética, por suas inflexões e torções particulares, assim como pelo repertório temático e estilístico utilizado. A poética de um autor é uma política e uma práxis de criação, na qual poderíamos, inclusive, identificar os critérios utilizados por Aumont (coerência, novidade e aplicabilidade (2004)) para identificar uma teoria de cineasta. Por outro lado, se a teoria escrita pressupõe instâncias como a elaboração de hipóteses, o desenvolvimento de argumentação a partir de dados verificáveis, o trabalho com reflexão e/ou conceitos etc., é o próprio Aumont quem identifica que uma teoria retirada das imagens seria diferente de uma teoria escrita, já que não é “a definição da teoria por critérios externos que designará os cineastas teóricos, mas, antes, os critérios internos” (AUMONT, 2004: p. 10). Mais do que conclusões, esta proposta deseja compartilhar dúvidas e fomentar discussões acerca dos limites e potencialidades das teorias dos cineastas.

Bibliografia

    AMOROSO, Maria Betânia. Pier Paolo Pasolini. São Paulo: Cosac Naify, 2002.
    ARISTÓTELES. Poética. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2003.
    AUMONT, Jacques. As teorias dos cineastas. Campinas: Papirus, 2004.
    BARROSO, Miguel Angel. Pier Paolo Pasolini – La brutalidad de la coherencia. Madrid: Ediciones Jaguar, 2000.
    CARVALHO, Marcelo. “Do cinema aos filmes: a semiologia geral da realidade de Pier Paolo Pasolini”. In: PENAFRIA, Manuela et al. Ver, ouvir e ler os cineastas: Teoria dos cineastas – vol. 1. Covilhã, Portugal: Editora LabCom.IFP, 2016.
    MARTINET, André. Elementos de linguística geral. São Paulo: Martins Fontes, 1978.
    PASOLINI, Pier Paolo; RAGO, M.; CALVINO, Ítalo; SERENI, V. et al. Diálogos com Pier Paolo Pasolini – escritos (1957/1984). São Paulo: Nova Stella, 1986.
    PASOLINI, Pier Paolo. Écrits sur le cinéma – petits dialogues avec les films (1957-1974). Paris : Cahiers du Cinéma, 2000.
    __________. Empirismo herege. Lisboa: Assírio e Alvim, 1982.