Ficha do Proponente
Proponente
- Marcelo Dídimo Souza Vieira (UFC)
Minicurrículo
- Marcelo Dídimo é Mestre e Doutor em Multimeios / Cinema pela Universidade Estadual de Campinas, onde pesquisou O Cangaço no Cinema Brasileiro, livro publicado em 2010. Recentemente, realizou Estágio Pós-Doutoral no Deparamento de Estudos sobre Cinema da Columbia University, NY. Atualmente, é Professor Adjunto do Curso de Cinema e Audiovisual e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará.
Ficha do Trabalho
Título
- Gênero e Autoria: Algumas Reflexões entre o Western e o Cangaço
Resumo
- Estabelecer uma relação entre gênero e autoria não é uma tarefa fácil. Os teóricos costumavam dizer que não há possibilidade de existir autoria no cinema comercial, principalmente em gêneros, e especialmente em Hollywood. O gênero é uma fórmula que se repete, e a repetição às vezes pode se tornar entediante, por isso a variação se faz necessária. E é na variação que os realizadores encontram uma forma de revisitar o mesmo assunto, o mesmo gênero, criando uma abordagem diferente, única e pessoal.
Resumo expandido
- Estabelecer uma relação entre gênero e autoria não é uma tarefa fácil, já que quando o assunto é autoria no cinema, a primeira coisa que vem à mente é a Politique des Auteurs (Política dos Autores, tradução livre), estabelecida pelos jovens entusiastas franceses da Cahiers du Cinema nos anos 1950. De acordo com eles, os autores de filmes devem ser como pintores ou escritores, realizando trabalhos de expressão artística pessoal: la camera stylo. A Politique causou controvérsias e fez com que críticos e teóricos se revelassem a favor ou contra a autoria, causando certo desconforto no campo cinematográfico e gerando discussões sobre alta e baixa cultura, filmes de arte e cinema comercial.
Um dos criadores da Cahiers, o crítico André Bazin, argumentou que “já que o cinema é movimento, o Western é cinema por excelência” (BAZIN, 2005, p. 141, tradução livre) e teceu diversos elogios ao gênero e seus diretores, especialmente Ford e No Tempo das Diligências. Ainda assim, a questão referente a gênero e autoria sempre foi um campo bastante controverso e polêmico. Considerar que um filme possui a assinatura de seu autor como o único criador é inimaginável no cinema, pois a arte cinematográfica é um trabalho coletivo que envolve muitos profissionais trabalhando em áreas diferentes, mas com um único propósito, a obra audiovisual. Entretanto, é possível identificar um estilo específico em certos realizadores e seus trabalhos, o que reforça a ideia de que a autoria é possível, apesar do envolvimento de toda uma equipe na realização de um filme. Afinal, nós sabemos e reconhecemos o trabalho e estilo de realizadores como Kurosawa, Fellini, Bergman, Hitchcock, Almodovar, Kubrick, entre tantos outros.
Os teóricos costumavam dizer que não há a possibilidade de existir autoria no cinema comercial, principalmente em gêneros e especialmente em Hollywood. O gênero é uma fórmula que vende, um protótipo que a indústria usa para vender um certo tipo de filme que possui grandes públicos e gera lucros exorbitantes. Se o gênero tem essa característica, como pode um realizador fazer um filme autoral sem prejudicar a indústria? Essa é exatamente a questão. O gênero é uma fórmula que se repete, e a repetição às vezes pode se tornar entediante. O público anseia por coisas novas, “a variação é absolutamente necessária para evitar que o protótipo se torne estéril; nós não queremos ver o mesmo filme repetidas vezes, apenas o mesmo formato” (WARSHOW apud ALTMAN, 1999, p. 21, tradução livre).
Jim Kitses, em seu livro Horizons West, tenta provar a comunhão entre gênero e autoria. Kitses analisa seis diretores que ele considera autores dentro do gênero: John Ford, Anthony Mann, Budd Boetticher, Sam Peckinpah, Sergio Leone e Clint Eastwood. “Ainda assim, ao pesquisar o trabalho desses realizadores, é difícil escapar da conclusão de que cada um encontrou no gênero uma tela na qual eles podiam retornar diversas vezes, onde eles podiam criar um mundo único, e sim, uma visão pessoal.” (KITSES, 2007, p. 10)
Entre esses autores, está Sam Peckinpah. Entre os Westerns que o realizador fez, ele deixou sua marca no gênero trabalhando uma visão crítica e política da conquista do Oeste, e imprimiu uma estética diferente e estilo único. “Uma alma conflituosa em personalidade e ideologia, metade clacissista, metade modernista, Peckinpah estava idealmente posicionado para emergir como um gigante pós-modernista do gênero” (KITSES, 2007, p. 202, tradução livre).
No Brasil, Glauber Rocha deixou sua marca no gênero Cangaço, pois tentou “manter vivo o projeto de um cinema de autor com uma inflexão política, inserido no combate ao neocolonialismo e à hegemonia cultural dos países centrais do capitalismo” (XAVIER, 2004, p. 15). O propósito aqui não é comparar o trabalho dos dois realizadores, mas perceber que quando o assunto é autoria, cada um deu sua valiosa contribuição aos gêneros nos quais eles desenvolveram, com um ponto de vista único: crítico, político e estético.
Bibliografia
- ALTMAN, Rick. Film/Genre. London: British Film Institute, 1999.
BANDY e STOEHR, Maria Lea e Kevin. Ride, Bodly Ride. Califórnia: University of Califórnia Press. 2012.
BAZIN, André. What is Cinema, Vol. II. California: University of California Press, 2005.
BERNARDET, Jean-Claude. Brasil em tempo de cinema. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1977.
FRENCH, Phillip. Westerns. New York: The Viking Press. 1973.
KITSES, Jim. Horizons West. London: BFI. 2007.
MATTOS, Antônio Carlos Gomes de. Publique-se a lenda: a história do western. Rio de Janeiro: Rocco, 2004.
NEALE, Steve. Genre and Hollywood. London: Routledge. 2000.
RAMOS, Fernão Pessoa (Org.). História do cinema brasileiro. São Paulo: Art Editora, 1987.
SAUNDERS, John. The Western Genre. London: Wallflower Press. 2006.
SIMMON, Scott. The Invention of the Western Film. Cambridge: Cambridge University Press. 2003.
XAVIER, Ismail. Sertão mar: Glauber Rocha e a estética da fome. São Paulo: Editora. 1983.