Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Patricia Furtado Mendes Machado (PUC-RJ)

Minicurrículo

    Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com passagem pela Université Sorbonne Nouvelle Paris III. Professora de Edição da PUC-RJ. Já publicou capítulos de livros e artigos sobre as relações do documentário com a história, memória e ditadura militar.

Coautor

    Thais Blank (FGV/CPDOC)

Ficha do Trabalho

Título

    Imagens de um casamento: o cinema doméstico sob a ditadura militar.

Seminário

    O comum e o cinema

Resumo

    O objetivo é investigar as dimensões do público e do privado em filmes domésticos realizados na ditadura militar. Como as imagens do casamento dos militantes Inês Etienne e Jarbas Marques. Única sobrevivente de um centro clandestino de tortura, Inês saiu do presídio por algumas horas. A cerimônia foi filmada por um cinegrafista amigo da família. As películas permaneceram guardadas por décadas. Baseadas na metodologia de Sylvie Lindeperg, propomos recuperar a história da fabricação dessas imagens

Resumo expandido

    Na tarde chuvosa de 26 de novembro de 1975, sob a vigência da ditadura militar brasileira (1964 -1985), os presos políticos Inês Etienne Romeu e Jarbas Silva Marques chegavam em um camburão da Polícia Militar escoltado por viaturas do Departamento de Ordem Política e Social (Social), no antigo Palácio da Justiça, no Rio de Janeiro. Eles haviam deixado a prisão por algumas horas porque se casariam naquele dia. O casamento era uma estratégia para proteger a integridade física de Inês, que corria risco de morte na prisão.
    Inês, única sobrevivente de um dos centros de torturas mais cruéis da ditadura, a Casa da Morte em Petrópolis, havia sido condenada à prisão perpétua em 1971. Jarbas deveria cumprir sete anos de pena. A cerimônia do casamento foi filmada por um amigo da família. A princípio, são imagens banais em que parentes sorriem, se abraçam, os noivos trocam alianças e se beijam. No entanto, analisando os detalhes das imagens, verificamos as tensões daquele momento impressas nos fotogramas. Gravado com uma câmera amadora Super 8, o rolo de filme ficou guardado e chegou ao nosso conhecimento mais de quarenta anos depois de filmado. Esses fragmentos sobreviventes do passado nos incitaram a colocar questões sobre a produção, o armazenamento e o uso de filmes amadores que sobreviveram ao período da ditadura militar brasileira.
    Trata-se de raros registros, filmes domésticos realizados no âmbito do espaço privado que encarnam uma dimensão pública e política quando conhecemos seus contextos de produção. Para recuperar a história desses filmes adotamos como procedimentos primordial de pesquisa a noção de “cruzamento de arquivos” proposta pela historiadora francesa Sylvie Lindeperg, que consiste em desvendar a história da fabricação das imagens a partir do cruzamento de diferentes documentos produzidos em sua órbita; da realização de entrevistas com os personagens envolvidos na filmagem; e da reconstituição do momento da tomada. Aplicaremos essa metodologia de pesquisa para escavar e revelar imagens que encarnam os conflitos da história política brasileira.
    Os anos 1920 foram os primeiros anos de expansão do cinema amador, momento em que as câmeras voltadas exclusivamente para o uso doméstico foram lançadas no mercado. No entanto, a década de 1960 se tornou o marco da popularização da tecnologia doméstica cinematográfica. Nesse ano foi lançado o sistema de gravação e projeção em Super 8, que democratizou o acesso aos equipamentos e abriu as portas para um fenômeno que foi, a partir de então, aprofundado pelas futuras tecnologias.
    No universo acadêmico, nos anos 1990, o pesquisador Roger Odin chamou atenção para o fato de que o cinema amador vinha sendo esquecido da história e das reflexões que se desenvolveram no campo cinematográfico. No universo artístico, desde o final dos anos 1980 as imagens realizadas por câmeras amadoras têm sido incorporadas pelos documentaristas com objetivos variados. Filmes como Mort a vignole (1998), de Oliver Smolders, The future in behind you (2004), de Abigail Child, Person (2007), de Marina Person, Já visto, jamais visto (2013), de Andrea Tonacci e a obra de Péter Forgács são alguns exemplos de documentários de arquivo que retomam filmagens familiares para construir narrativas históricas ou individuais.
    Reconhecendo a importância dos filmes familiares, esses objetos misteriosos, fragmentos dispersivos onde encontramos ações do cotidiano e da intimidade, nos perguntamos de que modos podem ser usados, reapropriados e, nessa trajetória, produzir sentidos políticos e históricos. A ditadura militar brasileira ainda é um período sombrio, lacunar, cujas histórias de pessoas comuns estão por ser contadas. Entendemos que, mais do que um filme de celebração de união, um registro raro como o do casamento de Inês Etienne e Jarbas, por exemplo, é um testemunho de seu tempo histórico e das tensões políticas que atravessavam também a intimidade dos brasileiros.

Bibliografia

    BLANK, Thais. Da tomada à retomada: origem e migração do cinema doméstico brasileiro. Rio de Janeiro: 2015, UFRJ/Paris 1.
    LINDEPERG, Sylvie. La voie des imagens: quatre histoires de tournage au printemps-été 1944. Paris: Editions Verdier, 2013
    LINDEPERG, S. Nuit et Brouillard: un film dans l’histoire. Paris: Odile Jacob, 2007.
    __________. Clio de 5 à 7. Les actualités filmées de la Libération : archives du future Paris: CNRS Éditions, 2000.
    ___________. Les écrans de l’ombre. La seconde Guerre mondiale dans le cinéma français (1944 – 1969). Paris: CNRS Éditions, 1997
    ODIN, R (org.). Le film de famille: usage privé, usage public. Paris: Méridiens Klincksieck, 1995.
    MACHADO, Patrícia. Imagens que restam: a tomada, a busca dos arquivos, o documentário e a elaboração de memórias da ditadura militar brasileira. Tese Comunicação e Cultura UFRJ, 2016.
    ZIMMERMANN, P. Reel families: a social history of amateur film. Indianapolis: Indiana University Press, 1995.
    ____________; ISHIZUKA, K. (org)