Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Daniel Brandi do Couto (UFJF)

Minicurrículo

    Formado em Jornalismo pela UFJF e Mestrando em Cinema e Audiovisual (PPGACL – IAD/UFJF), possui como campo de interesse em pesquisa o cinema documentário brasileiro contemporâneo e seus vértices com a encenação. Tem experiência na área audiovisual, em especial no telejornalismo e na produção audiovisual para cinema e televisão. Atua como montador de curtas e documentários há mais de 10 anos. Como realizador, recentemente dirigiu o curta “Barbante” e o documentário “Primeiro Ensaio”.

Ficha do Trabalho

Título

    Documentário brasileiro, invisibilidade e encenação

Resumo

    O presente artigo investiga a opção do uso da encenação no documentário ‘Juízo’ (Maria Augusta Ramos, 2007). Discute-se a intervenção da diretora não somente como forma de lidar com uma imposição legal no registro de jovens infratores, mas como estratégia capaz de potencializar o registro da realidade, dando visibilidade a uma parcela da população marginalizada pelo sistema e retratada em diferentes condições pelas narrativas audiovisuais brasileiras contemporâneas.

Resumo expandido

    O fazer documentário e o uso da encenação caminham lado a lado desde o surgimento dos filmes documentais. Seja nos primórdios do cinema, como as obras dos irmãos Lumière, ou no precursor do gênero, Nanook do Norte (1927, Flaherty), a encenação já se fazia presente nas repetidas tomadas de ‘A saída dos funcionários da Fábrica’ (1895, Irmãos Lumière) ou nas estratégias empregadas por Flaherty, que segundo Da-Rin (2004), incluíam a substituição de personagens por atores, a encenação de hábitos não mais praticados pela família de Nanook, dentre vários outros recursos que evidenciam o uso desta como estratégia no fazer cinematográfico de caráter documental.

    Assim, é possível confirmar que o uso de recursos fílmicos que acreditamos que o senso comum tende a atribuir como pertencentes apenas ao campo do cinema de ficção, se faz presente no cinema-documentário desde seus primeiros registros. Conforme pontua Ramos (2008, p. 25-26), “Querer negar este estatuto do documentário enquanto narrativa, alegando, por exemplo, a existência de encenação ou outra estratégia é desconhecer a tradição do documentário”.

    Ainda de acordo com Ramos (2008), a encenação pode ser dividida em 3 diferentes tipos: a encenação construída, a encenação locação e a encenação direta. Na primeira, estão abrigadas as situações ficcionalizadas que são feitas fora do mundo cotidiano em que os personagens estão inseridos. Nela, se enquadram as dramatizações em estúdio e outros tipos que se distanciam espacial e temporalmente do mundo registrado pelo documentarista. Já o segundo tipo, abriga a encenação que acontece na locação: o diretor pede para que o personagem interprete determinada situação, com o objetivo de registrar uma característica, hábito ou trejeito. A última se refere a encenação direta, um tipo de encenação não negociada previamente, mas que é despertada nos indivíduos pelo simples fato de terem conhecimento de estarem sendo filmadas. Tal fenômeno é também atribuído por Comolli (2008) como “auto-encenação”.

    Tendo em vista que a representação de menores infratores ou pessoas em condições de vulnerabilidade e risco social é apresentada na grande parte dos documentários brasileiros contemporâneos – e também pelo mass-media – de forma a proteger suas identidades com recursos que passam pela pós-produção (como o desfoque do rosto e alteração do timbre de voz) à artifícios feitos na própria locação – vide o uso de fotografia em contra-luz, vestimentas que protegem o rosto etc – discutir a relação entre o uso da encenação e a possibilidade de conferir visibilidade a personagens documentados que se encontram em situação de risco social nos permite apontar novas perspectivas que caminham para uma proposta mais humanizada no registro audiovisual destes, objetivo deste artigo.
    Ao revelar traços físicos, étnicos, trejeitos e discursos dos não-atores e apresentar fragmentos de seus cotidianos no final do filme (registrando-os em suas comunidades, condições de moradia e outros aspectos que configuram uma situação marginalizada), Maria Augusta toca em nossa hipótese, dando voz e tornando visível a classe social retratada, mesmo que através da encenação.
    É possível discutir que mesmo diante do leque de possibilidades dos recursos de pós-produção (ou locação) citados anteriormente, o uso da encenação, neste caso, contribui no sentido de humanizar os personagens e dar visibilidade a classe social a que estes pertencem. A subjetividade das escolhas da diretora, acabam por potencializar as camadas registradas para além do tribunal. São evidenciados a potência dos fatos, mas, sobretudo, das histórias daqueles que não puderam ser registrados fisicamente.

Bibliografia

    SOARES, L.S. Cabeça de Porco. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005; CERQUEIRA, Monique Borba. Pobres, resistência e criação. São Paulo: Cortez, 2010; COMOLLI, Jean-Louis. Ver e Poder: a inocência perdida. Cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008; DA-RIN, Silvio. Espelho Partido. Rio de Janeiro: Azougue, 2004; FELDMAN, Ilana. Jogos de cena: ensaios sobre o documentário brasileiro contemporâneo. Tese (Doutorado em Comunicação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012; GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes. 2014; HILL, John. Blurring ‘the distinction between fact and fiction’. Londres: Palgrave Macmillan. 2011; RAMOS, Fernão Pessoa. Mas, afinal… O que é mesmo documentário? São Paulo: Editora SENAC, 2008; RANCIÉRE, Jacques. Espectador emancipado. Lisboa: Orfeu Negro. 2010 …