Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Elcio Silva Nunes Basilio (UAM)

Minicurrículo

    Doutorando em Comunicação (Audiovisual) pela Universidade Anhembi Morumbi, possui mestrado em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2014) e graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (2010). Atua na área de cinema, tendo dirigido seis curtas-metragens e um videoclipe. Atualmente desenvolve pesquisa em torno do cineasta francês Philippe Garrel com o apoio da bolsa CAPES.

Ficha do Trabalho

Título

    O erotismo em “Um estranho no lago”

Resumo

    Investigar o erotismo no longa “Um estranho no lago” a partir da obra de Georges Bataille.
    Através da crítica e de depoimentos do roteirista e diretor Alain Guiraudie, analisar aspectos do enredo que remetam a Bataille, cujo pensamento ressalta a relação entre Eros (pulsão libidinal) e Tânatos (pulsão de morte); a sensualidade do ato transgressor em contraposição à regulação corporal dos Interditos.
    A encenação da nudez como postura estética engajada e a representação democrática dos corpos.

Resumo expandido

    Não foram poucos os espectadores de “Um estranho no lago” que viram no longa similitudes com o pensamento de Georges Bataille. Por mais que a princípio a referência não tenha sido consciente, o diretor e roteirista Alain Guiraudie confirma em entrevista: “Eu acho que seria um exagero dizer que Bataille é a origem do roteiro. A famosa frase ‘o erotismo é a aprovação da vida até na morte’ me pegou em cheio quando muito tempo atrás eu a li. Eu a tinha esquecido, depois na pré-produção do filme eu me dizia que a frase teve um efeito subterrâneo. E me dei conta que havia outros aspectos do pensamento de Bataille que iam de acordo com as minhas preocupações: a maneira de sobrepor as questões eróticas, a política e da economia, no sentido amplo”.
    Introduziremos brevemente o pensamento do escritor francês para entender este diálogo com o filme. Aproveitando a aproximação dos conceitos freudianos de Eros (pulsão sexual) e Tânatos (pulsão de morte), Bataille desenvolve a sensualidade do ato transgressivo, o interdito representa a ordem, já a transgressão é o momento da exceção, de novas disposições, da criação, do sensualismo, e, ao mesmo tempo, do perigo extremo, pois todas as leis estão suspensas.
    No longa-metragem, por sua vez, acompanhamos Franck, jovem que passa suas tardes de verão num lago nudista. O protagonista, como os outros frequentadores, todos homens, vai até o local não só para nadar e se bronzear, mas também em busca de encontros fugazes. Ele acaba fazendo a amizade com o recatado Henri, cuja companhia o agrada. Franck não demora a notar Michel, um tipo atlético e viril; os dois flertam, mas Michel já está envolvido com outro rapaz, o que não impede Franck de segui-lo, até que em um fim de tarde ele testemunha de longe Michel afogando o seu parceiro. Não tarda para que a polícia passe a rondar o local, entretanto, a repulsa causada pelo homicídio não é o suficiente para que Franck denuncie Michel, pelo contrário, a atração pelo assassino parece aumentar. Os dois iniciam uma relação física simultaneamente à investigação policial do crime ocorrido.
    Quanto mais Franck se aproxima do amado, mais ele coloca sua vida em risco, é o que o enredo parece nos dizer, novamente lembramos de Bataille: “As chances de sofrer são tão grandes que só o sofrimento revela a inteira significação do ser amado. A posse do ser amado não significa a morte; ao contrário, a sua busca implica a morte. Se o amante não pode possuir o ser amado, algumas vezes pensa em matá-lo: muitas vezes ele preferiria matar a perdê-lo. Ele deseja em outros casos sua própria morte”.
    Se as teorias do filósofo francês por si só já costumam levantar grandes polêmicas, o filme de Guiraudie não é menos provocativo. Ao longo de toda a película temos cenas de nudez, inclusive cenas de sexo explícito, aqui o recente trabalho de Rodrigo Gerace (Cinema explícito, 2015) nos ajudará a compreender a ideia do obsceno no cinema.
    Guiraudie, todavia, não é um provocador barato, sua representação do universo homossexual masculino é única e esboça um pensamento próprio desta comunidade, recorrendo mais uma vez às palavras do diretor: “Eu queria que ele [o sexo] fosse mostrado sem ostentação. Em um mundo onde a maioria das crianças de 10 anos já viram, por acaso ou voluntariosamente, imagens pornográficas na internet, antes mesmo de iniciarem uma vida sexual ativa, me parece urgente redescobrir o sexo inscrito nos diálogos, na sedução, no amor.”
    Pela fala do cineasta, podemos inferir uma postura estética engajada, e por que não ver na nudez constante do filme uma postura política? O nu frontal masculino continua sendo um tabu nas salas de cinema, o corpo do homem ainda foi pouco explorado pelo cinematógrafo, e para tanto não é necessário incorrer no fetichismo. O crítico Jean-Sébastian Chauvin faz um belo comentário sobre como Guiraudie filma os corpos de jovens, velhos, sarados ou sedentários, todos da mesma forma, “é um gesto igualitarista que refuta a hierarquia dos corpos”.

Bibliografia

    BATAILLE, G. As lágrimas de Eros. Lisboa: Sistema Solar, 2012.

    ______. O Erotismo. São Paulo: Autêntica, 2013.

    CHAUVIN, J.S. La compagnie des hommes. Cahiers du Cinéma, Paris, nº 690, pp. 48-53, junho de 2013.

    FREUD, S. Além do princípio do prazer. In: ______. Obras Completas Volume 14. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. pp.161-251.

    GERACE, R. Cinema Explícito. São Paulo: Perspectiva, 2015.

    GUIRAUDIE, A. Entretien avec Alain Guiraudie. Paris, 2013. Entrevistado por Hélène Frappat.

    MURARI, L.; NAGIME, M. New Queer Cinema: Cinema, Sexualidade e Política. São Paulo: Caixa Cultural, 2015.