Ficha do Proponente
Proponente
- Laécio Ricardo de Aquino Rodrigues (UFPE)
Minicurrículo
- Doutor em Multimeios pela Unicamp e professor adjunto do Departamento de Comunicação Social da UFPE
Ficha do Trabalho
Título
- Pela reabilitação da entrevista na prática documentária – parte 3
Resumo
- A proposta dialoga com os trabalhos apresentados nos últimos encontros e integra uma reflexão ampla que visa contextualizar o lugar da entrevista no documentário contemporâneo. Primeiramente, a partir de um recorte histórico, mensuramos o esvaziamento deste expediente; na segunda parte, analisamos algumas obras que investem num emprego renovado da entrevista. Nesta 3a etapa, cabe problematizar a montagem como etapa que deveria restituir, em vez de destruir, a fulgurância dos encontros na tomada.
Resumo expandido
- A investigação aqui proposta integra um projeto de pesquisa aprovado no âmbito do Departamento de Comunicação Social da UFPE e intitulado “Do encontro previsível à cena revigorada – a entrevista no documentário contemporâneo”. Trata-se de um estudo que almeja reavaliar o expediente da entrevista na prática documentária, a partir do exemplo de alguns filmes recentes que desafiam o seu emprego convencional – entrevistador e personagem posicionados em zonas de conforto, integrando uma cena que não solicita engajamento político por parte do espectador (Rancière, 2011).
Na primeira apresentação, nos dedicamos a uma contextualização da emergência e consagração da entrevista na prática documentária, e apontamos o posterior esvaziamento deste expediente, em virtude do seu emprego precário pela televisão e também por cineastas menos criativos. Diretores que preferem abdicar das tomadas onde a duração é um valor inalienável e converter seus interlocutores em “talking heads”.
Na segunda parte da investigação, apresentamos uma análise de algumas obras recentes que investem em outras possibilidades de emprego da entrevista, contribuindo assim para reabilitar a potência dos encontros na tomada. À ocasião, destacamos duas vertentes fílmicas importantes: as obras que, ao lançar mão de dispositivos que propõem partilhas enunciativas e uma abertura no controle, terminam por renovar as condições e protocolos da entrevista; e os filmes que, frente o “apelo realista” que caracteriza a produção audiovisual recente e intensificando práticas reflexivas, preferem problematizar o antecampo, os bastidores e as negociações que presidem a produção de qualquer registro, questionando a imagem (inspirando dúvidas) e explicitando as relações de poder que permeiam o gesto criativo e o ato da entrevista.
Cabe agora, nesta terceira e última parte, repensar o lugar da montagem e as consequências de uma edição responsável e/ou deletéria para amplificar ou negligenciar os resultados obtidos na filmagem, gesto que pode implicar num maior ou menor respeito em relação aos sujeitos que estiveram em cena partilhando suas experiências, bem como numa maior ou menor liberdade para o espectador no decorrer da sessão. Se todo trabalho de edição implica em seleções e cesuras inevitáveis, é preciso discernir entre as práticas de montagem que se esforçam por minimizar as perdas, valorizando a intensidade do que foi vivido no set e concedendo ao espectador a possibilidade de julgar sem ser conduzido por manipulações excessivas, das edições que promovem interferências regulares e reconstroem os sentidos ao sabor da vontade do diretor. Duração e ambiguidade, de um lado; onipotência do montador, de outro. Se os sujeitos em cena solicitam tempo para revolver suas memórias e articular suas respostas, também o espectador carece de tempo para delinear seu percurso no decorrer da obra.
Em alguns de seus ensaios, Comolli (2008) nos alerta que os sujeitos solicitados pelos cineastas em cena têm ciência de que o encontro firmado pode facilmente resultar em traição. Não somente porque o diretor pode não manifestar interesse real por aquilo que o outro tem a dizer, convertendo a entrevista em rápida enquete; mas também porque o trabalho de edição reiterado pela grande mídia, e por um cinema menos comprometido com a alteridade, implica sempre em redução, concisão, perda, distorção, menosprezo. Desespero do lado de cá do quadro, mas também do outro da tela, pois o logro na edição não maltrata apenas o entrevistado; implica também em desprezo pelo espectador, que precisa se esquivar dos discursos fechados articulados por este tipo de montagem e lidar com fatias de experiência reduzidas para entender dramas complexos. Dupla derrota. Como evitá-la? Este é o tema que pretendemos aprofundar.
Bibliografia
- AMIEL, Vincent (2011), Estética da montagem, Lisboa: Edições Texto e Grafia.
ARFUCH, Leonor (1995), La entrevista, una invención dialógica, Barcelona: Paidós.
BERNARDET, Jean Claude (2003), Cineastas e imagens do povo, São Paulo: Companhia das Letras.
COMOLLI, Jean-Louis (2008), Ver e poder – A inocência perdida: cinema, televisão, ficção, docu-mentário, Belo Horizonte: Editora UFMG.
DIDI-HUBERMAN, Georges (2013), A imagem sobrevivente – História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg, Rio de Janeiro: Contraponto Editora.
MEDINA, Cremilda de (2001), Entrevista – o diálogo possível, 4ª edição, São Paulo: Editora Ática.
RANCIÈRE, Jacques (2010), O espectador emancipado, Lisboa: Orfeu Negro.
SARLO, Beatriz (2007), Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva, São Paulo: Com-panhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG.
TEIXEIRA, Francisco Elinaldo (2015). O ensaio no cinema. São Paulo: Hucitec.