Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Fernando Morais da Costa (UFF)

Minicurrículo

    Fernando Morais da Costa é professor do Departamento de Cinema e Vídeo e do PPGCINE da Universidade Federal Fluminense. Autor de O som no cinema brasileiro (Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008) e organizador de Som + Imagem (Rio de Janeiro: 7 Letras, 2012). É membro da Socine desde 2001 e foi coordenador do Seminário Temático por dois mandatos.

Ficha do Trabalho

Título

    Vozes e sons ambientes sobre telas azuis, negras, imagens fixas

Seminário

    Teoria e Estética do Som no Audiovisual

Resumo

    Há um conjunto de filmes, entre menos recentes ou mais, que carrega uma particularidade: eles põem nas telas um mínimo de imagens e, ao mesmo tempo, sonorizações elaboradas. Filmes cujas imagens se resumem a uma tela azul, como Blue, de Derek Jarman; negra, como Wochenende, de Walter Ruttmann: poucas imagens fixas, como Branca de neve, de João Cesar Monteiro. O que há em suas vozes e sons ambientes quando as imagens pouco lhes servem como ancoragem, tencionando a própria análise fílmica?

Resumo expandido

    Por tantas vezes aconteceu com a música erudita no decorrer do século XX, a partir da inovação na matéria-prima musical, da relação com as pausas, da performance mesmo, a pergunta: “sim, mas isso é música? ”. Há um grupo de filmes que tenciona a percepção do que seria o cinema em sua união de sons e imagens. Filmes como Blue, de Derek Jarman (1993), Wochenende, de Walter Ruttmann (1930), Branca de neve, de João Cesar Monteiro (2000) trazem recorrentemente, nos eventos de suas exibições a pergunta correspondente: “isso é cinema? ”.
    A questão surge principalmente pela rarefação do que é apresentado como as imagens do filme. Em Blue, apenas uma tela azul durante os seus 80 minutos de exibição. Enquanto olhamos para o azul, a voz do próprio Jarman tem a dupla função de nos informar sobre a sua condição de soropositivo com a subsequente perda da visão e de ser o principal veículo da rememoração de momentos marcantes de sua vida. Em Branca de Neve, poucas imagens fixas servem como moldura para uma complexa narrativa sonora que contempla vozes femininas e masculinas durante os seus 72 minutos. Imagens em movimento são pequenos interlúdios, como na aparição em voz e imagens sincronizadas do diretor ao fim do filme. Em Wochenende, a representação proposta por Walter Ruttmann, desta vez um curta metragem de 11 minutos, para um fim de semana alemão se faz principalmente pela edição, digamos, musical, de ruídos e vozes.
    A análise da relação entre vozes, ruídos e imagens é tencionada a partir da pluralidade dos dois primeiros e o minimalismo das últimas. Podemos unir ao estudo de tais filmes proposições como a de Ihde, que analisa pelo viés da fenomenologia a relação entre a centralidade da palavra falada para a percepção ao mesmo tempo que procura descentraliza-la através do papel dos silêncios, dos gestos (IHDE, 2007); e como a de Barthes, com a metáfora do grão (BARTHES, 2012). Ao aplicar tais conceitos, podemos indagar: como pensar vozes no audiovisual quando elas estão pouco ancoradas nas imagens? Como repensar o papel de sons ambientes e demais ruídos quando eles respondem pela quase totalidade da noção de ambientação, uma vez que a paisagem visual praticamente não existe?
    Cabe lembrar também um recente estudo de Davina Quinlivan. The place of breath in cinema. Quinlivan coloca a questão de como representar a respiração, invisível por definição, no audiovisual. Quais indícios levam à materialização do corpo que respira, especialmente quando o ato de respirar se torna relevante para determinada passagem no filme? Em Blue, a respiração de Jarman é proeminente, até mesmo pela condição deteriorada de sua saúde e pelo relato íntimo dela impresso no filme. Em Blue haveria uma espécie de dupla invisibilidade: a primeira, de certa forma natural na representação fílmica, mas a segunda advinda da radicalidade de não vermos o corpo na tela. Quinlivan faz ainda uma analogia entre o ‘grão’ e Ondas do destino, de Lars von Trier. Grão ali entendido como verificável na imagem e no som (QUINLIVAN, 2012, p. 141)
    Um problema secundário surge ainda quando tais filmes são exibidos com uma ancoragem na imagem maior do que a proposta nas primeiras exibições. Blue, por vezes, é exibido com legendas, o que pressupõe a visualização das palavras de Jarman. Worchenende existe na internet com um intertítulo que dura os seus onze minutos. Há inclusive uma instigante exibição que ao invés da tela negra mostra a análise do espectro sonoro. A pergunta é: porque há a necessidade de mais informação imagética em filmes nos quais se procurou de forma tão radical minimizá-la?
    Outros exemplos poderiam ser citados, como curta-metragens, brasileiros inclusive, que se serviram da tela negra ou de outras minimizações do conteúdo da imagem. Como recorte, nos atemos aos três citados desde o início da proposta.

Bibliografia

    BARTHES, Roland. The grain of the voice. In: STERNE, Jonathan (0rg). The sound studies reader. New York: Routledge, 2012.

    CHION, Michel. The acousmêtre. In: CHION, Michel. The voice in cinema. New York: Columbia University Press, 1999.

    IHDE, Don. Listening and voice – Phenomenologies of sound. Albany: University of New York Press, 2007.

    QUINLIVAN, Davina. The place of breath in cinema. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2012.