Trabalhos Aprovados 2017

Ficha do Proponente

Proponente

    Maria do Socorro Sillva Carvalho (UNEB)

Minicurrículo

    Maria do Socorro Carvalho é pesquisadora de cinema, professora do Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens e do Curso de Comunicação Social da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Doutora em História Social pela USP, com pós-doutorado junto à PUCRS e PUCRIO, é autora, entre outros trabalhos, dos livros A Nova Onda Baiana; cinema na Bahia, 1958-1962 (Edufba, 2003) e Imagens de um Tempo em Movimento; cinema e cultura na Bahia nos Anos JK, 1956-1961 (Edufba, 1999).

Ficha do Trabalho

Título

    LIN E KATAZAN: IMAGENS DE EDARD NAVARRO, PALAVRAS DE CHICO BUARQUE

Resumo

    A partir do cinema de curta-metragem experimental de Edgard Navarro, em particular, o filme Lin e Katazan, nas duas versões, de 1979 e 1986, ambas inspiradas em fragmento da novela Fazenda Modelo; novela pecuária (1974), de Chico Buarque, busca-se ampliar estudos das relações possíveis entre cinema e literatura, imagem e palavra. Nessa perspectiva, é possível pensar em novos significados tanto para os filmes analisados quanto para o texto que sugere suas imagens.

Resumo expandido

    O cinema na Bahia dos anos 1970 é caracterizado por uma produção experimental em Super-8, da qual Edgard Navarro é o nome mais expressivo. Em 1979, ele realiza sua quarta experiência superoitista, o curta-metragem Lin e Katazan, com imagens sobre um fragmento de Fazenda Modelo; novela pecuária (1974), de Chico Buarque. Seis anos depois, o cineasta refaz as imagens do filme, agora em 35mm, mantendo o texto, a narração e a música da versão anterior. Embora ele afirma que o primeiro filme é apenas um ensaio para o segundo (lembrando que foi no momento em que Navarro descobrira a meditação, daí sua afirmação que Lin e Katazan é seu “filme zen”), esses exercícios fílmicos são reveladores das possibilidades criativas em torno da relação cinema e literatura, palavra e imagem, além de serem documentos importantes para se entender mais largamente tanto o cinema quanto a literatura em suas dimensões estéticas, culturais, sociais e históricas. Se no primeiro curta-metragem Lin é representado por um ator bastante parecido com o realizador, sobre o qual as imagens se concentram, o Lin de 1985 é um personagem negro, cujo corpo ocupa lugares diversos, mais amplos e distantes da obra de construção civil onde trabalha, sempre vigiado por Katazan, representados por homens brancos nas duas versões do curta-metragem. Apesar de visualmente diferentes, os filmes mantêm o mesmo texto – são 50 linhas do capítulo XIII (Os formandos) da “novela pecuária” de Chico Buarque, ambos narrados pelo próprio realizador, com música de Walter Smetak. Se as palavras se repetem – trata-se do jovem Lin, cumpridor disciplinado das ordens de Katazan, mas sem lhe dar nenhuma importância, preferindo nas horas vagas conhecer o próprio corpo, explorando seus prazeres e limites –, Edgard Navarro altera as imagens, o ritmo, a duração, as cores e os enquadramentos da segunda versão do filme, dando-lhe novos significados, inclusive diversos do tom alegórico da novela, na qual Lin é uma novilha e Katazan um dos quatro agentes de confiança do general comandante da fazenda, enquanto nos filmes Lin é um operário da construção civil e Katazan, o capataz. Logo, fica evidente a necessidade de entender a relação entre as três obras, em particular, os caminhos que levam o cineasta a construir esses dois filmes curtos (o “ensaio” tem 5 min e o “filme” tem 8 min) a partir do mesmo fragmento de texto, definido pelo realizador como um “retrato do Brasil dos generais e o país dos ‘yogins’. Com esses filmes-ensaios sobre o exercício da liberdade, Edgard Navarro aborda o medo que o opressor nutre pelo homem livre, por isso, Katazan mata Lin, que se deixa morrer justamente por ter a consciência da liberdade em seu próprio corpo. Portanto, trata-se aqui de ampliar a análise do “cinema de invenção” de Edgard Navarro, marcado pelas questões da autoficção, dos gestos que impõem a transgressão contra os limites, a contestação que leva ao núcleo do vazio, como afirma Foucault. O vazio sintetizado na queda de Lin (jogado por Katazan) do topo do prédio em construção. Queda que voltará a ser tematizada em Superoutro (1989), filme emblemático de Navarro, que também discute a busca da liberdade, no qual o maior desejo do personagem é voar. Assim, ao se jogar do alto do Elevador Lacerda (cartão postal da cidade de Salvador), Superoutro não morre, mas voa, provando uma máxima do cinema navarreano: “abaixo a gravidade”. Nessa perspectiva, a liberdade (de Lin) vai se sobrepor a toda opressão (de Katazan) a cada vez que a leveza vencer a gravidade, na vida ou na arte.

Bibliografia

    ARFUCH, L. O espaço biográfico. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010.
    CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. Trad. Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
    CRUZ, Marcos Pierry. O super-8 na Bahia: história e análise. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2005.
    FERREIRA, Jairo. Cinema de invenção. São Paulo, Max Limonad, 1986.
    FOUCAULT, M. Estética: Literatura e pintura, música e cinema. Coleção Ditos & Escritos III. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2001.
    KLINGER, D. Escritas de si, escritas do outro. Rio de janeiro: 7Letras, 2007.
    MACHADO JR., Rubens. “A experimentação cinematográfica superoitista no Brasil: espontaneidade e ironia como resistência à modernização conservadora em tempos de ditadura”. In: AMORIM, L. S.; FALCONE, F. T. (org.). Cinema e memória; o super-8 na Paraíba nos anos 1970 e 1980. João Pessoa: Editora da UFPB, 2013, p.34-55.