Ficha do Proponente
Proponente
- Debora Regina Taño (UFSCar)
Minicurrículo
- Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos, é bacharel em Audiovisual pela mesma universidade. Foi bolsista Capes de mestrado e Fapesp de iniciação científica com o projeto intitulado “História argentina recente em Nueve Reinas: análise da presença histórica no filme de ficção”. Seus estudos permeiam o cinema argentino contemporâneo e realiza trabalhos teóricos e práticos na área de som do audiovisual.
Ficha do Trabalho
Título
- A voz no cinema, “Família Rodante” e o significado fora da palavra
Seminário
- Teoria e Estética do Som no Audiovisual
Resumo
- A expressão de um som vocal que não diz, ou quando diz não possui um destinatário certo. Tal prática nos dá a possibilidade de pensar a voz no cinema fora da centralidade da palavra, do conteúdo. Por meio da análise das primeiras cenas de Família Rodante (Pablo Trapero, 2004) propomos pensar como a voz, mesmo estando no centro sonoro de entendimento, claramente compreensível, pode não ter a função de comunicar algo objetivo, mas sim ser parte de um personagem ou ação.
Resumo expandido
- Desde que o cinema se tornou sonoro questões a respeito de como a voz dos personagens deve ser ouvida permeiam as decisões técnicas e estéticas. A escolha pela inteligibilidade em detrimento de outras características, como a correspondência espacial com a imagem, determinou uma série de elementos relacionados ao som que vão da captação à exibição e recepção dos filmes. Neste contexto temos o que Chion (1994) denomina de vococentrismo – e seu derivado verbocentrismo – a habilidade humana de em meio a diversos sons focar a atenção na voz e, sobretudo, na palavra dita. Assim como o autor francês outros teóricos como Dolar (2007) e Ihde (2007) apresentam termos e ideias sobre a voz, e, mais do que ela, a palavra ser o centro de atenção da linguagem. Para os autores por mais que a voz tenha um destaque em relação aos demais sons por sua porção semântica, ela é algo que extrapola a língua, que possui em si conteúdos que não estão ligados apenas ao fato de dizer algo propriamente.
Aprofundando sua proposição sobre o assunto, Chion (1993) divide a palavra falada no cinema em três tipos: palavra-teatro, palavra-texto e palavra-emanação. Enquanto os dois primeiros tipos dizem respeito à palavra que necessita ser entendida para o andamento da narrativa, sendo, respectivamente, a ação central da cena dita por personagens e a voz de um narrador em over que foge da continuidade espaço-temporal, o terceiro tipo, a palavra-emanação, é a palavra que não precisa necessariamente ser ouvida, pois não se encontra no centro da ação, sendo uma “silhueta” do personagem.
Esta abordagem da palavra proporciona uma maior ligação com os aspectos propriamente sonoros da voz, dando espaço à criação de possíveis significados gerados por meio da forma como ela se manifesta. Percebemos, no entanto, que estas categorias de palavra não são estanques, sendo possível uma mesma fala ter o tratamento sonoro de uma palavra teatro, mas a característica narrativa de uma palavra emanação. A partir disso, nosso objetivo é destacar momentos em que por mais que as falas dos personagens sejam inteligíveis, nem sempre é seu conteúdo que determina a progressão da narrativa, sendo a fala o centro sonoro da ação, mas não a palavra.
Neste sentido, é fundamental também, mais do que pensar a voz como algo em si, pensá-la em relação aos demais elementos fílmicos. Como esta voz – e não a palavra – se relaciona com a imagem? Como e o que ela em si acrescenta para a narrativa, sem que seja por meio das informações semânticas dadas pelos personagens? E se a voz for mais um dos sons que compõem o ambiente? E se seu significado estiver em âmbitos mais profundos ou superficiais do que em informações dadas?
Para tanto, analisamos as cenas iniciais do filme Família Rodante, de Pablo Trapero, que nos mostram dona Emilia, a matriarca da família, em atividades rotineiras e, posteriormente, em sua pequena festa de aniversário com as amigas. As cenas são repletas de falas, mas seu conteúdo, assim como os interlocutores, não avançam nem dão informações objetivas sobre a história que ali se passa. O que está aqui apresentado como parte importante da ação não é o conteúdo da fala, mas, sim, o ato de falar, de colocar a voz e a partir dela criar o contato com o exterior, com o outro, ao mesmo tempo em que expressa algo interno de si, como um pensamento. Desta forma, nas cenas analisadas, dona Emilia mais do que diz: ela fala. E esta ação nos dá informações sobre a vida da personagem, sem que estes dados estejam em suas palavras, mas na ação de falar. Tais cenas nos possibilitam discutir, portanto, qual o papel da voz entendendo que a palavra é apenas mais um elemento da ação, mesmo esta voz seguindo a lógica clássica de permanecer sonoramente no centro do entendimento, proporcionando uma construção estética e narrativa com outras possibilidades de significações.
Bibliografia
- ALTMAN, Rick. Sound Space. In: Sound Theory, Sound Practice. New York: AFI Film Readers, 1992. P. 46-64
BAZIN, André. A evolução da linguagem cinematográfica. In: O Cinema: ensaios. São Paulo: Brasiliense, 19991. p. 66-81.
CHION, Michel. Audio-vision. New York: Columbia University Press, 1994. Trad.: Claudia Gorbman
________. La voz en el cine. Madrid: Ediciones Cátedra, 2004.
DOLAR, Mladen. Una voz y nada más. Buenos Aires: Manantial, 2007.
IHDE, Don. Listening and Voice – Phenomenologies of sound. Albany: State University of New York Press, 2007.
QUINLIVAN, Davina. The place of breath in cinema. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2012.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Editora Cultriz, 2006.