Ficha do Proponente
Proponente
- Lívia Perez de Paula (UNICAMP)
Minicurrículo
- Mestranda em Multimeios (orientador Fernão Ramos) e graduada em Com. Social – hab. Midialogia pela Unicamp com intercâmbio acadêmico na Univ. de Paris 3-Sorbonne Nouvelle. Atua nas áreas de direção e produção audiovisual. Suas principais realizações são o curta Quem matou Eloá? (selecionado em diversos festivais como Hot Docs, Cinélatino e Idfa e premiado Melhor Curta no Atlantidoc, Genii Awards, Semana Paulistana do Curta-Metragem) e o longa Lampião da Esquina (estréia no É Tudo Verdade 2016).
Ficha do Trabalho
Título
- A representação da mulher prostituta em Iracema uma transamazônica
Resumo
- Esta proposta de seminário relaciona as questões de subjetividade, ensaio, apropriação e encenação com a representação da mulher em ‘Iracema – uma transa amazônica’ (1974) de Jorge Bodansky e Orlando Senna. O objetivo geral é discutir a forma e a linguagem do filme sob a perspectiva histórica e estética, analisando os possíveis pontos onde se estabelece a imagem da mulher.
Resumo expandido
- Este seminário analisará as manifestações formais e estéticas no filme ‘Iracema – uma transa amazônica’ (1974) de Jorge Bodansky e Orlando Senna buscando as novas perspectivas trazidas pela obra para a cinematografia brasileira e para a representação da mulher no cinema.
Iracema é uma obra que apresenta vasto campo para a proposta do seminário com a possibilidade de investigação de novas relações para subjetividade, encenação e apropriação do real na ficção problematizando a figura da mulher latino-americana indígena e a construção de sua representação.
Assim a proposta é entender como subjetividade, apropriação e encenaçãos caracterizam o filme como um registro da interferência na realidade, e como esses elementos se organizam pela mise-en-scène tornando um entreposto, quase uma proposição de um jogo. Para tanto, considera-se que Iracema percorre livremente algumas das vias abertas pelo documentário encenado, pelo cinema-verdade e pelo cinema direto.
Em ‘Iracema’, há opção pela encenação baseada no improviso a partir de estímulo de duas naturezas: a construção proposta pela direção e as circunstâncias do real (espaço físico, pessoas e acontecimentos) em que está imersa. Em determinados momentos do filme suspende-se a interação para observar-se, e a sucessão de planos sugere um filme documentário observativo, próximo do registro do cinema-direto: os planos da festa do Círio de Nazareno, as imagens aéreas das queimadas na Floresta Amazônica. Essas sequências merecem um questionamento e uma análise, visto que a cristalização da filmagem na realidade e da realidade no suporte, fazem com que o filme avance, se considerarmos a história da cinematografia brasileira, e não seja mais um veículo de uma tese pré-concebida, mas um caminho de passagem num infinito circunstancial de histórias possíveis.
‘Iracema’ traz o entrelaçamento da encenação dos protagonistas às escolhas altamente subjetivas de mise-en-scène friccionando a realidade: os protagonistas ora são os personagens Iracema e Tião Brasil Grande, ora são as próprias pessoas dos atores Edna de Cássia e Paulo Cesar Pereio, travando embates de disputa pessoal. Em certos momentos dispositivos fílmicos estão aparentes, em outros, a equipe técnica incorpora alguns personagens como é o caso de Orlando e Conceição Senna, ele piloto e ela, a prostituta.
A principal proeza de ‘Iracema’ é conseguir construir uma narrativa e comunicar um discurso utilizando encontros e diálogos surgidos ao acaso tanto para os diretores quanto para os atores-personagens. Ao romper com a estrutura clássica expositiva e de entrevista na qual os dois núcleos – a equipe do filme e o ‘objeto’ – são separados nitidamente, o filme refuta a ideia de um encontro formal entre entrevistador e entrevistado, criando um dispositivo próprio para que o encontro entre estes dois mundos aconteça.
A ironia, que começa pelo título, e é muito utilizada na construção de sua diegese ficcional, na escolha dos atores e determinação das personagens revela-se um poderoso artifício de questionamento estético e formal da tradição cinematográfica brasileira até o momento. A atitude de ironizar a relação entre aquele que representa – homem e branco – e o representado – mulher e indígena (duas vezes ‘minoria’) – presente em ‘Iracema’ pode representar os primórdios das buscas de rompimento com as formas de congelamento identitário. Seria ‘Iracema’, o primeiro filme da cinematografia brasileira que refuta, através de escolhas estéticas e formais originais, a idéia de representação lapidada do ‘outro’?
Nesta perspectiva pode-se problematizar uma relação entre atores/personagens de poder estabelecida para além das questões de opressão social, racial e de gênero, sendo também decorrente da metodologia de trabalho escolhida pelos realizadores – o improviso – calcada na relação de um ator profissional e uma atriz inexperiente, e principalmente da relação deste dois com as figuras reais com às quais eles se deparam ao longo do filme.
Bibliografia
- BODANSKY, Jorge. SALLES, João M. ESCOREL, Eduardo. Faixa comentada disponível nos extras do DVD.
JOHNSON, Randal. STAM, Robert. Brazilian cinema (expanded edition). Columbia University Press, 1995
NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2005.
PARANAGUA, Paulo A. Ruptures et continuité: années soixante-dix – quatre vingt In: Le Cinema Bresilien. Paris: Centre Georges Pompidou, 1987
PARENTE, André. Narrativa e modernidade – Os cinemas não-narrativos do pós-guerra. Campinas, Papirus, 2000
RAMOS, José M. O. O Cinema Brasileiro Contemporâneo. In: RAMOS, Fernão (org.) História do Cinema Brasileiro. Art: São Paulo. 1987
TEIXEIRA, F. Elinaldo. Documentário Moderno. In: MASCARELLOS, Fernando (org.) História do Cinema Mundial. Campinas: Papirus
XAVIER, Ismail. Iracema: o cinema-o cinema-verdade vai ao teatro. Devires , v.2. n. 1, 2004.
________________O cinema e os filmes ou doze temas em torno da imagem. Niterói: Revista de cinema Contracampo Nº 8, 2003.