Ficha do Proponente
Proponente
- Patrícia da Silva Cardoso (UFPR)
Minicurrículo
- Graduou-se em Letras pela Universidade Estadual de Campinas (1988), onde também fez Mestrado (1994) e Doutorado (2002) na área de Teoria e História Literária. Desde 1997 é professora da Universidade Federal do Paraná. Foi professora visitante na Universität Leipzig (2007), na Alemanha, fez pós-doutorado na Universidade Nova de Lisboa (2007-2008) e na University of Surrey (2014). Atualmente é coordenadora da Pós-graduação em Letras da UFPR
Ficha do Trabalho
Título
- ‘Toda felicidade é memória e projeto’ – o tempo em Aquarius e Horas de verão
Seminário
- Cinemas em português: aproximações – relações
Resumo
- Esta comunicação discutirá os diálogos entre Coisa ruim e O estranho caso de Angélica a partir do conceito de Estranho, que para Freud é produto da inserção de um elemento amedrontador num contexto familiar. A hipótese é a de que haja um tipo de narrativa que se restringe aos efeitos superficiais do uso do Estranho e outro que privilegia seu emprego para conduzir o espectador à reflexão quanto à solidez dos valores nos quais sua segurança se baseia, a começar pela noção do que seja o real.
Resumo expandido
- Em “O estranho” Freud dedica-se a refletir sobre O homem da areia, conto de E. T. A. Hoffman, a partir justamente do conceito de estranho, que considera como sendo o produto da inserção de um elemento amedrontador num contexto que, na sua base, constitui-se como familiar. Como bem observa o autor a propósito dessa obra de Hoffman, “é verdade que o escritor cria uma espécie de incerteza em nós, a princípio, não nos deixando saber, sem dúvida propositalmente, se nos está conduzindo pelo mundo real ou por um mundo puramente fantástico, de sua própria criação. Ele tem, de certo, o direito de fazer ambas as coisas; e se escolhe como palco da sua ação um mundo povoado de espíritos, demônios e fantasmas, como Shakespeare em Hamlet, em Macbeth e, em sentido diferente, em A Tempestade e Sonho de uma Noite de Verão, devemo-nos curvar à sua decisão e considerar o cenário como sendo real, pelo tempo em que nos colocamos nas suas mãos.” Trata-se, à partida, da descrição do processo de suspensão da descrença. Para que se obtenha o efeito esperado, é preciso que o público faça esse pacto. No que diz respeito às modalidades cinematográficas contemporâneas que operam na sintonia do horror/terror é grande o apelo do uso de estratégias ligadas ao conceito de estranho.
Mas o fato de aceitar o pacto que lhe é proposto não necessariamente livra o espectador – ou o leitor, no caso dos textos literários como o de Hoffman – da tensão resultante daquela articulação, responsável por fazê-lo debater-se com a sensação de que a convenção de realidade com a qual opera está sendo minada por algo que ameaça destruí-la, levando junto sua convicção do que seja ou não seja possível de suceder em seu mundo. É possível mesmo arriscar a dizer que enquanto há um tipo de narrativa que se restringe aos efeitos superficiais do uso do estranho – o susto sem maiores consequências, por exemplo – há outro que privilegia seu emprego para conduzir o espectador à reflexão quanto à solidez dos valores nos quais sua segurança se baseia, a começar pela noção do que seja o real.
É o que se nota em dois filmes portugueses de linhagens bastante distintas que, no entanto, aproximam-se pela proposta que apresentam relativamente ao tratamento reservado ao que se poderia chamar de transfiguração da realidade. Em Coisa ruim (2006), de Tiago Guedes e Frederico Serra, o enredo clássico da família que herda uma casa no interior e, ao se instalar no imóvel, vê-se envolvida pelo sobrenatural, é o ponto de partida para se discutir a permanência de valores do passado no presente e, com isso, colocar em xeque a convicção dos personagens da cidade grande quanto ao grau de realidade dos fenômenos que passam a experimentar. Na esteira desse elemento comum à modalidade em que o filme se inscreve observa-se um complexo entrelaçamento dos valores do “tempo antigo” – em que a manifestação do sobrenatural fazia sentido apenas por ele ser cultivado como crença em comunidades nada esclarecidas – com os modernos, os quais, apesar de pautados na abordagem científica do mundo, não escapam de manter, muitas vezes cuidadosa e inconscientemente escondidas forças supostamente obscuras que arrastam a mentalidade esclarecida do presente de volta para um estado de coisas que ingenuamente se acreditava superado.
Já em O estranho caso de Angélica (2010), de Manoel de Oliveira, se o enredo foge ao que se poderia classificar como característico do modelo cinematográfico de horror, observa-se esse movimento que articula presente e passado de forma a provocar no espectador o mesmo tipo de insegurança sobre os limites entre um e outro e, principalmente, entre os seus valores e os de um tempo recuado cujos tentáculos projetam-se em sua direção, como para voltar à ação. Esta comunicação propõe-se a discutir o diálogo possível entre estes dois filmes.
Bibliografia
- FREUD, Sigmund. O estranho. Edição Standard Brasileira das obras de Freud, Vol. XVIII, pág. 13, IMAGO Editora, 1976.
GUEDES, Tiago e SERRA, Frederico. Coisa ruim. Madragoa, 1h37′, 2007 (dvd)
OLIVEIRA, Manoel de. O estranho caso de Angélica. Zon/Lusomundo, 93′ aprox., 2011 (dvd)