Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Philipi Emmanuel Lustosa Bandeira (UFPE)

Minicurrículo

    Realizador audiovisual, pesquisador, fotógrafo e professor, Philipi Bandeira é bacharel em Ciências Sociais (UFC) e mestrando em Comunicação (UFPE). Tem experiência em cinema e vídeo, fotografia e etnologia indígena, com ênfase em documentário e antropologia visual. Dirigiu Espelho Nativo (52’, 2009, prêmio DocTv Brasil IV), entre outros documentários, filmes etnográficos, realizações coletivas e curtas em processos de formação, tendo participado de cerca de 20 filmes.

Ficha do Trabalho

Título

    Documentário radical ou a ficção como colaboração: da crise ao engajam

Resumo

    O presente ensaio busca debater o documentário brasileiro contemporâneo partindo de apontamentos da historiografia do gênero clássico, partindo das experiências de três filmes recentes (As Hipermulheres, A cidade é uma só? e A vizinhança do Tigre) para uma reflexão sobre seus modos de produção coletivistas e processos de criação compartilhados . São obras que ressaltam artifícios de ficção e fabulação ao passo que reafirmam seus engajamentos de base, reafirmando-se documentários e híbridos.

Resumo expandido

    Visto numa clivagem histórica entre pioneiros e contemporâneos, o atual documentário brasileiro pode ser considerado uma experiência que radicaliza a formulação clássica de “tratamento criativo da realidade”, justamente pelos artifícios ficcionais e/ou funções fabuladoras lançadas em linguagens híbridas e modos colaborativos de produção. Filmes como As Hipermulheres (2011), A cidade é uma só? (2012) e A vizinhança do Tigre (2013), se por um lado configuram-se a partir da performação de realidades sociais periféricas ou mesmo de outras alteridades, como a cosmologia ameríndia, por outro só são possíveis porque firmam-se em engajamentos de base comunitária, que sustentam o paradigma do processo criativo e de representação fílmica. Nesse sentido, compreender a relação estética-política em sua indissociabilidade constitutiva, bem como a invenção ficcional não estereotipada do documentário (Rancière 2005) ou a “obrigação de criar”, neste, “as narrativas não escritas, as ficções não esgotadas”, no dizer do Comolli (2010), parece-me ser crucial para uma debate sobre estas obras. A função fabuladora seria, ainda, ao contrário de uma suposição primária ou cartesiana que julga tal artifício como oposto à verdade factual, precisamente o exercício que lança as personagens à uma realidade de fato, preenchendo-as de presente entre temporalidades de passado e futuro, opondo-se à ficção e à verdade “dominantes”, no que Deleuze chamou de “as potencias do falso” (1990).
    O objetivo de recuperar uma historiografia do documentário em seus pioneiros para trazer ao debate sobre os contemporâneos brasileiros é, inicialmente, desfazer a falsa divisão entre “gênero” documentário e “vanguardas modernistas”, pontuando que estas vertentes não apenas possuem uma inter-relação de origem, mas que transformaram-se mutuamente. Apesar da repressão dos normatizadores clássicos, que tentaram banir a abordagem social e a estética fragmentada do modernismo na reconfiguração de discursos “oficiais” de aparelhamento ideológico do estado, contudo, o documentário desenvolveu-se como um largo campo em disputa, entre a afirmação e a crítica do poder instituído, reaparecendo aqui e ali as características engajadas e de experimentalismo formal. Interligando a linhagem tradicional do documentário à vertente contemporânea brasileira, volto a Grierson para chamar a atenção que, em seu manifesto, o quê ele opõe veementemente ao documentário é o artifício da encenação de estúdio, e não a dramatização em si: afinal, a configuração de seu gênero no modelo “etno-melodramático” de Robert Flaherty seu melhor exemplo. Paul Rotha, parceiro e compatriota de Grierson, reitera essa posição ao afirmar categoricamente que “a essência do documentário é a dramatização do material real” (apud Jacobs 1979). Portanto, a julgar por esta tradição griersoniana, os filmes contemporâneos recortados no corpus podem ser considerados, à despeito de suas cargas ficcionais – ou justamente por estas – como radicalmente documentários.
    Ou como documentários radicais. Isto porque no cenário contemporâneo o documentário brasileiro parece radicalizar o gesto de dar tratamento criativo à realidade, ao utilizar-se livremente da ficção, partir para a experiência da fabulação ou investir diretamente nos “dispositivos”, derivando para as bordas e flertando com fronteiras. Em certas obras, entretanto, a própria fricção a um ponto indiscernível entre real e fabulação é uma artifício de tensão não só dramática, mas política, que carrega um lugar de fala. Estética e política. Cinema híbrido e cinema expandido. O cinema político ou a política do cinema?
    A reflexão encontra referência sobretudo em filmes brasileiros recentes, em que a escrita fílmica é firmada e assinada com a comunidade e suas pautas – parte delas e delas faz parte, na verdade. O filme, enquanto projeto, não implementa uma agenda externa; tampouco o paradigma é comercial, mas orientado por uma política cultural coletiva e autônoma das comunidades.

Bibliografia

    ALLRED, Jeff. American modernism and depression documentary. Nova Iorque: Oxford University Press, 2010.
    COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida – cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: UFMG, 2008.
    _______.Os homens ordinários. A ficção documentária. In: O comum e a experiência da linguagem. GUIMARÃES; OTTE; SEDLMEYER (orgs.). Belo Horizonte: UFMG, 2007.
    DELEUZE, Gilles. “As potências do falso”. A imagem-tempo (Cinema II), Rio de Janeiro: Brasiliense, 1990.
    LABAKI, Amir. (org) A verdade de cada um (org.) São Paulo: Cosac Naify; 2015
    MIGLIORIN, Cézar. Território e virtualidade: quando a “cultura” retorna ao cinema. Revista Famecos, Porto Alegre, v. 20, n. 2, pp. 275-295, 2013.
    NICHOLS, Bill. Documentary Film and Modernism Avant-Guard, 2001. Chicago: Critical Inquierity, Vol 27, Nº4, 2001.
    RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo, Ed. 34, 2005.
    TAGG, John. El peso de la representación. Barcelona: Editorial Gustavo Gili; 20