Ficha do Proponente
Proponente
- Arthur Fernandes Andrade Lins (UFPB)
Minicurrículo
- Professor de Montagem efetivo no curso de cinema da Universidade Federal da Paraíba, possui experiência na área de Comunicação, desenvolvendo atividades práticas e teóricas voltadas para o campo do audiovisual. Atua como diretor/roteirista/montador, tendo realizado filmes exibidos e premiados em importantes festivais nacionais. Mestre em Letras/UFPB com pesquisa sobre narratologia audiovisual e processos de adaptação no cinema contemporâneo. Coordena projeto de extensão em ‘Estética e Política’.
Ficha do Trabalho
Título
- A vida na|da imagem: o ‘espaço cinematográfico’ no ensaio audiovisual
Resumo
- Propomos uma aproximação teórica-filosófica entre os estudos literários e audiovisuais, tendo como pressuposto o conceito de ‘espaço literário’ tal como pensado pelo escritor francês Maurice Blanchot. Analisaremos os procedimentos estéticos-narrativos em três documentários ensaísticos: Visita ou Memórias e confissões, de Manoel de Oliveira (1982), Outros Amarão as coisas que eu amei, de Manuel Mozos (2014) e As I Was moving ahead occasionally I saw Brief glimpses of Beaty, de Jonas Mekas (2000).
Resumo expandido
- Em 2015, o cineasta portugues Manoel de Oliveira morre aos 106 anos de idade e encerra a mais longa carreira de um cineasta na história do cinema, que durou 88 anos. Após sua morte, o seu filme-testamento realizado em 1982 foi finalmente exibido: ‘Visita ou Memórias e confissões’, único filme exibido em 35mm no festival de Cannes do ano passado.
Em 2014, o documentário do português Manuel Mozos “João Bénard da Costa: Outros Amarão as coisas que eu amei”, também nos chama a atenção pelo caráter recém póstumo do personagem central de seu filme, o crítico, ensaísta, cinéfilo e ex-diretor da cinemateca portuguesa. Segundo o crítico João Limeira (À pala de Walsh, 2015), o filme ‘é menos uma biografia de uma figura importante do que o luto pela morte de uma pessoa amada. Mais precisamente, é a (tentativa de) ressureição do seu espírito. Um milagre do cinema, a vida para além da vida’.
Estes dois filmes recém exibidos/vistos nos leva a um terceiro: ´As I Was moving ahead occasionally I saw Brief glimpses of Beaty´, a obra-prima de quase 5 horas de duração realizado por Jonas Mekas em 2000, composto por imagens captadas ao longo de 30 anos.
Não se tratam de documentários biográficos ou auto-biográficos, que pretendem dar conta da totalidade de uma vida, ou mesmo do filme-diário, ainda muito atrelado a uma subjetividade, a um discurso interior que organiza as sensações e percepções do cotidiano. Em seus diversos aspectos estéticos-narrativos, estes filmes se impõem por gestos reflexivos que desorganizam a cronologia dos fatos, a lucidez da memória, os limites entre o real e o imaginado, a experiência vivida e a imagem projetada na tela.
Em certa altura de seu filme, Jonas Mekas reflete sobre suas imagens em uma voz over que comenta o processo aleatório da montagem fazendo uma analogia a banalidade e aleatoriedade da vida. “É só o tempo, o tempo passa, o tempo passa, assim como este filme passa pela entrada do projetor”.
Neste casos, estamos mais perto de um ensaio audiovisual, por sua grande liberdade formal e pelo seu aspecto de pensamento ‘ao vivo.’ De acordo com Gabriela Machado e James Guterres, nos estudos que vinculam o “documentário ao ensaio no cinema, este último é visto como uma alternativa muito mais livre, criativa, profunda e até honesta, já que o cineasta não busca chegar a respostas ou afirmar verdades pretensamente universais sobre os temas tratados nos filmes, de modo que ficam expostas na obra as suas próprias questões e conflitos, o seu próprio caminho por vezes tortuoso” (2011).
Seguindo este norte teórico pretendemos nos aproximar do pensamento do escritor e filósofo francês Maurice Blanchot, a partir de seu pensamento radical sobre a auto-suficiência do espaço literário, a palavra plural e os limites comunicativos da linguagem. Para Blanchot, “a obra – a obra de arte, a obra literária – não é acabada nem inacabada: ela é. O que ela nos diz é exclusivamente isso: que é – e nada mais. Fora disso, não é nada. Quem quer faze-la exprimir algo mais, nada encontra, descobre que ela nada exprime” (1987).
São filmes que existem enquanto imagens suspensas no tempo. Não exibem o passado, mas sim o presente incessante e infinito da produção de textos e sentidos. Jonas Mekas nos alerta, está tudo nas imagens, é preciso ler/ver.
Ao lado das imagens, a voz, procedimento estético fundamental no ensaio audiovisual, que aqui, recebe tratamento criativo e ficcional. Em ‘Visita’, duas vozes comentam as imagens como fantasmas que visitam escombros de uma vida que não mais lhes pertencem. Em ‘João Benard da Costa’, é o seu filho que narra o filme e lê as cartas de seu pai.
É na crença de que estes filmes apontam uma intensa relação entre o ensaio audiovisual e o pensamento blanchotiano, que pretendemos descortinar um possível espaço cinematográfico.
Bibliografia
- ADORNO, Theodor. O Ensaio como Forma. São Paulo: Editora 34, 2008.
BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.
MACHADO, Arlindo. O Filme-Ensaio. Concinnitas. Rio de Janeiro: UERJ, ano 4, nº 5, 2003. (p. 63-75).
MACHADO, Gabriela. GUTERRES, James. In: O ensaísmo no cinema: notas sobre abordagens teóricas possíveis. São Paulo: PUC-SP, 2011.
PIMENTEL, D. A.. O espaço literário de Maurice Blanchot. Revista Garrafa (PPGL/UFRJ), v. 28, p. 1-14, 2012.
_____________. A morte enquanto linguagem nos escritos de Maurice Blanchot. RevLet: Revista Virual de Letras, v. 5, p. 232-245, 2013.
http://revistacinetica.com.br/home/visita-ou-memorias-e-confissoes-de-manoel-de-oliveira-portugal-1981/
http://www.apaladewalsh.com/2015/10/joao-benard-da-costa-outros-amarao-as-coisas-que-eu-amei-2014-de-manuel-mozos/
Jonas Mekas / Patrícia Mourão (org.). – São Paulo: Centro Cultural Banco do Brasil; Pró-reitoria de Cultura e Extensão Universitária – USP, 2013. 256 p. il. ; 21 X 15,5 cm