Ficha do Proponente
Proponente
- Luciano Viegas da Silveira (UFMG)
Minicurrículo
- Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais, participa do grupo de pesquisa Poéticas da Experiência. Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Ficha do Trabalho
Título
- Cemitério do Esplendor: o despertar para a mediunidade pela partilha
Seminário
- O comum e o cinema
Resumo
- Este artigo investiga certa tensão que se opera entre o visível e o invisível mediada pela palavra em Cemitério do Esplendor, do cineasta tailandês Apichatpong Weerasethakul. Nossa hipótese é que o filme apresenta a questão do despertar para a mediunidade sob o emblema da partilha e, igualmente, a espiritualidade pela invenção do comum.
Resumo expandido
- Que o comum seja compreendido sob a chave do múltiplo e da diferença, portanto que não se reduza ao como-um, implica uma cumplicidade entre heterogêneos singulares. Jean-Luc Nancy demarca essa passagem como a do nomos basileus de Píndaro – lei soberana, território, delimitação, fechamento – ao cosmos basileus – contágio, não-inclusão sistêmica, margeação, distribuição inacabada. Trata-se de uma dinâmica que é a lei do mundo, aquela de sua criação ininterrupta, errância absoluta que consiste em “uma tensão infinita em direção ao próprio mundo” (NANCY, 2016). Não conceber o mundo como totalidade, reconhecer que ele se desdobra em outros tantos mundos por contágio, o que o funda é a partilha. “Por partilha entenda-se a exposição de cada existente singular diante da singularidade dos outros: existir é ser exposto, sair da sua simples identidade a si e de sua pura posição” (GUIMARÃES, 2015).
Segundo Nancy não há nada como uma substância própria do ser, senão sua condição de abertura e exposição; existir é necessariamente coexistir, ser-em-comum. Para passarmos da discussão ontológica às especificidades da forma fílmica, nos indica César Guimarães (2015), seria necessário reconhecer, ao lado de Marie-José Mondzain, que a imagem ela mesma é destituída de estatuto ontológico, se caracteriza tão somente como aparição fugaz. Esta especificidade, sua tendência a desaparecer, possibilita à imagem colocar em relação os sujeitos do olhar aos quais se destina sem lhes impor uma clausura subjetivante do tipo fusional (MONDZAIN, 2009). Operadora do heterogêneo, a imagem pode vir a constituir o ser-com, ou seja, a partir de sua função mediadora ela produz o comum.
Em entrevista recente Weeresethakul especula se Cemitério do Esplendor seria capaz de ao se endereçar ao espectador, fazê-lo apreciar um outro fluir do tempo, mais próximo do sono – notadamente um dos temas do filme. Desde Eternamente sua (2002) o interessa uma economia dos gestos lentos e do tempo distendido, que retorna em Cemitério do Esplendor (2015), modulando uma tensão entre o visível e o invisível mediada pela palavra.
Marie-José Mondzain destacava em Mal dos trópicos (2004) que a questão da perseguição, muito distante da tradição ocidental, se apresentava como uma iniciação xamânica, por fim realizada na metamorfose – o soldado deseja tornar-se tigre e fazer parte do seu mundo – sendo a metamorfose uma experiência limítrofe fusional que “transgride toda susbstanciação do sujeito” (MONDZAIN, 2010).
De modo distinto, Cemitério do Esplendor apresenta como uma caminhada iniciática o despertar para a mediunidade – Jenjira é conduzida pela médium Itt a reconhecer um antigo palácio milenar que não mais existe fisicamente. Ocorre que Jenjira, neste expor-se à partilha com Itt de uma experiência sensível, descobre em si mesma certa capacidade mediúnica que lhe era desconhecida. Se ao início da caminhada o olhar de Jenjira não alcançava o mundo invisível que a medium insistia em descrever com detalhes, ao cabo do percurso seu olhar já não é o mesmo de antes, tampouco coincide com o da medium. Se o seu corpo por ventura encerrava uma identidade, ela se descentra e abre espaço para que outro mundo venha fazer margem com o que até então concebia. Nossa hipótese é que Cemitério do Esplendor apresenta o despertar para a mediunidade sob o emblema da partilha e, igualmente, a espiritualidade pela invenção do comum.
Bibliografia
- GUIMARÃES, César. “O que é uma comunidade de cinema?”. In: Revista Eco Pós, vol. 18, n.1, 2015, pp. 44-56.
MONDZAIN, Marie-José. A imagem pode matar? Lisboa: Nova Vega. 2009.
MONDZAIN, Marie-José. “A perseguição no cinema: um ensaio sobre Tropical Malady, de Apichatpong Weeresethakul”. In: Devires, vol. 7, n. 2, 2010, pp 180-197.
NANCY, Jean-Luc. ‘Cosmos basileus & advertência e convite: para traduzir Jean-Luc Nancy”. In: Direito e práxis, v.7, n. 13, 2016.