Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Nikola Matevski (USP)

Minicurrículo

    Mestrando em Meios e Processos Audiovisuais (ECA-USP) sob orientação de Mateus Araújo Silva com pesquisa que discute a filmografia de Roberto Rossellini posterior a India Matri Buhmi. Formado em jornalismo, foi setorista da editoria de cultura da Gazeta do Povo entre 2003 e 2007. Atuou como programador de filmes e produtor de eventos relacionados ao cinema no Sesc Paço da Liberdade entre 2009 e 2011. Colaborou como crítico de cinema e tradutor com diversas publicações eletrônicas e impressas.

Ficha do Trabalho

Título

    Roberto Rossellini – depurações da visão

Seminário

    Teoria dos Cineastas

Resumo

    Em India Matri Bhumi (1959), Roberto Rossellini redefine seu olhar, encontrando uma visão inocente que registra a “criação do mundo”. Estabelecem-se assim as bases para a eclosão de um projeto pedagógico-histórico marcado pela procura por uma “visão direta”. Em seu último filme, Beaubourg, centre d’art et culture Georges Pompidou (1977), Rossellini atinge um ponto extremo neste percurso que chamamos de depuração da visão e que será tema de nossa contribuição.

Resumo expandido

    Depois de Vania Vannini, filme marcadamente romanesco, a viagem de Roberto Rossellini à Índia entre dezembro de 1956 e setembro de 1957 evidencia uma mudança de rumos em seu cinema. No encontro com uma cultura que lhe era desconhecida, manifesta-se também um novo tipo de visão: diante da imensidão de um país dividido entre a modernização que se anuncia em grandes obras públicas e os arcaísmos das tradições e seus mitos, ambos cercados pela presença de uma natureza misteriosa, o olhar que se dirige ao mundo recupera uma inocência que remete ao cinema dos primórdios.

    Deixando-se levar pelo encanto do registro dos movimentos mais prosaicos do cotidiano, o filmar de Rossellini na Índia remonta a um tempo pregresso, um éden cinematográfico liberto do peso de sua própria trajetória – em suma, um tipo de deslumbre compatível com o olhar das vistas de Lumière (seguimos a deixa de Sandro Bernardi a partir de Eric Rohmer). Se esse périplo cultural-geográfico rumo ao desconhecido leva Rossellini a recuperar uma visão inocente, que registra a “criação do mundo” (Godard), ela também estabelece as bases para a eclosão do projeto pedagógico-histórico desenvolvido pelo cineasta nos anos 60-70.

    Certo esgotamento na relação do cinema com as possibilidades revelatórias do real que ocorre neste momento, levando uma considerável porção de cineastas a retomar abertamente o interesse pela imagem e pela montagem (por exemplo, Jean-Luc Godard em Vento do Leste: “Não uma imagem justa, mas justo uma imagem”) Rossellini passa a traçar um caminho que irá substituir, na proposição de Adriano Aprà, o real dos fatos pelo real dos documentos. O cineasta italiano inspirou-se então em Comenius (Jan Amos Komenský) numa busca pela “visão direta”. Tal “visão” sugere a possibilidade de assimilação do cognoscível sem intermédios simbólicos das palavras e das artimanhas da linguagem. Segundo Comenius, estas prejudicam o aprendizado porque favorecem os mal-entendidos, levando os aprendizes a esquecer aquilo que se propunham a estudar. Isso seria evitado se fosse possibilitada uma “visão direta” como instrumento de apreensão – a busca por tal visão torna-se uma âncora no cinema pedagógico-histórico de Rossellini.

    Nos filmes, isto se traduz num novo tipo de depuração do olhar que realiza, de um modo particular, novamente um retorno a uma condição precedente do cinema: grandes planos fixos com figuras hierarquizadas e a inexistência do fora de campo; a submissão do tempo ao pretérito, pois a duração não se curva ao transcorrer da ação presente, mas à demonstração de um conhecimento já acabado e sintetizado; a prevalência de planos-sequência; o uso de atores amadores como personagens desindividualizados e porta-vozes de discursos; contenção da expressividade na atuação, que é reduzida a gestos codificados e genéricos. Em suma, trata-se de recusas e depurações, de simplificações e condensações que visam o mostrativo e apostam no instrumento da visão despida e desimpedida como um meio de acesso direto ao conhecimento. É como se estes filmes se dirigissem a um espectador que não estivesse contaminado pelos vícios do cinema e fosse dotado de um olhar livre para explorar o momento de infância da televisão.

    O último filme de Roberto Rossellini, Beaubourg, centre d’art et culture Georges Pompidou (1977) leva estes processos a um próximo nível, como se adotasse as premissas daquele espectador de olhar livre e se defrontasse, não com a clareza de um conteúdo histórico condensado a ser assimilado, mas com a arquitetura moderna do então recém-inaugurado museu, um edifício que contrasta com o antiga região parisiense (e que confere o título ao filme). Daí certo desconcerto da visão, que é embalada por um flanar em deslocamentos elaborados, com sucessivas aproximações e distanciamentos, assumindo um ponto de visão abstraído e descorporificado.

    O objetivo deste estudo é discutir a depuração da visão que se opera entre India Matri Bhumi (1959) e Le Beaubourg (1977).

Bibliografia

    BIBLIOGRAFIA

    APRÁ, Adriano. Enciclopédia histórica de Rossellini. in: Roberto Rossellini e o cinema revelador. Lisboa: Cinemateca Portuguesa, 2007.

    BERGALA, Alain (Org.). Roberto Rossellini: le cinema révélé. 2ª ed. Paris: Cahiers du Cinèma, 2005.

    BERNARDI, Sandro. As paisagens de Rossellini: Natureza, Mito, História. in: Roberto Rossellini e o cinema revelador. Lisboa: Cinemateca Portuguesa, 2007.

    COSTA, João Bénard. India Matri Bhumi. in: Roberto Rossellini e o cinema revelador. Lisboa: Cinemateca Portuguesa, 2007.

    BENOLIEL, Bernard; BOURGUEOIS, Nathalie (Org.). India – Rossellini et les animaux. Paris: Cinémathèque française, 1997.