Ficha do Proponente
Proponente
- Naara Fontinele dos Santos (Université Paris 3)
Minicurrículo
- Graduada em Cinema pela UFSC (2010), possui dois mestrados pela Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3. Mestrado de pesquisa em Études cinématographiques et audiovisuelles intitulado “Da reportagem à invenção, da vie à mise en scène.” (2010-2012) e mestrado profissional em Didactique de l’image: production doutils, art de la transmission (2012-2014). Atualmente doutoranda da Paris 3, pesquisa sobre as “Formas críticas e experimentais no cinema de intervenção social brasileiro”.
Ficha do Trabalho
Título
- A luta do representativo e do predicativo em Lavra-dor (1968)
Resumo
- Através de uma metodologia que aposta na força de deslocamento de iniciativas estéticas e operações formais, propomos analisar o curta-metragem Lavra-dor, de Paulo Rufino e Ana Carolina (1968). Como uma imagem fixa ou móvel, um corpo ou um grafismo na tela, extratos de um poema ou recortes de um discurso político, torna-se matéria de representação ? Buscamos identificar as soluções formais adotadas pelos cineastas na elaboração desse ensaio poético de intervenção social.
Resumo expandido
- Como uma imagem fixa ou móvel, um corpo ou um grafismo na tela, extratos de um poema ou recortes de um discurso político, torna-se matéria de representação ? Como enriquece-los de novos sentidos ? Através da análise fílmica, abordaremos alguns procedimentos estéticos e discursivos no gesto de criação de uma obra original que se constituí fundamentalmente através da operação de reciclagem/reapropriação de materiais fílmicos, fotográficos, textuais e sonoros pré-existentes. Analisaremos um único filme : Lavra-dor, realizado por Paulo Rufino, com importante colaboração de Ana Carolina, em 1968. Premiado no Festival de Belo Horizonte, na Mostra do Cine Latino-Americano (Venezuela) e no Festival de Cine Documental Latino-Americano (Argentino), o curta-metragem recebe certa visibilidade e se inscreve na história do cinema brasileiro graças ao esforço analítico de Jean-Claude Bernardet em Cineastas e Imagens do povo (1985).
Em Lavra-dor, os jovens cineastas apostam na potencialização do olhar e da escuta de seus espectadores, no questionamento da premissa indicial do cinema documentário, no jogo de sobreposição de vozes e de sentidos, como elementos centrais de invenção de uma nova forma fílmica. Um “ensaio-poema” que se escreve, segundo Paulo Rufino, “por blocos significantes, cuja ordem não é necessária ao sentido ou à fruição que pretende oferecer. Poema em fragmentos, o assunto de Lavra Dor não é seu tema, mas a linguagem com que o recolhe. Ou acolhe.”. Um “ensaio-poema” crítico, que associa dialeticamente trechos de poemas de Mário Chamie no campo visual e sonoro, com discursos políticos, depoimentos (verdadeiros ou inventados para o filme), arquivos fílmicos e fotográficos e performances diante da câmera; a piedade aos discursos dos lavradores se contamina por apropriações textuais e sonoras diversas. Um “ensaio-poema” cujo assunto, o que o filme dá a ver e a ouvir, faz referencia às promessas de reforma agrária até meados dos anos 60 e ao desfalecimento provocado pelo golpe militar de 1964 que asfixia os sindicatos rurais brasileiros. Assim, um “ensaio-poema” de cunho político, no qual a política ressurge tanto da proposta temática quanto do gesto de construção fílmica. O ímpeto de intervenção social convive com as experimentações de “montagem intelectual”, “montagem vertical” e “montagem à intervalos”, de forma que o tratamento visual e sonoro de Lavra-dor mostra uma aproximação significativa com a rica tradição vanguardista do documentário experimental. A estética da colagem e da reciclagem de materiais dos anos 20 se reinventa sob a égide de um ensaísmo muito peculiar para a época e para o contexto brasileiro – como demonstrou Jean-Claude Bernardet em sua análise -, mas em plena correspondência formal com o cinema político e experimental contemporâneos à realização do filme (a integração gráfica de letreiros, tão presentes em Vertov, Jean-Luc Godard e em La hora de los Hornos de Fernando Solanas e Octavio Getino, por exemplo).
Em nossa análise, atentamos para a maneira como os sentidos implicados não depende somente das relações formais entre os planos, mas também da natureza e textura da imagem. Através de uma metodologia que aposta na força de deslocamento de iniciativas estéticas e operações formais, buscamos identificar e compreender as diferentes soluções adotadas por Paulo Rufino e Ana Carolina para manifestar uma forma de intervenção social-poética na qual a imagem cinematográfica é o lugar de luta do representativo e do predicativo, daquilo que ela dá a ver e daquilo que tentam fazê-la dizer ou pensar.
Bibliografia
- BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
BLÜMLINGER, Christa, Cinéma de seconde main – Esthétique du remploi dans l’art du film et des nouveaux médias, Paris : Klincksieck, 2013.
BRENEZ, Nicole, « Montage intertextuel et formes contemporaines du remploi dans le cinéma expérimental », Cinémas, Vol 13, n° 1-2, 2002, p.49-67.
_Traitement du Lumpenprolétariat par le cinéma d’avant-garde, Paris: Séguier, 2006.
DELEUZE, Gilles. Différence e répétition, Paris: PUF, 1968.
EISENSTEIN, Sergei, Film form, traduit de l’anglais par Teresa Ottoni, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2012.
NINEY François, L’épreuve du réel à l’écran. Essai sur le principe de réalité documentaire, Bruxelles: Éditions De Boeck Université, Collection Cinéma et Arts, 2002.
VERTOV, Dizga, Articles, journaux, projets, Paris : Union générale d’éditions, 1972.