Ficha do Proponente
Proponente
- Filipe Barros Beltrão (UFPB)
Minicurrículo
- Professor na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) lecionando disciplinas ligadas ao som no audiovisual nos cursos de Cinema e RTV. Doutorando do PPGCOM/UFPE com pesquisa sobre Design de som, Mestre em Comunicação Social pelo PPGCOM/UFPE na linha de pesquisa Mídia e Processos Sociais e Graduado em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco. Possui experiência na área de comunicação com ênfase em arte e tecnologia. Atua como músico, compositor e produtor musical.
Ficha do Trabalho
Título
- A natureza selvagem: o processo criativo sonoro no filme Anticristo
Seminário
- Teoria e Estética do Som no Audiovisual
Resumo
- O artigo se propõe a investigar o processo criativo no âmbito sonoro do filme Anticristo (Lars von Trier, 2009). A obra apresenta uma abordagem da criação do mundo a partir das forças da natureza e exprime essa relação no âmbito sonoro e imagético. A partir de entrevistas com o designer de som (Kristian Andersen) e o foley artist (Julien Naudin) procuraremos aprofundar o processo criativo para a criação de uma identidade sonora que contemple a relação orgânica com os sons.
Resumo expandido
- O processo criativo no som do cinema abre inúmeras possibilidades para os artistas envolvidos na construção da identidade sonora do filme. As escolhas estilísticas, artísticas e técnicas irão definir a assinatura e a peculiaridade do som do filme. Neste artigo abordaremos como esse processo se desenvolve no filme Anticristo (Antichrist, 2009) do cineasta dinamarquês Lars von Trier. Este artigo é fruto da minha pesquisa doutoral a respeito do design de som na filmografia do diretor.
Anticristo é o primeiro filme da última trilogia lançada pelo diretor que foi intitulada: Depressão (Depression). Na obra em questão parece evidente que o diretor transporta para a tela os seus pesadelos, seu subterrâneo de cunho psicanalítico e seus dramas vivenciados no período de profunda depressão. Nesta perspectiva, Anticristo carrega em si um terror psicológico. abordando a condição humana explicitada nos subterrâneos da mente, em forma de cenas de mutilação genital e sexo explícito.
Anticristo se utiliza de uma estrutura recorrente dividindo em capítulos intitulados: Luto, Dor (Caos Reina), Desespero (Genocídio) e Os Três Mendigos (CREMASCO; THIELEN, 2010). Além disso, apresenta um prólogo e um epílogo para contar a história de um casal que se refugia numa floresta isolada chamada de Jardim do Éden, após a perda drástica do seu filho único. O casal interpretado Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg vivencia um drama existencial.
O filme surge da indagação do diretor a cerca da criação do mundo. Ele lança a possibilidade da natureza ser uma criação demoníaca (que ele nomeia “anticristo”) (SOERENSEN; CORDEIRO, 2010). Essa premissa irá nortear a parte sensitiva do filme, mostrando uma natureza cruel e selvagem, onde a força criadora é algo voraz e incontrolável. Durante o roteiro, é muito frequente a presença de animais no éden, em cenas de que mostram o lado mais brutal da sobrevivência na terra. Longe de ser uma natureza bucólica, com sons agradáveis e suaves, a perspectiva do filme era contrastar com esse direcionamento, apresentando sons mais impactantes, causando um certo desconforto.
Esse arcabouço conceitual foi o principal direcionamento para criar o design de som do filme. A partir de duas entrevistas, uma com com o designer de som e criador da trilha musical Kristian Eidnes Andersen; e outra com o foley artist Julien Naudin, podemos aprofundar detalhes da criação sonora.
Lars von Trier tinha demandas específicas para o som e dois conceitos foram fundamentais para a criação: 1) a apresentação de sons da natureza com uma certa crueldade e 2) sons internos do corpo apresentando a perspectiva da personagem principal.
Kristian Eidnes Andersen tem uma extensa colaboração com Trier, atuando desde 1996, e após se dedicar a edição e ao design de som assinou neste filme também a música. No entanto, esta é pouco tradicional e se baseia na utilização de drones criados a partir de sons da natureza.
Andersen (2016) afirma que passou muito tempo captando sons naturais, rochas, galhos, gravetos. Após essa captação sonora ele criava os samplers no computador e manipulava os sons estendendo a sua duração e diminuendo a sua altura, para que alguns sons soassem mais graves. O resultado foram trilhas que mostram a força da natureza e o poder da terra como algo incontrolável e envolvente.
A criação do foley por Julien Naudin guarda aspectos interessantes do seu processo criativo. No intuito de mostrar a percepção do sons externos pela personagem principal, ele criou a seguinte solução: enfiou um microfone da marca DPA pela cloaca de uma galinha e colocou perto dele durante as seções de gravação do foley (NAUDIN, 2015). O microfone captava o som interno dentro do animal, simulando uma percepção interior do corpo humano.
A investigação dos detalhes do processo criativo do filme, nos revelam como os desafios conceituas existentes no design de som se materializam praticamente no seu fazer prático no filme Anticristo.
Bibliografia
- ANDERSEN, Kristian Eidnes. Entrevista com Kristian Andersen: o sound design de Lars von Trier. Recife, 21 de jan. 2016. Entrevista concedida a Filipe Beltrão.
COULTHARD, Lisa. Dirty Sounds: Haptic Noise in New Extremism. In: VERNALLIS, Carol; HERZOG, Amy; RICHARDSON, John eds. The Oxford Handbook of Sound and Image in Digital Media. New York: Oxford University Press, 2013.
CREMASCO, Maria Virginia Filomena; THIELEN, Iara Pichioni. Luto e melancolia em Anti-Cristo: um olhar clínico sobre as confissões do realizador. Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas, Florianópolis, v. 11, n. 98, p. 32-49, maio 2010.
NAUDIN, Julien. Entrevista com Julien Naudin: o trabalho de Foley Artist no filmes de Lars von Trier. Recife, 11 de nov. 2015. Entrevista concedida a Filipe Beltrão.
SIMMONS, Amy. Antichrist. New York: Columbia University Press, 2015.
SOERENSEN, Claudiana; CORDEIRO, Priscilla de Paula. “O Anticristo” de Lars Von Trier: simbologias e leituras. 2010.